* Por Carlos Lima Costa
Bruna Mascarenhas continua colhendo os louros como uma das protagonistas da série Sintonia, da Netflix, que lançou segunda temporada agorinha. Enquanto a produção se tornou a terceira série mais assistida da plataforma no Brasil, perdendo somente para La Casa de Papel e The Witcher, a atriz que tinha somente três mil seguidores no Instagram, atualmente tem 1,1 milhão. Nas redes sociais, ela se mostra uma mulher questionadora em relação à temas tabus da mulher na sociedade. Um deles, a liberdade das mulheres de não depilarem axilas, o que ela também pratica e enfrentou o tribunal da ditadura da estética na web. Só para lembrar, Lourdes Leon, filha de Madonna, também já se deu o direito dessa liberdade e até desfilou na Semana de Moda de Nova York com as canelas e axilas sem depilar.
Até hoje ainda recebe comentários nas redes sobre uma foto publicada na qual os internautas apontaram que ela estava com pelos nas axilas e defende o direito de ser livre. “Sempre tive muito pelo e me depilei. Com o passar do tempo fui me questionando o motivo de as pessoas se incomodarem tanto com o pelo. A conclusão foi que não tenho problema com ele. Quando não estava trabalhando, eu já passei um ano sem depilar as axilas, oito meses sem depilar a minha perna, porque não é algo que realmente me incomoda”.
Nessa época, Bruna estava namorando. “Meus namorados sempre foram tranquilos. Eu tive um, inclusive, que pegava a minha saia, eu pegava a camisa dele, ele pegava os meus brincos, a gente comprava colar juntos. Quanto mais me descobri uma mulher que aceita o corpo e os pelos, fui me relacionando com quem aceita. Se não aceitar, beijo e tchau”, avisa.
No dia seguinte às críticas, ela gravou um vídeo apresentando seu sovaco, o que provocou um impacto em sua rede social. “No dia seguinte, perdi dez mil seguidores. Que doideira! E ao longo da semana perdi outros cinco mil. Achei ótimo. Não adianta ter um monte de seguidor que não me conhece. Vai me seguir quem realmente me acha bacana, concorda com os meus ideais e está tudo certo se não quiser me seguir porque me acha ridícula. Faz parte. Quando colocamos a cara no mundo, temos que estar preparadas também para isso”, pontua.
Bruna considera isso importante, principalmente nos dias atuais onde existe tanta desinformação, politização e fake news. “Percebo que se colocados em uma roda de discussão, temas como feminismo, pelo na axila e aborto geram forte tensão. Mas aprendo a dialogar melhor. Trabalho esse lugar de respeitar a opinião do outro, porque precisamos de uma sociedade plural, democrática de direito. Temos que gerar diálogos e não discussões que no final das contas vão terminar em briga”, acrescenta.
Em outra ocasião, abordou a questão de que não existe estupro culposo, que simplesmente sexo sem consentimento é estupro. Feminista, contra o machismo enraizado nessa sociedade patriarcal, Bruna acha que a mulher deve ter direito também de interromper uma gestação mesmo que não tenha sido ocasionada por um estupro. “Somos seres humanos, cada um faz o que quer na vida. É um absurdo ter leis feitas por homens censurando o corpo de nós mulheres. Independentemente de religião, do credo de cada um, o corpo é nosso e temos o direito de fazer com ele o que bem entendemos. O aborto, principalmente, é uma questão de saúde pública, porque ele vai continuar existindo. Devemos olhar para isso também. Pessoas que tem dinheiro conseguem fazer um aborto tranquilamente, pagam uma clínica boa, que existe aí a torta e a direita. Por mais que falem que é proibido, elas existem. Temos que entender a realidade do nosso país e que muitas mulheres não tem essa possibilidade, por falta de dinheiro, então, morrem ou tem filhos sem querer, jovens e sem estrutura. Então, sou a favor do aborto, temos que ter o direito a decisão sobre o nosso corpo”, defende.
Bruna sempre foi batalhadora. Foi assim, que fugiu da rotina e acabou conquistando a oportunidade de protagonizar Sintonia. A atriz morava em Niterói e trabalhava em Maricá, na secretaria de cultura, como assistente de produção, e de lá costumava ir à cidade do Rio de Janeiro ensaiar peças ou apresentá-las. Ao concluir a faculdade de Artes Cênicas, em 2016, sentiu que o mercado estava bem limitado a Globo. “Não queria me sentir estagnada”, recorda. Assim, foi para São Paulo seguindo a trilha de amigos que haviam encontrado lá oportunidades. De imediato, abriu mão do conforto, morando em um local com 19 pessoas, universitários na maioria. No segundo mês, foi viver em um quarto da casa de um amigo e surgiu a oportunidade que tanto esperava.
