*por Vitor Antunes
Protagonista feminina de “Sintonia“, um dos maiores sucessos do Netflix, Bruna Mascarenhas acredita ser importante, especialmente agora, mais estabelecida na carreira, que outras pessoas tenham a mesma chance que ela teve para se inserir no mercado audiovisual. Portanto, a atriz está desenvolvendo um projeto de “workshop sobre TV e cinema nas periferias e me organizando, tentando parcerias, investidores e patrocínios para fazer isso acontecer”. Já que dá voz a uma mulher importante na trama de “Sintonia” e é uma pessoa feminista, Bruna acha necessário que o protagonismo feminino no audiovisual deva passar por outros lugares além de uma presença de destaque na trama. “Há projetos em que as personagens acabam orbitando em volta de um cara. Ainda que isso tenha mudado um pouco hoje. Não que não haja lugar para o amor romântico, mas não basta dar para a mulher apenas um papel protagonista, mas profundidade a ele. Essa mulher está em busca do que? Da vida dela ou só de correr atrás dos boys?”. Sobre seu passado como feminista mais radical – diz que “aos 17 anos eu percebi muitas coisas na sociedade que me revoltaram, que eu achava absurdas e me faziam ser mais combativa, indo para extremismos. Acho hoje que é preciso cautela e que qualquer extremismo é perigoso”.
Muito tem se questionado ultimamente nas redes sociais que alguns dos debates sociais sobre questões como o feminismo, por exemplo, não alcançam uma grande quantidade de pessoas, especialmente as de regiões vulnerabilizadas socialmente. E que por vezes trata-se de um discurso difícil, inacessível. Para Bruna, o diálogo precisa ser amplo para chegar nas pessoas. Se elas não sabem o que um advogado está dizendo, por exemplo, como podem saber dos direitos delas? As pessoas nem sempre têm condição de entender as coisas e cabe a nós falar de forma mais abrangente e de modo que elas possam se identificar. (…) Às vezes estamos só vivendo e nessa vivência temos posicionamentos que vão além desse lugar técnico”.
FALA-SE DISSO NO METRÔ ÀS 6H?
Contemporaneamente o X/Twitter, rede famosa por sua grande toxicidade, tem se perguntado se alguns dos debates – e brigas – ali presentes existiriam no mundo real. “As pessoas no busão estão discutindo isso?”, perguntam-se muitos deles. É em cima disso que se apoiam algumas falas de Bruna Mascarenhas. A atriz tem recebido destaque no streaming em “Sintonia”, série da Netflix produzida por Kondzilla, que conta a vida de três amigos que moram na favela e cada um tem sua vida transformada à sua maneira. Logo assim que começou na série, quando perguntada se achava que sua personagem era feminista, disse não saber e que, talvez nem Rita – sua personagem – soubesse. “Em muita das vezes estamos ali para colocar comida na mesa e não nos damos conta deste papel. Acho que muita coisa mudou. As mulheres sempre foram empoderadas e é muito bonito ver essa transformação social rolando. Tem muitas pessoas nas comunidades criando os próprios produtos, própria música e arte que circulam internamente naquele perímetro, as pessoas se ajudam e criam pontes sem que haja um nome para isso. As pessoas nessa vivência têm posicionamentos feministas que vão além desse lugar técnico”.
Haver se aproximado da realidade favelada, presentes na série a fez questionar cada vez mais em questões sociais e a necessidade da população vulnerabilizada em fazer parte das formações artísticas. “Eu enquanto pessoa física quero fazer diferença e usar essa visibilidade para transformar pessoas sendo condutora e não passiva. Nunca pensei em dar aula mas descobri a vontade de compartilhar com quem esta começando”, diz ela, que ambiciona montar um projeto social para amparar jovens atores.
Quando fala sobre feminismo, Bruna remonta ao movimentos feministas: “Eu era muito combativa e acabei indo para perspectivas mais extremas. Extremismo é algo muito perigoso. Hoje tento mais estudar, ouvir mais que falar e não generalizar. Há muito para desconstruir e há muita gente em desconstrução, especialmente homens brancos e héteros e por mais que possa parecer taxativo, deve-se ponderar entre o acolhimento e a necessidade de “não ficar dando aula” [sobre respeito]. Mas eles precisam agir e se posicionar”.
Não adianta um cara posar de desconstruído e aliado à causa feminina se na roda de amigos ele é machista e não se opõe a falas machistas. Temos que lutar juntos. Eu como mulher branca não posso me encastelar nos meus privilégios e não reconhecer a realidade que habita no feminismo preto, por exemplo – Bruna Mascarenhas
MAIS
Rita, a personagem de Bruna Mascarenhas em “Sintonia” é muito humana. Já consumiu drogas, vendeu-as, foi evangélica, transformou-se em estudante e essa pluralidade é o que mais seduz a atriz. “Rita é muitas. Eu acho isso incrível, humano. Ela foi buscando a própria história e sempre de forma muito honesta consigo, se entendendo, sendo mais consciente e tomando as rédeas da vida. Essa fluidez a humaniza e ela entrar para a faculdade me emociona. São várias as meninas de comunidade que entraram para a faculdade, assim como ela. E muitas tantas são as que tem noção da política na vida delas”. A atriz inclusive acha ótima esta personalidade errática da personagem por que confere a ela mais embocadura dramatúrgica. “Isso a difere das novelas, quando as personagens parecem ter apenas um objetivo do começo ao fim. As coisas no audiovisual são menos chapadas e há um pouco mais de liberdade na narrativa. Não existe novela sem amor romântico mas isso não pode ser a única coisa na trajetória desse personagem, a única motivação. Há de haver profundidade”.
Hoje há atrizes que escolhem mais também e há as que recusam [personagens estereotipados]. Os atores são mais opinativos de acordo com seus posicionamentos. Há uma abertura para ouvir. É um movimento geral – Bruna Mascarenhas
Quanto à inclusão de pessoas mais diversas nas grandes corporações, Bruna afirma haver empresas que “acabam falando sobre diversidade por uma grita popular, mas que nem sempre é a diretriz da empresa. Isso é algo que tem que ser levado a sério e não da boca pra fora. Há empresas e empresas. Há quem opte por unir um discurso popular com um reposicionamento da marca. Inclusive, não adianta falar ser inclusiva enquanto discurso e na mesa de reunião ou na foto de fim do ano da diretoria só haver gente branca e um estagiário preto ou não ter pessoas trans, não haver espaço acolhedor para uma pessoa vítima de assédio, ou um programa para atender mulheres grávidas”, frisa ela.
Bruna prossegue dizendo que “haver mulheres, trans e cis, na política é algo que me enche de esperança. Por que assim somos nós mesmas falar por nós. Teremos assim um congresso amplo. A inserção das minorias é muito importante para transformarmos nosso País num lugar humanitário e democrático. Ao falarmos tanto sobre mulheres, perguntamos a ela onde reside o seu sagrado feminino “acho que na troca com as minhas amigas, com as mulheres de várias idades. Esse lugar em comum entre nós nos potencializa como mulheres”.
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