Caio Cabral, da série De Volta Aos 15, e o racismo: “Crianças negras crescem sem referência na atuação jovem”


No ar ainda no filme ‘Confissões de Uma Adolescente Excluída’, também da Netflix, o ator ressalta que somente recentemente os atores negros estão tendo a oportunidade de fazer papéis de galã teen. “Produtores e diretores não costumavam colocar a galera preta nesse perfil. Quero que os meus também tenham a oportunidade de viver isso. Não é por conta da nossa cor que a gente não pode estar em lugares dos quais ficam nos privando”, pontua

Caio Cabral pode ser visto em dose dupla na Netflix: Na série De Volta Aos 15 e no filme Confissões de Uma Adolescente Excluída (Foto: Carla Reichert)

Caio Cabral pode ser visto em dose dupla na Netflix: Na série “De Volta Aos 15” e no filme “Confissões de Uma Adolescente Excluída” (Foto: Carla Reichert)

* Por Carlos Lima Costa

Destaque da série De Volta Aos 15 e do filme Confissões de Uma Adolescente Excluída, ambos da Netflix, o ator Caio Cabral, aos 22 anos, é um jovem de posições firmes. Além de atuar e crescer na profissão, considera importante usar a visibilidade para debater e combater os mais variados preconceitos. “Até bem pouco tempo, no audiovisual não tinha tanta visibilidade para o povo preto. Começamos a ter uma transição, mas que ainda é lenta. O meu objetivo antes de começar a trabalhar sempre foi aparecer para justamente abrir caminhos para os meus, sabe, ser exemplo para as crianças que, no Brasil, crescem sem referência na atuação jovem. Claro, temos nomes como o Lázaro (Ramos), o Fabrício Boliveira, mas agora, por exemplo, é que estamos tendo a oportunidade de fazer papéis de galãzinho teen. Produtores e diretores não costumavam colocar a galera preta nesse perfil. Quero que os meus também tenham a oportunidade de viver isso. Não é por conta da nossa cor que a gente não pode estar em lugares dos quais ficam nos privando”, enfatiza ele, cuja primeira experiência no audiovisual foi a novela Bom Sucesso, da Globo, em 2019.

E faz uma análise superpositiva da forma como vem trilhando sua trajetória. “Tenho personalidade forte, autoconfiança, acredito no meu potencial e no que tenho para conquistar ainda independentemente da dificuldade que a vida tem. Sempre tive esse tipo de pensamento, acreditei que eu ia ser uma pessoa que faria alguma diferença no mundo. Óbvio que ainda estou no começo, mas olhando para trás e me vendo hoje, penso que estou no caminho certo”, observa.

"Sofrer o preconceito praticamente desde que você nasceu ou se conhece por gente é uma situação que irrita", ressalta Caio (Foto: Carla Reichert)

“Sofrer o preconceito praticamente desde que você nasceu ou se conhece por gente é uma situação que irrita”, ressalta Caio (Foto: Carla Reichert)

Em sua profissão, percebe claramente a questão de artistas negros perderem personagens por conta da cor da pele. E lembra quando Lázaro, no papel de Foguinho, foi o galã de Cobras & Lagartos, novela das 7, exibida em 2006. “A galera chocada pegou no pé do cara, porque não achava que uma pessoa negra, de traços negros, poderia habitar em um papel de galã. Hoje em dia, vem acontecendo uma mudança, tem mais pessoas pretas em papéis importantes, mas é bem pouco ainda”, reforça.

Caio conviveu com o preconceito racial desde criança. “Nunca passei sufoco, sempre tive comida, roupa, mas a questão financeira não faz ninguém deixar de sofrer o racismo. Eu sofri em diversos lugares. Na escola, na rua, indo para qualquer lugar, pra jogo, pra banco. Desde que eu comecei a sair na rua sozinho com 11 anos, isso sempre aconteceu e acontece ainda. Então, é preciso ser centrado para não perder a cabeça ali na hora, porque sofrer o preconceito praticamente desde que você nasceu ou se conhece por gente é uma situação que irrita. Mas não vou aceitar ser chamado de agressivo só por conta da cor da minha pele. Então, não perco a cabeça. Tem que ficar tranquilo para não acontecer o pior com a gente, como ouvimos falar de tantos casos. Sempre que eu sou parado por polícia ou quando alguém age com preconceito, eu procuro levar o papo certo com a pessoa”, explica.

"Na minha criação, me conscientizaram que eu ia ter que lutar duas, três, quatro, cinco vezes mais para profissionalmente chegar no mesmo nível de uma pessoa branca", conta Caio (Foto: Carla Reichert)

“Na minha criação, me conscientizaram que eu ia ter que lutar duas, três, quatro, cinco vezes mais para profissionalmente chegar no mesmo nível de uma pessoa branca”, conta Caio (Foto: Carla Reichert)

Pai de Manuela, de dois anos, Caio vislumbra na educação da filha dar ensinamentos caminhos que amenizem o racismo que ela possa sofrer no futuro. Quer reproduzir com a herdeira orientações que ele próprio recebeu dos pais. “Tudo é questão de criação. Ninguém nasce racista. Então, vou fazer como fizeram na minha criação, me conscientizando desde o início que pela cor da minha pele eu iria sofrer, que ia ser difícil pra mim, que eu ia ter que lutar duas, três, quatro, cinco vezes mais profissionalmente para chegar no mesmo nível de uma pessoa branca. Então, ela vai ser bem ensinada e acho que vai ser uma pessoa importante para a mudança, para a transição de pensamento dessa geração aí”, ressalta.

Em seu mais recente trabalho exibido na Netflix, a série De Volta Aos 15, onde contracena com nomes como Maisa Silva e Amanda Azevedo, ele vive o adolescente Henrique, papel que divide com o ator Breno Ferreira, que o interpreta na fase adulta. “Com 15 anos, eu tinha facilidade de me comunicar com a galera da escola. Sempre fui do esporte e tive boa relação com todo mundo e o Henrique é introvertido. A postura que ele tem com 15 anos não é igual a que eu tinha”, compara Caio, que chegou a gravar em Paris, na França. Sucesso em diversos países, a série vai ter uma segunda temporada.

Caio Cabral em frente a Torre Eiffel, em Paris, onde esteve para gravar a série De Volta Aos 15 (Foto: Arquivo Pessoal)

Caio Cabral em frente a Torre Eiffel, em Paris, onde esteve para gravar a série De Volta Aos 15 (Foto: Arquivo Pessoal)

Muito antes de estrear na televisão, Caio se envolveu com o teatro aos 9 anos, indo estudar no Tablado, por influência da tia Luana Cabral, que era atriz e atualmente é produtora cultural. No mesmo período, começou a trabalhar também como modelo. A oportunidade de estrear na televisão aconteceu depois que começou a integrar o casting da agência 40 Graus Models.