Campeão no The Masked Singer, David Junior pensa investir na música: ‘Ocupei lugar que a princípio não seria pra mim’


Vencedor da segunda edição do programa, o ator estará no elenco das séries ‘Sob Pressão’ e ‘Fim’. Realizado com as conquistas da profissão, ele divide ainda questões muito particulares, como as marcas que carrega por conta do racismo no país, que alimenta a violência contra a população negra: “Hoje, podendo sonhar para além da casa, vejo que sou uma exceção da exceção destes 56% da população negra do Brasil que ainda está tentando ‘tirar o nariz da água’. Sobreviver comprando feijão, o gás. É tudo muito novo para mim ainda. Hoje sei que posso ser o que eu quiser, mas isso não é apresentado pra nós que somos negros e periféricos no país. Porque, na verdade, você sai de casa e não sabe se vai voltar. Trato isso na terapia até hoje, ainda tenho esse medo”

*Por Brunna Condini

Campeão da última edição do Masked Singer Brasil, David Junior falou ao site com exclusividade sobre algumas curiosidades da empreitada e abriu o coração sobre a vida nada fácil. “Já tive jornadas loucas na vida, mas essa, sem dúvida, foi a mais intensa. Foram 45 dias para gravar um programa inteiro, é meio sobre-humano. Uma rotina insana, mas conquistei, além do prêmio, o fato de conseguir me reconhecer como cantor. Ter consciência que eu tenho o dom para isso, se quiser vislumbrar como uma outra profissão também. Apesar de já ter a minha como ator estabelecida”, avalia. “Foi uma prova de fogo pessoal e deu certo”, sinaliza.

O ator revela ainda se pretende seguir trabalhando a carreira musical após o reality: “Estou trabalhando essas possibilidades com cautela. Venho de uma família de músicos, e tenho necessidade de consumir e produzir algo de qualidade. Me exijo muito. Quero ter calma para fazer um produto que ache bom, de qualidade para o mercado. E colocar minha identidade musical quando acontecer”, diz.

David Junior no palco: campeão do Masked Singer Brasil (Reprodução)

David Junior no palco: campeão do Masked Singer Brasil (Reprodução)

“Gosto muito de música popular brasileira, em sua amplitude. De samba, pagode, passando por soul music. Gostaria de ter um pouco de tudo na minha identidade musical. Tipo o Emicida, sabe? Que você consegue ouvir cantando com o Zeca Pagodinho, e outros artistas, e ele veio do rap, mas não faz do estilo sua linha de frente na música. Acho que essa ‘miscigenação’ musical, se é que posso dizer isso, também faz parte de mim”.

Desejando experimentar tudo que vier no ‘cardápio’ artístico, David Junior também estreia em breve duas série da Globo e Globoplay: ‘Sob Pressão’ e ‘Fim’. “Tenho feito trabalhos muito diferentes. Quero continuar apresentando minha arte de forma plural. Que as pessoas saibam quem eu sou, afinal trabalho pra isso”, observa.

"Tenho feito trabalhos muito diferentes. Quero continuar apresentando minha arte de forma plural" (Foto: Jorge Bispo)

“Tenho feito trabalhos muito diferentes. Quero continuar apresentando minha arte de forma plural” (Foto: Jorge Bispo)

 “Na série médica, eu continuo fazendo o doutor Mauro, um neurocirurgião. Foi um universo novo que se abriu pra mim. Não existem quase cirurgiões negros no Brasil. E nem muitos negros na medicina. Conheci o doutor Ivan, um neuro que se aposentou, deixando seu lugar no hospital Miguel Couto vago. E ele é zero pedante, que é meio um olhar imposto sobre a especialidade, e isso humanizou meu personagem. Ele é extremamente empático”.

"Na série médica, continuo fazendo o doutor Mauro, um neurocirurgião, foi um universo novo que se abriu pra mim. Não existem quase cirurgiões negros no Brasil" (Divulgação)

“Na série médica, continuo fazendo o doutor Mauro, um neurocirurgião, foi um universo novo que se abriu pra mim. Não existem quase cirurgiões negros no Brasil” (Divulgação)

“Já em ‘Fim’, vivo o Neto, um pai de família, apaixonado pela estrutura que conseguiu criar, e pelos amigos, que traz ao longo da vida. A série fala de finitude. Estou com 36 anos e passei por uma caracterização para envelhecer, um lugar que ainda não cheguei, mas quero. Refletir sobre isso mexeu comigo. É um trabalho potente’, avisa David.

Da Baixada para o mundo

Filho de pai policial civil e mãe professora, o ator, que iniciou sua trajetória como ator aos 22 anos, conta que os pais esperavam que ele também fosse funcionário público, como eles. “Minha mãe dizia que eu deveria ser também, porque além da estabilidade, ela destacava que funcionário público não é uma ‘cor’, é um ‘número’. Até tive uma época da vida em que quis ser sargento do exército. Achava que seria o máximo que chegaria, porque o ‘teto’ de sonho não era alto. Agora eu quero tudo, quero o mundo”, determina. “Tenho feito o exercício de aproveitar um pouco mais as conquistas. Me sinto abençoado. Consegui sair de um lugar e ocupar outro, que a princípio não seria pra mim. Construí meu caminho”.

