*Por Brunna Condini
Lançando seu terceiro documentário ‘O Melhor Lugar do Mundo é Agora‘, e começando a gravar a terceira temporada de ‘Unidade básica’, série da Universal TV sobre a rotina de um posto de saúde na periferia de São Paulo, Caco Ciocler foi notícia recentemente ao falar de uma suposta crise de meia-idade. Aos 51 anos, o ator acha graça da repercussão: “É, realmente eu disse que estava atravessando uma crise, mas o que quis dizer, é que não tem a ver com estar envelhecendo. Na verdade, sempre quis envelhecer e achei que minha alma combinaria mais em um corpo velho do que em um corpo jovem. Mas é estranho fazer 50, sabe? Não sei exatamente o que é, porque ainda estou passando. Acho que é um realinhamento de leme. Refletir para onde eu fui até agora e para onde quero ir. Existe um ajuste físico para o corpo também, é uma idade de refazer o plano de voo”, analisa.
Se estou no segundo tempo da vida, quanto tempo mais terei? Se for otimista, metade. É para se pensar nas escolhas – Caco Ciocler, ator e diretor
“E é um período de vida onde tudo se inverte. Tem o envelhecimento dos pais, meu filho Bruno está com 26 anos, tem a filha dele (Elis, de 4 anos), então não sou mais aquele pai que precisa exercer sua função diária. Se estou no segundo tempo da vida, quanto tempo mais terei? Se for otimista, metade (risos). É para se pensar nas escolhas. Ao mesmo tempo, não valorizamos besteiras, nos tornamos mais assertivos nas decisões, profissionalmente, pessoalmente, nas relações amorosas. Quando falei de crise, falo de um momento de redefinição, que mexe mesmo com a gente”.
Em seu filme, o ator e diretor busca caminhos mais uma vez para lidar com o desencanto coletivo. “O documentário nasceu de uma necessidade, uma resposta a um momento em que estávamos vivendo a pandemia e o isolamento, em que a arte estava impossibilitada de acontecer. Principalmente, o teatro e o cinema, que são atividades artísticas que nascem do encontro. Minha necessidade naquele momento foi de reagir a isso, dizer algo sobre, de forma artística. Mas não é um filme sobre a pandemia e eu achei que fosse. Ele tem essa possibilidade da morte, de um mundo onde a sensibilidade não faça sentido, o artista não faça sentido, que as fake news aumentaram, o medo aumentou, o isolamento em algum nível aumentou. Mas acho que ao ver hoje, o filme está mais emocionante e fala na verdade do artista”.
E revela: “Adoraria ver artistas na política, ocupando cargos de decisão, por exemplo. O artista olha para o mundo e vê novas possibilidades de existência. Claro que ele teria que se cercar de gente muito boa, mas acredito que um artista pensaria em soluções. Meu primeiro filme, ‘A Partida’, é sobre isso. Quanto a me pensar na política, não sei se tenho estômago ou fígado para tal”.
Filmado a partir de encontros via zoom, o documentário traz um jogo de cena entre o diretor e seus entrevistados, atores e atrizes, vivendo, ou não, personagens que foram convidados e convidadas a criar. Na obra, Caco também interpretou um documentarista que não sabe nada sobre a profissão de ator. “Hoje, o filme vira um instrumento a mais, justamente o que sempre quis com ele e com meu documentário anterior, ‘Partida’ (2019) – que nasceu também de uma reação, desta vez, às eleições de 2018 -, que fossem quase um documento de uma época, de um período da História. E como ainda estamos inseridos, ele continua um instrumento potente entre esse 1º e 2º turnos de eleições para presidente, por exemplo. Mesmo projetando a morte da arte, nunca vi um documentário tão potente sobre o artista e isso é uma das coisas mais bonitas dele”, completa, sobre a produção que recebeu o Prêmio de Público de Melhor Documentário Nacional, e também foi premiado no Festival de Santos, com a Menção Honrosa do Júri. O filme também já está em cartaz na Plataforma FilmeFilme.
