Cacau Protásio e o preconceito: “Como mulher negra, a gente não tinha voz. Hoje, temos a rede social para gritar”


A atriz faz essa avaliação ao refletir sobre as transformações na sociedade e na forma como o humor é feito em relação ao passado, quando cresceu em uma sociedade machista, racista que privilegiava corpos magros. “Este é o padrão que as pessoas impõem. Eu estou dentro do padrão de linda, gostosa, maravilhosa. Desde o dia em que parei de me importar com isso. Eu falo que o preconceito é da outra pessoa, não meu. Não sofri muito na vida, porque não dava confiança, eu sempre ignorei”, frisa Cacau, que, no próximo dia 14 estreia nos cinemas com o filme ‘Amarração do Amor’, que, com leveza, toca nas diferenças religiosas. Ela e o ator Ary França mostram cenas impagáveis com seus personagens, uma mãe de santo e um judeu quando ao não impedir o casamento de seus filhos, cada um defende que a cerimônia siga os preceitos de suas religiões em detrimento da outra. “Acho triste, um egoísmo, por parte das pessoas que proíbem”, enfatiza ela

Cacau Protásio e o preconceito: “Como mulher negra, a gente não tinha voz. Hoje, temos a rede social para gritar”
"Na rede social, eu falo o que acho necessário dependendo do assunto. Prefiro ficar na minha. Faço mais ação social", diz Cacau (Foto: Divulgação)

“Eu estou dentro do padrão de linda, gostosa, maravilhosa. Desde o dia em que parei de me importar com padrões impostos. Eu falo: ‘o preconceito é da outra pessoa, não meu'” (Foto: Divulgação)

* Por Carlos Lima Costa

O Brasil vive um momento de extrema intolerância, onde amigos e até familiares agem de forma agressiva simplesmente por divergirem de opiniões nos mais variados temas desde crenças religiosas, políticas e até orientação sexual. Nesse ponto, a arte que sempre contribuiu para o esclarecimento, ajuda no debate de ideias. De maneira leve e divertida, o filme Amarração do Amor, que estreia dia 14, aborda as diferenças religiosas quando um rapaz umbandista e uma moça judia se apaixonam e decidem se casar, provocando uma confusão entre o pai da noiva e a mãe do noivo, uma mãe de santo interpretada por Cacau Protásio, onde cada um defende que a cerimônia seja realizada seguindo os preceitos de sua religião.

“Eu namorei bastante, mas nunca cheguei ao ponto de quase casar e passar por isso. Nem sei o que faria se tivesse vivido essa situação. Acho triste, um egoísmo por parte das pessoas que proíbem. Quando tem que acontecer não adianta proibir. Lá na frente, muitos casais se reencontram depois de anos para viver esse amor”, ressalta a atriz católica. Para ela, o mundo está em constante evolução em todas as áreas. O humor, por exemplo, já não é mais o mesmo que era feito nos anos 70 pelos mais variados programas de TV, onde muitas piadas hoje seriam consideradas homofóbicas e racistas. “Antigamente muitos assuntos não eram abordados. Eu, como mulher negra, a gente não podia se defender, não tinha voz. Hoje, temos as redes sociais para gritar. E existem pessoas com mais coragem para isso, então, temos voz, a gente está se educando e se respeitando, graças a Deus. É um aprendizado geral em vários assuntos”, aponta Cacau.

A atriz, que teve que lidar não somente com o machismo por ser mulher, mas com o preconceito racial e os padrões estéticos de uma sociedade que privilegia corpos magros comenta: “Este é o padrão que as pessoas impõem. Eu estou dentro do padrão de linda, gostosa, maravilhosa. Desde o dia em que parei de me importar com isso. Eu falo: o preconceito é da outra pessoa, não meu. Não sofri muito na vida, porque não dava confiança, eu sempre ignorei”, frisa Cacau.

Cartaz do filme que estreia no próximo dia 14

Cartaz do filme que estreia no próximo dia 14

No Brasil, atualmente a polarização política é a que provoca maiores discussões, intensificada ainda mais com a pandemia da Covid-19, que acaba de ultrapassar a marca de 600 mil mortos. A atriz Samantha Schmütz, por exemplo, com quem Cacau divide a cena no sitcom Vai Que Cola, já opinou que colegas de profissão devem se posicionar sobre os acontecimentos políticos no país. “Cada um tem que fazer o que acha certo para si. Ela fala o que considera certo, acha que tem que se posicionar. Eu respeito. Mas eu devo fazer o que acho certo para mim, tanto que a gente trabalha junto, a gente se ama, se respeita, conversa muito. Ela é maravilhosa, corajosa e se posiciona muito bem também. É preciso respeitar. Esse é o momento dela, e, às vezes, não é o momento do outro se posicionar e vida que segue. Eu falo o que acho necessário dependendo do assunto. Prefiro ficar na minha. Faço mais ação social, ajudo com cesta básica, creches, escolas. Vou mais por esse lado”, avalia.

O ator Ary França que contracena com Cacau no papel do pai da noiva no filme Amarração do Amor, exalta Cacau. “Ela é uma pessoa que sem discurso nenhum faz bastante por muita gente. O engajamento dela é o social. É como ela se compromete e eu acho divino. Quanto ao posicionamento da Samantha, que é uma amiga minha mais de Facebook, a gente se encontrou poucas vezes, acho que ela tem o direito de cobrar, assim como uma pessoa tem o direito de recusar se posicionar. É uma visão que ela tem e como disse sabiamente a Cacau, ela está pensando isso agora, talvez mude de ideia. Mas eu não diria que um ator tem que ser isso ou aquilo. Não tem que ser nada e olha que já é difícil ser ator”, opina Ary.

