A geração de jovens dos anos 80 viveu questões fortes no Brasil. Além da abertura política, após 20 anos de ditadura, tiveram que lidar com o começo da vida sexual de uma maneira mais difícil do que o comum. É que os primeiros casos de Aids começaram a ser repercutidos naquela época. É esse universo que a diretora Marina Person, uma das jovens dessa geração, leva às telas do cinema. A gente, sempre insider, viu o filme, batizado“Califórnia”, durante o Festival do Rio, nessa segunda (6). “Esse longa é uma parte da biografia de uma geração. Não é um filme autobiográfico, mas tem elementos espalhados. A Estela, protagonista, é obcecada por David Bowie como eu era. Falamos muito do rock brasileiro que pulsava naquela época, dos primeiros casos de Aids, que na época do filme estava no auge do desespero e preconceito”, explicou.
Se a música era forte naquela época, a trilha sonora do longa contou com a mão firme da diretora, que acompanhou de perto a escolha de cada canção. “Sempre gostei muito de música, vivia muito os Beatles. Eu queria colocar bandas da minha cabeça de adolescente como Titãs, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e as internacionais como The Cure, The Smiths, New Order”. Além disso, os detalhes e objetos enriquecem ainda mais o longa. “Nós não podíamos tirar tudo de atual das ruas, então pegamos clássicos, como fita cassete, gravador, pacotes de modess. Foi tudo muito cuidadoso. O jeito de se comunicar era diferente”. A novata Clara Gallo, que dá vida à Estela, contou que teve dificuldade em manusear alguns desses objetos e falou sobre a experiência de viver uma década da qual não fez parte. “Tiveram uns desafios, quando eu pegava a fita não sabia mexer. É muito diferente, principalmente a tecnologia da comunicação. Parava-se pra escrever carta, gravar fita”, listou. Ainda assim, ela acredita que a personagem tem questões muito atuais. “É uma adolescente com seus medos, mas que quer descobrir o mundo, sair da vida conservadora da casa. Ir além das convenções da escola”, definiu.
Em seu primeiro longa de ficção, a diretora Marina Person relembra suas vivências, mas pretende dialogar com o público jovem como um todo. Ela, que emprestou recortes, ingressos antigos de shows e lembranças pessoais para compor o contexto da época, acredita que as questões na juventude são parecidas. “É sobre jovens e eu quero ver como os da atualidade vão encarar os dos anos 80. Tem questões que são comuns a todas as gerações e países. Não importa se estão nos Estados Unidos ou Irã, os adolescentes vivem uma busca do lugar no mundo, questões como perda de virgindade, namoro e o que fazer da vida são universais. A única diferença é que falo delas dentro de um tempo no passado”, analisou ela, emendando que as semelhanças físicas entre ela e Clara não foram uma questão determinante. “Isso não contou, até porque ela fez o teste com dreadlocks. Eu não queria atores profissionais e ela fez um teste muito natural, espontâneo. Eu não tinha perfil da atriz, podia ser loira, ruiva, morena. Mas tem coisas que falam mais alto, vai explicar? Nosso subconsciente está aí”, disse.
A difícil missão de abordar a Aids fica por conta da interpretação sensível do veterano Caio Blat. Na história, o tio de Estela que mora na Califórnia é um dos poucos casos da doença de que se tinha conhecimento na época. Carlos, um homem liberal, que foge totalmente do padrão da família, acaba virando uma espécie de ídolo para Estela. “O personagem é um alternativo. Enquanto Estela tem uma família classe média com um pai careta, esse tio doidão, que foi morar na Califórnia e escreve sobre rock acaba virando sua inspiração”
Antes da sessão especial, o ator reafirmou a importância de se discutir a Aids nos dias atuais. “A história é sobre a geração filha da liberdade sexual e quando chega a vez dela a festa acabou, tem essa doença perigosíssima que mata. Foi muito impactante na nossa época, um susto, vimos nossos ídolos morrendo. Hoje se vive melhor com a doença, mas é importante falar porque aumentou a contaminação e ainda mata muita gente”, disse ele, que chegou a emagrecer para o papel. “Já sou magro, mas consegui perder mais peso. Deu para registrar bem doente no vídeo, a caracterização ajudou também. As pessoas vão ver um cara solar, feliz, de personalidade forte definhando, perdendo forças. É impactante”, garantiu ele, que está confirmado no elenco de “Joaquina”, próxima novela das 23h.
O filme que chega no dia 3 de dezembro aos cinemas já é especial para muitos. Zeca Camargo foi prestigiar a amiga Marina e contou que leu o roteiro pronto, mas preferiu não assistir nenhuma cena completa. “Eu acompanhei o processo, a ideia, as filmagens, o drama da trilha sonora, que, aliás, até dei palpite. Vivi os anos 80, então é a história da minha vida. Vou me identificar com certeza”, disse. Malu Mader também marcou presença na sessão especial e compartilhou sua curiosidade. “Eu vi o filme nascendo, desde os primeiros tratamentos. Quero assistir o resultado e saber como ela expressou o sentimento de quem viveu os anos 80”, afirmou. Já Bárbara Paz, amiga de Marina há 20 anos e também diretora, está filmando um novo documentário e garantiu que sua relação com o cinema é especial. “Minha vida ganhou um novo sentido depois que descobri essa nova faceta. O meu caminho é a direção, mas a atuação vai junto sempre”. Perguntada sobre projetos ao lado de Marina, Bárbara lamentou: “Por enquanto nada, mas hoje estou torcendo pelo primeiro filme dela e eu sei que é lindo”, disse.
Se dezembro parece longe para os espectadores, o tempo significa pouco para Marina. O projeto, que nasceu em 2004, estreia nos cinemas de todo o Brasil exatamente no primeiro mês das férias de verão. “Foram muitas etapas. O que tínhamos em 2004 era uma ideia, mudamos coisas, mexemos no roteiro. O processo foi uma gestação muito longa com etapas e agora é só entregar e ver o que acontece”. Nós, do site HT, já sabemos: sucesso.
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