“Cheguei com meu plano de trabalhar como atendente em restaurante. Foi experiência incrível, porque sou supercomunicativa, então, fiz amizade com muita gente. Mas com um mês e meio surgiu a oportunidade para um teste. No mesmo dia, à noite, fui chamada para fazer prova de figurino e maquiagem”, diz, ao ser aprovada pela Netflix, para interpretar Rita, uma das protagonistas de Sintonia, ao lado de MC Jottapê e Christian Malheiros. Até se mudar para a capital paulista, em 2018, ela havia atuado apenas no teatro.
Bruna é muito impulsiva como a personagem Rita. “Trabalho para ser menos, mas vendo a minha trajetória, minha saída do Rio, meus processos de pesquisa para entender como ia chegar nessa cidade, vejo que temos muito em comum, esse sangue nos olhos de vamos fazer acontecer, correr atrás do que desejo, tirar do papel e colocar em prática”, explica.
Na segunda temporada, Rita se envolve ainda mais com a igreja evangélica, onde buscou refúgio por vir de uma família desestruturada. Bruna é de família católica, foi coroinha na infância, fez catequese, mas desde a adolescência descobriu outros caminhos. “Hoje em dia não tenho religião, mas trabalho minha espiritualidade, o meu eu. A igreja evangélica nunca fez parte da minha realidade, mas tive uma surpresa e uma inspiração bonita, porque entre a primeira e a segunda temporada, meu irmão, Victor, se converteu para ela. Ter visto o meu irmão nessa transformação, com 18/19 anos, a idade da Rita, com brilho nos olhos ao falar de Jesus, foi com toda certeza uma das grandes inspirações pra mim nessa segunda temporada”, conta. E acrescenta: “Quando ele entrou nesse universo, começamos a divergir em várias questões. Passamos horas conversando sobre as nossas diferenças e sempre de forma saudável, com respeito. Então, é isso, como sociedade, precisamos ouvir a opinião do outro e respeitar. O debate tem que ser sempre saudável”, aponta.
Ela percebe que muitas vezes existe desrespeito entre pessoas de diferentes crenças religiosas. “Muitas pessoas acabam distorcendo as palavras da Bíblia, o que Jesus fala, que é pregar o amor, olhar o próximo, respeitar as opiniões. No final das contas, todas as religiões falam sobre isso, mas a falta de respeito está generalizada. Temos muito ainda a aprender como sociedade”, avalia ela.
Por conta da pandemia, a segunda temporada de Sintonia demorou para ser realizada, mas o período foi produtivo para Bruna, que gravou a webserie NeuRose, exibida em seu Instagram. Ela explica se no contexto tinha um pouco da Bruna ali e se foi uma forma de não enlouquecer durante tudo que estava acontecendo. “Na verdade, desde dezembro de 2019, eu conversava sobre ela com um amigo produtor. Começamos a estruturar, aí veio a pandemia e paramos. Algum tempo depois, voltamos a conversar e gravamos. Troquei muito com o roteirista, tinha uma ideia de como queria que a personagem fosse. Então, tem muitas questões minhas, paranoias íntimas que a gente não compartilha com as pessoas, mas quando foi ao ar eu vi que muita gente tinha várias paranoias. Foi uma experiência muito boa até porque foi meu primeiro projeto autoral. Até, então, não me sentia capaz de fazer. O grande lance é se aventurar, ter coragem e colocar a cara a tapa mesmo”, aponta ela que interpretou uma cartunista neurótica assumida.
O isolamento social imposto pela pandemia foi bem complexo. “Acabei me mudando pra casa de um namorado que eu tive na época. E foi ótimo, a gente criou muito, ele gravou NeuRose comigo. Como é músico, compomos, inclusive uma música que vai para o ar em breve, estou assinando como compositora também. Uma das descobertas que eu tive na pandemia foi conseguir compor uma música. Fizemos um clipe juntos também de uma música dele, mas no meio da pandemia terminamos. Foram muitos processos vividos. Gravei a segunda temporada de Sintonia, perdi minha avó, Rosa. Ela era bem idosa, foi internada em uma UTI, testou positivo para Covid, aí faleceu em dois dias. Não pude estar no enterro”, conta. E prossegue: “Por outro lado, tenho muito a agradecer. Enquanto muitas pessoas não conseguiam ficar em casa, porque tinham que trabalhar, eu tive esse privilégio.”
Como acredita que deve usar sua rede social com responsabilidade, na semana anterior a estreia de NeuRose, Bruna começou a postar sobre lugares que oferecem terapias online e gratuitas para quem precisa. Aí recebeu mensagens de muitos adolescentes, vários relatos. “Tentei ajudar todos eles de alguma forma e outro dia, recebi mensagem que me emocionou. Após trocar uma ideia comigo, um rapaz começou a procurar uma terapia e desde então está se cuidando. Isso mostra o peso da responsabilidade sobre o que estou postando. Estava até um pouco afastada do Instagram, porque não estava me fazendo bem. Você acaba perdendo muito tempo na internet. É importante olhar para dentro, encontrar os equilíbrios, entender os momentos da vida. Agora, estreando a segunda temporada, estou começando a usar o meu Instagram de forma mais ativa, mas respeitando os meus limites. É o que eu venho buscando”, finaliza.
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