“Caçadores de obras-primas”: George Clooney adiciona uma pitada da velha Hollywood ao seu charme continental!


O astro concebe um filme como nos velhos tempos, com elenco repleto de talentos e seguindo uma fórmula antiga. Mas será que funciona?

A Academia gosta de George Clooney. Essa máxima costuma ser ouvida volta e meia, quando o astro está disputando algumas estatuetas no Oscar. De fato, além de seu inegável carisma – tendo encarnado em quase duas décadas o irresistível personagem do sofisticado continental, aquele mesmo que imortalizou na calçada da fama tipos como Cary Grant –, o artista é figurinha atuante em Hollywood e se recusa a ser apenas um rosto charmoso à frente das câmeras, procurando diversificar seus papeis dentro da indústria cinematográfica. E, como aprendeu seu ofício atuando, é uma daqueles casos de quem expandiu as atividades de tanto observar os outros em suas respectivas funções, costumando ser competente em filmes como “Syriana – A Indústria do Petróleo” (Syriana, 2006, sua produção) e “Boa noite, e boa sorte” (Good night, and good luck, 2005, sua produção e direção), tendo melhor êxito que outro colega seu, Brad Pitt, celebrado pelo meio, mas normalmente esnobado por seus colegas na hora de concorrer a prêmios, justo por ser bonito demais.

Agora, o ator-diretor-produtor está novamente em cartaz com “Caçadores de Obras-primas” (The Monuments Men, Columbia Pictures e outros, 2013), no qual resgata a história verídica da manobra de Washington, em plena Segunda Guerra Mundial, para recuperar milhares de peças de arte surrupiadas pelos nazistas de colecionadores particulares e de instituições européias para abastecer o sonho de Adolf Hitler de construir, em Berlim, o maior museu de arte ocidental do mundo. E, assim como era megalomania hitlerista por de pé tal projeto, também é de Clooney ao pretender levantar esta produção, não pelo tema em si interessantíssimo, louvável e pouco explorado , mas pela forma como rabiscou a ideia ainda no papel. Visivelmente, esta película de guerra se ancora em outras típicas dos anos 1960 que eram veículos para grande elenco de estrelas, reunidas para impressionar os espectadores que, deslumbrados com a grandeza do casting, se deixavam levar pela importância do assunto e pela majestade dessas ações durante o conflito global. É assim que acontece em clássicos como “Fugindo do Inferno” (The Great Escape, de John Sturges, The Mirisch Corporation e United Artists, 1963),“Os Doze Condenados” (The Dirty Dozen, de Robert Aldrich, MGM, 1967) e “Paris Está em Chamas” (Paris brûle-t-il?, de René Clement, Marianne Productions e Paramount Pictures, 1966), todos perfeitos para estabelecer de uma vez por todas o conceito maniqueísta de que os aliados são mocinhos e os nazistas vilões execráveis.

"Caçadores de obras-primas": produção calcada em fórmula dos anos 1960 (Foto: Reprodução)

“Caçadores de obras-primas”: produção calcada em fórmula dos anos 1960 (Foto: Reprodução)

Acontece que os tempos atuais são outros. A maneira de filmar ficou mais ágil após os recursos digitais, o fato de a natureza humana ser multifacetada já está introspectado na cabeça da audiência e o ritmo desses filmes precisa acompanhar os novos tempos, não bastando se espelhar em mega produções de outrora para dar conta do recado. Com narrativa lenta para os padrões atuais e pela maneira como flutua pela principal questão moral apresentada (vale à pena homens darem sua brava vida por obras de arte?), o roteiro flana pelas agruras da Grande Guerra como se fosse um diáfano beija-flor batendo suas asinhas coloridas sobre Eisenhower e seu Dia D. Falta contundência. E, se a ambição era trazer este valioso enredo à luz do público sob camadas de heroísmo épico, o filme acaba sendo apenas “gracinha”, negando a vocação que poderia ter, revelando um Clooney por trás da tela menos inspirado que de costume, a despeito da sua ótima qualidade de acabamento.

A película se formata em cima da trinca de estrelas George Clooney, Matt Damon e Cate Blanchett, mostrando que o diretor optou por trabalhar, no primeiríssimo escalão, com atores com que já tinha intimidade na arte de contracenar. Ele conserva seu carisma no papel do tenente que arregimenta um grupo de connaisseurs de história da arte para o front, Damon faz o papel de sempre e Cate se esforça para parecer uma francesa mal-humorada que fuma muito, odeia o Regime de Vichy e nutre asco pelos nazistas. Mas é o time de coadjuvantes que brilha para valer, desde os ótimos John Goodman e Bob Balaban até Bill Murray que, como de costume, dá seu showzinho à parte, roubando cenas e possivelmente deixando todos no set desesperados com sua capacidade de aglutinar a atenção da plateia, fazendo esta se esquecer dos demais. E, de quebra, o longa ainda traz duas curiosidades da hora, muito bem escolhidas. Ao escalar um inglês e um francês para dar vida a personagens dessas nacionalidades, Clooney foi direto ao pote: convocou, como se fosse um general que vai para a guerra, o britânico Hugh Bonneville (mais conhecido por sua atuação como o Conde de Grantham em “Downton Abbey”) e o francês Jean Dujardin, que ganhou como Melhor Ator no Oscar em 2012 por “O Artista” (The Artist, de Michel Hazanavicius, Studio 37 e outros, 2011), que atualmente se esforça para mostrar ao público que pode ir muito além das caras e bocas do astro de cinema mudo que o tornou conhecido mundialmente. Ambos têm destaque no filme, mesmo provavelmente sabendo que foram recrutados como curiosidade de quermesse para despertar a atenção dos cinéfilos.

Mas, além da falta de fôlego do roteiro, outro quesito fundamental neste tipo de produção se revela importante: a falta que faz um vilão à altura do time de astros, fazendo frente a eles e catalisando o ódio de quem assiste a projeção, sobretudo quando a proposta maniqueísta acompanha os velhos filmes de guerra de Hollywood. É nessa hora que se vê como Christopher Walken e Christoph Waltz podem ser essenciais a um longa-metragem.