*Por Brunna Condini
Ela decidiu cedo que não desistiria dos sonhos e não desistiu. A empresária Camila Farani se tornou conhecida do público como jurada do Shark Tank Brasil, mas vem trilhando sua jornada no mundo empresarial, dominado por homens brancos, desde os 21 anos. Eleita uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg, Camila vem sendo notícia também após falar abertamente sobre sua relação com a consultora de imagem e personal stylist Tula Tavares. “Já é sabido que quando assumi a minha sexualidade perdi seguidores no meu Instagram. Em um dia, foram 6 mil. Não parece muito no universo de milhões de seguidores, mas para um dia é um número bem elevado. Já a Tula, que é consultora de moda, ganhou. Por que será que isso aconteceu? São questões para a gente pensar. A verdade é que precisamos seguir avançando no mundo empresarial, do empreendedorismo e do investimento, sempre na direção de uma visão mais plural. As pessoas, as empresas e a sociedade precisam disso. A questão não é sobre número de seguidores nas redes sociais, mas sobre o porquê de você deixar de acompanhar uma pessoa simplesmente por ela ter assumido todas as faces de quem é. Isso significa muito sobre o mundo em que vivemos. O preconceito existe e é real. Não é fácil, mas é importante dar esse passo e inspirar mais mulheres”, reflete Camila, nesta entrevista exclusiva ao site.
Entendi que estava seguindo um padrão, mas que eu poderia ser o meu próprio padrão – Camila Farani, empresária
Aos 41 anos, ela já tem um legado admirável, mas para Camila não é apenas sobre ter se tornado a única mulher reconhecida como a melhor Investidora-Anjo no Startup Awards e reconhecida pela Association for Private Capital Investment in Latin America (Lavca), como uma das principais investidoras da América Latina por quatro anos consecutivos. Dona de um patrimônio que movimenta cerca de R$ 3,7 bilhões por ano, gerando mais de 15 mil empregos, a empresária coloca como missão transformar vidas através do empreendedorismo. E entendendo que a empresária não se dissocia da pessoa física, comenta que a iniciativa de falar do seu relacionamento com Tula pode ajudar outras mulheres. “Entendi que a melhor forma de apoiar seria através da principal bandeira que eu levanto, que é o empreendedorismo. A Wakanda, investida por mim, é um exemplo disso. Uma empresa liderada por uma mulher gay e negra, que é uma educadora e que fala para a comunidade periférica. Estou atenta e atuante usando as ferramentas que eu mais domino e que acredito”.
Se tornar empreendedor é gastar sola de sapato, ir atrás – Camila Farani, empresária
Camila se reconhece como o ‘B’ (bissexual) na sigla LGBTIQIA+, e já tendo declarado que sua bandeira é o empreendedorismo, acredita que com isso também pode fortalecer lideranças LGBTQIA+. Considera que viver sua história de amor sem se esconder, já é levantar a bandeira da comunidade? “Sim, já é. E é exatamente sobre isso. O meu relacionamento com a Tula é a minha verdade. Só que quero ir além, ajudar outras mulheres, pois no segmento que atuo não temos tantos exemplos. E venho fazendo isso há muito tempo”.
Acredito que as pessoas que se destacam em suas áreas de atuação são as que atentam para os detalhes – Camila Farani, empresária
A carioca de Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro, comemora um ano ao lado da namorada: “Sempre me relacionei com homens até o dia em que me apaixonei por ela. Entendi que estava seguindo um padrão, mas que eu poderia ser o meu próprio padrão. Foi então quando me permiti me apaixonar por uma mulher. Nós nos conhecemos por uma questão de trabalho, ela é consultora de moda, trabalha comigo e com outras marcas. Durante muito tempo achei que tinha que me relacionar com pessoas da área de negócios, o que é uma bomba prestes a explodir. Mas com a Tula é bem diferente, ela me traz uma leveza e uma paz que está sendo muito importante para mim nesse momento”.
Perdi seguidores e minha namorada, que é consultora de moda, ganhou. Por que será que isso aconteceu? São questões para a gente pensar – Camila Farani, empresária
Ela subiu e puxa outras
“As cobranças começaram muito cedo na minha vida. Perdi meu pai aos 4 anos e vi minha mãe abrir uma empresa para garantir o sustento da família. Ajudava minha mãe nos negócios e estudava Direito. A minha jornada começou muito cedo e isso me fortaleceu demais. A minha história é parecida com a de milhões de brasileiros que precisam seguir em frente, que precisam buscar soluções. Só para você ter ideia, minha mãe começou a Tabaco Café sem nenhum conhecimento em gestão, sem saber lidar com colaboradores. Mas tínhamos uma certeza: o negócio precisava dar certo. Por isso, fica fácil entender que tipo de cobranças eu me fiz ao longo dos anos”, divide.
O meu relacionamento com a Tula é a minha verdade, mas desejo ir além, ajudar outras mulheres. No segmento que atuo não temos tantos exemplos – Camila Farani, empresária
“Aos 21 anos, propus à minha mãe que se eu conseguisse aumentar em 30% as vendas no negócio, receberia uma pequena participação na empresa. Alcancei 28%, com a introdução do Iced Coffee. Não atingi a meta, mas uma coisa te digo, ter atitude mudou a minha vida”. E acrescenta: “Sou muito rigorosa não apenas na hora de investir, mas em tudo que faço. Acredito que as pessoas que se destacam em suas áreas são as que atentam para os detalhes, que são informadas, que olham seus concorrentes, analisam cenários, mercado. É cansativo buscar sempre a excelência, dá muito trabalho, mas é o que dá resultado. Como atuo com negócios de alta performance, sou inevitavelmente superexigente”.
Alguém nasce empreendedor ou se torna? “Acredito no aprendizado intencional e continuado. E o motor disso é a curiosidade. Precisamos buscar sempre novas ideias, aperfeiçoando as habilidades e adquirindo novas. Não precisamos dominar tudo, por isso mesmo, uma das habilidades do empreendedor deve ser a de construir times complementares. Foco em resultados, capacidade de gerir times de alta performance, empatia, habilidade de resolver problemas, paixão, data driven, enfim, são muitas as capacidades que podem ser desenvolvidas. A minha inquietude sempre fez com que eu buscasse mais, lesse mais, estudasse mais. Se tornar empreendedor é gastar sola de sapato, ir atrás”, orienta.
E aproveita para falar diretamente para quem começou a empreender, mas está desanimado com os ‘nãos’ do caminho ou até mesmo se sentindo perdido. “Existe um preconceito estrutural na sociedade que atinge as mulheres, as pessoas negras e outras minorias. Passei alguns desconfortos, como estar em uma sala cheia de homens e ouvir piadinhas, mas entendi que não era isso que ia me parar. Se eu não ressignificasse isso dentro de mim continuaria lutando contra uma coisa que estava fora do meu controle. Por isso, me resguardei como podia: estudei muito, melhorei a minha argumentação, me capacitei intelectual e emocionalmente. O que eu faço hoje é ajudar outras mulheres a também se capacitarem para que a gente não fique no lugar de vítima e mude essa realidade. Acredito que se a pessoa é dedicada e confia em si mesma, pode ser o que quiser. Além de ter sempre em mente uma frase que gosto muito: Desistir não é opção”, frisa, citando o título do seu primeiro livro.
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