Ary França e Cacau Protásio (Foto: Divulgação)

Ary França e Cacau Protásio (Foto: Divulgação)

E prossegue: “Eu já aderi a partido e já saí, e continuo sendo de esquerda, acho que o nosso caminho vai por aí. Mas combato hoje dentro de um terreno muito pantanoso. Combato certas políticas que eu não considero bacanas, mas dentro de muita tolerância, porque esse clima que estamos vivendo de polarização não é legal. E, para falar a verdade, tem gente que me odeia tanto na direita quanto na esquerda, graças a Deus”, frisa ele, que na vida real é umbandista e viveu situação semelhante à trama principal do filme.

“Na juventude, tive uma namorada de outra religião e ficamos escondidos quatro anos dos pais dela, porque não iam aceitar a minha presença. Foi um tipo de ginástica que você se dá ao trabalho quando é jovem. Não sei se eu faria isso hoje (o ator está com 64 anos). Podíamos ter sido mais felizes, mas como resultado disso viramos uma bolha e não continuamos juntos”, observa.

Nos tempos atuais, certos posicionamentos, levam aos cancelamentos na internet. Existem pessoas, inclusive, que refletem bastante antes de compartilhar algo nas redes sociais. “Graças a Deus, nunca fui cancelada e eu sempre escrevo, coloco muito o que penso. Quem quiser parar de me seguir pode parar, porque se a gente ficar pensando em tudo que todo mundo vai pensar… Deus não agradou todo mundo e eu não sou Deus”, enfatiza Cacau. Já Ary, reflete muito sobre o que escreve e fala. “Porque posso estar desavisado de algum preconceito meu, então, fico muito atento sim. Posso ter algo que eu tenha que corrigir, pois já tenho seis décadas, cresci em um mundo esquisito. Hoje, apesar de estarmos em ponto de guerra, temos informações sobre como lidar com os outros com compaixão, diferente de quando eu era pequeno, quando aqui no Brasil tínhamos um regime de exceção. Não era um ambiente propício para a aceitação do diferente”, ressalta.

"Hoje, apesar de estarmos em ponto de guerra, temos informações sobre como lidar com os outros com compaixão, diferente de quando eu era pequeno, quando no Brasil tínhamos um regime de exceção", frisa Ary (Foto: Divulgação)

“Hoje, apesar de estarmos em ponto de guerra, temos informações sobre como lidar com os outros com compaixão, diferente de quando eu era pequeno, quando no Brasil tínhamos um regime de exceção”, frisa Ary (Foto: Divulgação)

Nos últimos meses de pandemia, Cacau passou mais reservada em relação às redes sociais procurando ajudar o próximo. “Vi pessoas passando necessidade. Várias mulheres e meninas engravidaram na pandemia, então, eram muitas meninas sem roupinhas, sem leite, sem fralda, então, estava montando enxoval para mães. Aprendi com a minha avó que não devemos mostrar a caridade que fazemos. Enfim, nesse tempo distribuí cesta básica no sinal, para frentista, na rua, para pessoas desempregadas passando necessidades, colegas meus que não tinham grana para pagar aluguel, então, eu fazia vaquinha”, explica ela que não teve Covid-19, mas o marido e a irmã dela enfrentarem a doença duas vezes. Ary também teve a doença. Ele estava gravando o sitcom O Dono do Lar, do Multishow. Seus sintomas foram leves, mas precisou, é claro, permanecer isolado, e assim, seu personagem ficou fora dos últimos episódios.

O encontro de Ary e Cacau nas filmagens do longa-metragem Amarrações do Amor aconteceu antes da pandemia. Ambos estão empolgados com a mensagem que o filme vai passar através da história de amor da judia Bebel (Samya Pascotto) e do umbandista Lucas (Bruno Suzano), que começam a namorar de forma despretensiosa, mas quando decidem se casar enfrentam problemas por serem de religiões diferentes. “Amei fazer. As pessoas vão sair do cinema com um outro olhar, sabe, um olhar de respeito, de amor, que não adianta a gente entrar em guerra, que o amor sempre prevalece”, aponta Cacau.

“A sabedoria desse filme, do roteiro da Caroline Fioratti (também diretora, ela escreveu com Marcelo Andrade e Carolina Castro) para que lembrássemos exatamente disso, que não podemos perder o humor, senão vamos perder o amor. É legal a forma como o filme mostra o ridículo que é quando as pessoas se tornam intolerantes. Elas se tornam caricatas. E quando recuperam o amor, voltam a ser um pai e uma mãe dignos desses nomes. É um filme de ideias, perfeitamente leve e extremamente necessário nesse momento tão polarizado que estamos vivendo. Está faltando humor e amor”, completa. O longa-metragem conta ainda no elenco com nomes como Malu Valle, Bel Kutner, Berta Loran e Clementino Kelé.

Ary França, Samya Pascotto, Bruno Suzano e Cacau Protásio em cena do filme Amarração do Amor (Foto: Divulgação)

Ary França, Samya Pascotto, Bruno Suzano e Cacau Protásio em cena do filme Amarração do Amor (Foto: Divulgação)