Adoraria ver artistas na política, ocupando cargos de decisão. Quanto à me pensar na política, não sei se tenho estômago ou fígado para tal – Caco Ciocler, ator e diretor
Sem medo de se posicionar
Como ator, Caco acaba de rodar o filme ‘As Polacas’, de João Jardim, em que vive o personagem envolvido com o tráfico de mulheres polonesas judias muito pobres e que foram enganadas por homens, como o que ele interpreta. Entre os séculos 19 e começo do 20, eles faziam falsas promessas de casamentos aqui no Brasil. Elasn o entanto eram escravizadas sexualmente, tornando-se prostitutas. Uma situação delicada, porque a prostituição para a comunidade judaica é um pecado sério, então eram renegadas. E em breve poderá ser visto em ‘Meu Sangue Ferve por Você’, cinebiografia de Sidney Magal, no papel de empresário do cantor.
Plural para além da profissão, o artista tem se posicionado politicamente nos últimos anos, e tal qual outros colegas, tem lançado mão de instrumentos para reflexão do que está em jogo neste momento decisivo. Tanto, que no último dia 14 divulgou através das suas redes sociais um vídeo em que explica e compara as relações entre Jair Bolsonaro e o nazismo. Na produção denominada ‘Você apoiaria?’, o ator questiona se as pessoas apoiariam alguém que se apropriassem de símbolos nazistas para propagar suas ideias e aponta um compilado de referências. “Tenho um amigo judeu, assim como eu, que mora na Alemanha e é um estudioso sobre o neonazismo. Ele acompanha de perto essa coisa horrorosa que volta a crescer no mundo e no Brasil de maneira assustadora. Tínhamos feito esse vídeo muito para a comunidade judaica. Para mim, particularmente, é impactante pensar como parte desta comunidade pode se colocar ao lado do Bolsonaro. Mas é preciso deixar claro que não é a comunidade inteira, porque ela é plural, com gente de direita, esquerda, extrema direita”, frisa.
“Enfim, fizemos o vídeo inicialmente para conversar com essa comunidade. E é importante lembrar, que o neonazismo não se utiliza do discurso explícito, porque isso é crime, mas neste vídeo mostramos que existem estratégias, semelhanças inegáveis nas escolhas do atual presidente. Por isso vamos produzir outros vídeos, esmiuçando mais tudo isso, para que fique pelo menos como um documento histórico, para que as pessoas pensem sobre um aspecto que ainda não tinham pensado. Não estamos forçando a barra. A imagem que as pessoas tem de Adolf Hitler é dele depois de assumir o pior de sua face. Estamos chamando atenção para como as coisas começaram. A comparação que faço é da propaganda nazista usada como mensagem. Não estou comparando o atual presidente ao Hitler, estou falando do início desses movimentos. É muito importante que a gente perceba se não estamos deixando passar um monte de coisas, que deixaram passar na Alemanha de 1930 também, com um cabo que todos julgavam medíocre, que era o Hitler, e que vendia uma ideia de que existia um inimigo a ser combatido. Bolsonaro não tem projeto de governo, o projeto dele é combater o PT. Importante dizer que não sou lulista, mas voto no Lula hoje porque não tem comparação. A escolha não é entre direita e esquerda. Até porque o Lula é de esquerda, mas seus governos foram sociais democratas. Então para mim é uma escolha entre uma frente democrática e uma extrema direita, que mistura na política a religião”, opina.
E completa: “Mesmo com a vitória do Lula, porque acho que ele ganha, o problema não está resolvido, porque como disse sabiamente o Mujica (Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai) no meu outro filme: “O mal não desaparece por completo”. Então, será um trabalho contínuo para construir uma civilização mais justa. Acho que teremos quatro anos seguintes bem difíceis, com uma contaminação que o próximo presidente terá que lidar, um rombo para administrar. Me preocupo muito com a eleição de 2026. Temos que fortalecer a nossa frente democrática”.
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