"Me sinto abençoado. Consegui sair de um lugar e ocupar outro, que a principio não seria pra mim. Construí meu caminho" (Foto: Jorge Bispo)

“Me sinto abençoado. Consegui sair de um lugar e ocupar outro, que a principio não seria pra mim. Construí meu caminho” (Foto: Jorge Bispo)

E analisa: “A arte me encontrou. Sempre abracei as oportunidades. Nunca fui muito de planejar, sonhar com coisas. No passado, quando vi a oportunidade de ser um vendedor de loja, abracei e fui o melhor que pude naquele momento. Como corretor também, e de lá fui para a arte”.

Permissão para sonhar

Ainda falando sobre sua trajetória, David aponta. “Olhando para trás, posso dizer que depois do momento que conseguimos tirar a ‘cabeça fora da água’, pra gente que é preto e periférico no Brasil, e tem como meta de vida sobreviver, dá para começar a sonhar. Então posso dizer, que hoje, consigo sonhar, projetar minha vida para daqui há alguns anos. E é louco, porque ainda assim tem esse resquício da sobrevivência. Penso que daqui há cinco anos quero ter minha casa própria. Venho de uma família, em que minha mãe passou por ‘trocentas’ casas, até não ter mais casa, e ter que morar em um colégio interno, ficando longe da família, das irmãs. Por isso, ela sempre teve muito medo de perder o teto. E passou isso pra nós. Para além da sobrevivência, comer, vestir, o teto é o bem mais valoroso”.

"Hoje sei que posso ser o que eu quiser, mas isso não é apresentado pra nós que somos negros e periféricos no Brasil" (Foto: Darwin do Brasil)

“Hoje sei que posso ser o que eu quiser, mas isso não é apresentado pra nós que somos negros e periféricos no Brasil” (Foto: Darwin do Brasil)

“Hoje, podendo sonhar para além da casa, vejo que sou uma exceção da exceção destes 56% da população negra do Brasil, que ainda está tentando ‘tirar o nariz da água’. Sobreviver comprando feijão, o gás. É tudo muito novo para mim ainda. Hoje sei que posso ser o que eu quiser, mas isso não é apresentado pra nós que somos negros e periféricos no país. Porque na verdade, você sai de casa e não sabe se vai voltar. Trato isso na terapia até hoje, ainda tenho esse medo. Principalmente agora que me tornei pai. Essa ferida profunda que temos do racismo no país faz com que eu tenha passado metade da minha vida sem me permitir sonhar. Agora sou uma pessoa um pouco mais curada, sonhadora e realizada. Sou um ator que conseguiu estar em um lugar confortável para criar a minha filha (Amora, de 1 ano, da sua união com Yasmin Garcez), ter minha família. Só esse lugar pra mim já é uma vitória enorme, e pra minha família também”.

O ator divide ainda um assunto doloroso: “São muitas marcas. Tenho quatro assassinatos de homens na família, e nenhum deles era envolvido com crime. Um deles, foi o meu pai. Então, essa coisa do medo de sair sem saber se volta, é por isso. Além de ser histórico, estrutural, está muito agarrado em mim. Meu pai morreu em um bar a um quilômetro de casa, em uma emboscada. Roubaram a arma dele para um assalto. Mataram meu pai com a arma dele”.

Paternidade

Completamente apaixonado pela ‘aventura’ da paternidade, o artista fala das transformações que a chegada de Amora desencadeou. “A gente vai se tornando pai. Tenho me redescoberto todos os dias. É muito amor. A paternidade me fez dar um 360 graus na vida. Aprendo muito com a Amora. Todas as certezas que eu tinha caíram por terra. Zerei a vida e recomecei. Estou revendo o homem que sou e o que desejo ser. Mas tem me agradado muito. Meu objetivo hoje é ver minha filha crescer. Transformá-la em uma mulher forte, realizada, com autoestima. E isso é um projeto de vida mesmo, que não acaba. Quero ter vida e saúde para isso. E vou ter”, determina.

Com a mulher, a atriz Yasmin Garcez, e a pequena Amora: "Meu objetivo hoje é ver minha filha crescer. Transformá-la em uma mulher forte, realizada, com autoestima" (Reprodução)

Com a mulher, a atriz Yasmin Garcez, e a pequena Amora: “Meu objetivo hoje é ver minha filha crescer. Transformá-la em uma mulher forte, realizada, com autoestima” (Reprodução)

“Eu e Yasmin temos uma relação inter-racial aqui em casa, então minha filha não é negra retinta como eu, mas o racismo não deixa de existir por isso. E ela vem de uma família de negros, então o racismo vai perpassar por ela de qualquer forma. O nosso trabalho aqui em casa é ajudá-la a criar sua identidade, autoestima. Também vamos mostrar que ela tem pais que enquanto artistas, corpos políticos, fazem o que podem para o mundo ficar melhor pra ela e as outras crianças”, conta David, que ao lado da mulher criou o projeto ‘Hora do Blec‘, com o objetivo de preencher uma lacuna de representatividade na infância, especialmente entre crianças até seis anos de vida.

E revela: “Amo ser pai e quero ter mais filhos”. Filhos, David? “Sim, Amora está com 1 ano e 4 meses, mas queremos outros, e desejamos que cresçam juntos. Ela ainda é pequena, mas sou de família grande, gosto de casa cheia”.