Caio Blat estreia como diretor de novela, “urbaniza” Guimarães Rosa e detona a polarização política: “Irracionalidade’


O ator prepara a estreia de “Grande Sertão”, longa de Guel Arraes que transporta o sertão atemporal de Guimarães Rosa para um centro urbano deflagrado por problemas sociais. Para Caio, há uma conexão direta entre o conflito urbano e o pouco caso da política com as regiões mais vulnerabilizadas, além de haver também um abismo de diálogo entre as filosofias políticas que não conversam. Este inclusive foi o tema de seu último longa metragem, “O Debate”. Além do longa, com estreia programada para o início de junho, Caio anuncia seu próximo projeto como diretor: Um filme em homenagem à Cacilda Becker, e sua estreia como diretor e ator de novelas em “Beleza Fatal”, da HBO Max.

*por Vítor Antunes

O fato de Caio Blat ter crescido diante das telas parece pressupor uma espécie de onipresença. A impressão que temos é de que ele sempre esteve lá, nas telas – de forma diversa – tanto no cinema, como na televisão. Nas novelas e até nos telecursos de Ensino Fundamental e Médio. Aos 44 anos, o artista mergulha mais aprofundadamente em outras ferramentas. Dedica-se cada vez mais à direção, ainda que não tenha abandonado o ofício de ator, estreará “Beleza Fatal“, na HBO Max trabalhando como ator e na direção de novelas e é um dos nomes envolvidos na proposta de popularizar Guimarães Rosa (1908-1967), autor do modernismo brasileiro famoso por seu rebuscamento e algum hermeticismo, em “Grande Sertão“, longa de Guel Arraes.

O primeiro longa-metragem de Caio Blat como cineasta, em 2022,  se propôs a falar sobre a polarização política, rascante naquele ano de eleição e sobre o qual falamos aqui no Site Heloisa Tolipan. Passados dois anos daquele lançamento, teria abrandado a polarização? Para Caio, definitivamente, não. “A polarização permanece, beirando a irracionalidade. O brasileiro não é moderado em nada. A desigualdade social cria um abismo, e cada um quer defender apenas seu ponto de vista. Acredito sempre que temos que refundar o país pensando nos mais vulneráveis: as crianças pobres”.

Inclusive, a desigualdade social é um dos motes de “Grande Sertão“, longa de Guel Arraes que transpõe o sertão mineiro de Guimarães Rosa para um bairro periférico. Em vez de cangaceiros, milicianos e toda a sorte de reveses sociais igualmente violentos. A violência nasce do desprezo do poder público ou não necessariamente dele? Há regiões da cidade mais e menos merecedoras do olhar do poder público? Segundo o artista , “O Brasil tem um déficit social enorme, e imensos bolsões de pobreza dentro das cidades, onde vive o exército de mão de obra barata dos grandes centros comerciais. Onde falha o poder público impera a lei do mais forte, as quadrilhas e milícias que desafiam a ordem, e quem mais sofre é sempre a população mais pobre”. O longa estreia dia 06/06 e já contou com um pré-lançamento, no Complexo do Alemão.

Grande Sertão conta com Caio Blat e Luísa Arraes (Foto: Helena Barreto)

O/A ROSA DO POVO

A Rosa do Povo” é um livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), tido como um dos primeiros a apresentar o amadurecimento da poesia do gênio minero, nascido em Itabira. Guimarães Rosa, tem em “Grande Sertão: Veredas”, sua magnum opus, onde traduz com muita sofisticação a simplicidade do homem do interior, do sertão de Minas. O Rosa, ainda que famoso, e falando do sertanejo, talvez não tenha atingido de maneira tão lancinante o povo enquanto massa. Algo que talvez Drummond tenha conseguido um pouco mais, ainda que timidamente. Talvez esta seja uma das ideias de Guel Arraes e Jorge Furtado, diretores, e Luísa Arraes e Caio Blat, atores do longa, em atualizar o clássico roseano para o cinema: fazer do autor, “o Rosa do povo”. Saem do sertão os cangaceiros, e entram os milicianos, a violência. Permanece a brutalidade, a aspereza. Segundo Caio, o desafio de levar Riobaldo para a contemporaneidade urbana e manter nele a essência do sertão “Foi uma transposição genial do Guel e do Jorge, as falas do livro foram remontadas para caber numa prosódia moderna, com rimas de funk e rap, uma atualização brilhante de um clássico. Ao mesmo tempo, a guerra e os sentimentos são os mesmos do original”, compara o ator.

A obra de Guimarães Rosa é ainda hoje tida como de difícil leitura, densa. Para Caio, é possível torná-lo popular, tirando da obra essa “capa de complexidade” exatamente através do cinema, através de um filme “explosivo, cheio de efeitos, contemporâneo, e que, ao mesmo tempo, traz pérolas da literatura. Torço para que o filme apresente a história e cause nas pessoas a curiosidade de ler o livro”.

Caio Blat, Luísa Arraes e Eduardo Sterblitch em “Grande Sertão” (Foto: Divulgação)

FOLHETIM NA “TELINHAZINHA”

Conforme citado anteriormente, a presença de Caio Blat na telinha da TV não é nova. Sua estreia foi em 1991, numa participação pequena na série “Mundo da Lua”, da TV Cultura/Globo. No ano seguinte, estreou no clássico folhetim baseado na obra de Maria José Dupré (1898-1984), “Éramos Seis“, exibido no SBT e no formato standartizado: Capítulos diários, exibidos no mesmo horário e no mesmo canal. E claro, com muitos – muitos! – episódios. “Éramos seis” teve 180. A próxima novela de Caio Blat, a contrário, terá apenas 40, e será exibida/transmitida na HBO Max. Os capítulos ficarão lá disponíveis para quem quiser-ver-quando-quiser-ver, longe da formalidade de uma grade da televisão. Há alguma diferença fundamental da produção de novela para o streaming para uma tradicional? Para o ator, sim “É um novo formato, com 40 episódios, em vez de 200. A novela assim não cria barriga, é mais ágil, tem uma velocidade contagiante. E a produção é mais bem cuidada, feita por uma equipe que vem do Cinema. É uma grande aposta”, diz ele, sobre a migração da telinha da TV para a “telinhazinha”, do celular. Forma literal de ser moderno, diante d eum genero literário do Século XIX e devolver a ideia de “Folhetim de bolso”.

Caio Blat (Foto: Bruna Castanheira)

Marca de um ator que sempre transitou entre a juventude que sempre externalizou e a velhice terna que traz dentro de si, Caio prepara-se para seu segundo projeto cinematográfico: Apresentar para as novas gerações a deusa do teatro moderno brasileiro, morta há 55 anos e que tornou-se sinônimo de interjeição por espanto: “Cacilda!”. Monstruosa de talento e virtudes, será a vez de Cacilda Becker ser biografada. “Devo dirigir um filme sobre Cacilda Becker, mito do nosso teatro, no ano que vem”, confirmou-nos ele. Por incrível que pareça, esta vai ser uma espécie de estreia de Cacilda nas telonas. Ela, diva do palco, só fez dois filmes. Um em  1947, que por anos foi tido como perdido, “Luz dos Meus Olhos“, e o outro, “Floradas na Serra“, de Luciano Salce (1922-1989), baseado no original de Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), que estreou em 1954, que completa 70 anos agora em 2024. Eis aí uma oportunidade de celebrar Cacilda e aguardar pelo talento de Caio.