* Por João Ker e Lucas Rezende
Quando Glee se viu em meio a uma curva decrescente na audiência, já que o público parecia demonstrar cansaço de um enredo que andava em círculos, o autor Ryan Murphy deu uma guinada na série: tirou os personagens do ensino médio, arrumou as malas e os levou para a Big Apple, como você bem viu aqui à época.
Mesmo convocando nomes como Kristin Chenoweth, Neil Patrick Harris e Gwyneth Paltrow, o seriado que mudou o jeito de unir música-dramaturgia continuou cambaleando com a inesperada morte do protagonista Cory Monteith. Dali para frente, com a crise que se via, o futuro da produção era incerto. O mistério só foi resolvido quando Ryan Murphy anunciou finalmente que a série teria um ponto final na sexta temporada. E o dia do adeus chegou. Nesta sexta-feira (20), “Glee” teve o último episódio na tela da FOX com duas horas no ar.
Dividido em dois, o adeus começou com um flashback. A série voltou no tempo para relembrar como os protagonistas formaram o coral New Directions no ano de 2009. O intuito era mostrar como começaram todas as tramas que se desenrolaram por seis anos. O episódio já inicia com Kurt (Chris Colfer) sofrendo bullying em sua primeira vez na escola-cenário e se encontrando com Rachel (Lea Michele). Eles partem para uma amizade com outros personagens que, mais tarde, caíram no gosto do público, como Mercedes Jones (Amber Riley). Os lenços já eram recorrentes quando Finn Hudson, interpretado por Cory Monteith, aparece cantando “Don’t Stop Believing”, da mesma maneira que aconteceu há seis anos.
Se a primeira parte abusa do passado, a seguinte é um salto para o futuro, já em 2020. O Conselho de Educação decide transformar o colégio McKinley em uma escola de artes elegendo Will Schuester (Matthew Morrison), professor do coral, como o novo diretor. As emoções finais mostram Mercedes deixando a escola para se tornar uma diva pop cantando “Someday We’ll Be Together“, de Diana Ross. E, como em todo fim, os rancores são deixados para trás: Sue Sylvester (Jane Lynch) e Becky (Lauren Potter) se rendem às desculpas depois de uma série de brigas. No fim, não era de se esperar nada menos do que emoções à flor da pele de uma série que abordou o preconceito, o bullying, a homossexualidade, a busca por si mesmo e, sobretudo, os sonhos. No episódio final, “Dreams Come True”, Rachel canta sozinha “This Time” -música original escrita por Darren Criss -, com uma foto de Finn, personagem de seu namorado, ao fundo. Se ela não se segurou no choro, imagine a gente…
Pois bem. Apesar de alguns percalços, alguns enredos que giravam em círculos e uma quedinha na audiência, não se pode negar que Glee mudou o jeito de fazer um mix de dramaturgia com música na tevê. Após o bye, bye, o seriado vai deixar saudades e boas marcas. Quando exibido no Brasil, fez recorde de audiência na Band. Lá fora, bateu 7,4 milhões de telespectadores quando homenageou Cory Monteith. E a turma de cantores ainda ultrapassou os Beatles em número de singles de bandas/grupos na parada Hot 100, da Billboard. Temos ou não motivos para sentir saudades?
Além de expor a emoção do texto de seus personagens – que passaram por mortes, humilhações e amores não correspondidos -, através de música e dança, “Glee” deu voz ao público gay com episódios-tributo a Madonna e Britney Spears, e mostrando que personagens homossexuais devem ser bem aceitos sempre. Ah, e obviamente aquelas cenas de dorso de fora e banhos no vestiário pós-futebol não eram gratuitas, né? Claro, a representação não é só para os homens. Prova disso é um casal de cheerleaders lésbicas.
“Glee” começou como uma série de enredo típico do ensino médio, voltado para esse público, e poucas vezes conseguiu fugir disso, mesmo depois de seus personagens principais terem se formado – são poucos os programas que conseguem fazer bem tal transição, vide os fiascos de “Gossip Girl”, “One Tree Hill”, “The O.C.” e por aí vai… Ainda assim, sua fórmula rendeu baldes de dinheiro à FOX que, ao perceber o declínio de sua popularidade, já copiou a fórmula em “Empire”.
Ryan Murphy também deve agradecer à série de joelhos. Sem ela, seu nome não teria metade do peso atual, já que foi seu maior sucesso comercial até hoje, superando as posteriores “The New Normal” e “American Horror Story”. E o que dizer então de seus protagonistas? Lea Michele e Matthew Morrison conseguiram contratos milionários com gravadoras, enquanto Dianna Agron colocou seu nome em um blockbuster de verão, “Eu sou o número quatro”. Capas de revistas, turnês mundiais e publicidades gigantescas também fazem parte do pacote quando se é ídolo teen.
Lea Michele – “Cannonball”
A grande carta na manga de “Glee” e seu grande diferencial na programação televisiva foi a sua variação de representatividade: asiáticos, deficientes físicos, negros, gays, lésbicas, transsexuais, pobres, obesos, pessoas com Síndrome de Down, transtornos psicológicos, latinos, judeus, católicos e qualquer tipo de parcela social encontrava seu lugar ali. Tudo isso misturado ao enredo de um ensino médio que se parece demais com a realidade, repleto de adolescentes intolerantes e dúvidas internas que vão além do “o que quero ser quando crescer”, mas sem deixando de incluir essa parte.
Por mais que caísse em diálogos cafonas e lições de moral baratas, a série também tinha um certo papel de difusor cultural ao apresentar a uma nova geração clássicos do catálogo musical norte-americano, do rock ao pop, dos musicais da Broadway ao underground. Os episódios temáticos tiveram Madonna, Lady Gaga e Britney Spears. Mas também tiveram Fleetwood Mac, “Rocky Horror Picture Show” e “Grease”. Idina Menzel, famosa por subir aos palcos de “Rent”, estourou no McKinley High muito antes de cantar “Let It Go” em “Frozen”. E, em determinado ponto, parecia que todos queriam um pedaço de “Glee”, de Lindsay Lohan e Olivia Newton-John a Neil Patrick Harris e Gloria Estefan.
Homenagem de Glee a “Rocky Horror Picture Show”
Entre grandes números musicais, participações especiais, e briguinhas de bastidores, Glee abre chancela mesmo é para a integração. Negros, deficientes, gays, lésbicas, ricos, pobres, cristão, ou não, a produção deu uma verdade lição de moral para a inclusão. No New Directions, não importa do que você gosta, de onde vem, ou qual cor tem, há espaço para todos. Assim, igualzinho ao seriado, deveria ser a nossa realidade. Deveria.
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