Bruna Aiiso, que estará em “Terra e Paixão”, novela global, desabafa sobre preconceito que viveu por ter mãe negra


A atriz estará de volta à TV na nova novela de Walcyr Carrasco, “Terra e Paixão”, cuja previsão de estreia substituindo “Travessia” é dia 8 de maio. Ela, que é fruto de um relacionamento etnicamente miscigenado – já que seu pai possui ascendência japonesa e sua mãe, é negra – revela o preconceito o qual ela e sua mãe foram alvo numa campanha publicitária, quando a agência de publicidade recusou escalá-las por não serem ambas orientais. A atriz também aborda o pioneirismo no qual esteve inserida por ser uma das primeiras – senão a primeira – a viver, na dramaturgia, um par romântico composto por uma mulher oriental e um homem negro, na novela “Bom Sucesso” (2019). Tendo iniciado sua carreira na televisão como repórter do Globo Esporte/SP, atriz também relata as hostilidades que sofrera por conta da destemperança dos torcedores, que jogaram até urina nela

*por Vítor Antunes

Diante de um tema que vem recebido cada vez mais atenção junto à sociedade moderna, que é a discussão sobre o racismo amarelo, Bruna Aiiso – que depois de alguns anos de ausência das telinhas estará de volta na nova novela de Walcyr Carrasco, “Terra e Paixão“, cuja previsão de estreia substituindo “Travessia” é dia 8 de maio – traz à tona a necessidade de abordar com ainda mais vigor o debate sobre este tema. Ela, que é fruto de um relacionamento etnicamente miscigenado – já que seu pai possui ascendência japonesa e sua mãe, é negra — fala sobre a ocasião na qual, apostando que sua mãe era amarela, uma marca de cosméticos negou-se a fazer uma ação comercial com ambas. Segundo a atriz, “o audiovisual tem o vício de estruturar as famílias de forma óbvia, para justificar a presença de uma pessoa amarela, sendo que na vida real as coisas não são bem assim. (…) O Brasil é múltiplo”.

Além da novela, Aiiso estará estreando outros trabalhos no segundo semestre. Como o filme que aborda o sequestro do apresentador e empresário Sílvio Santos, e outro, chamado “Um dia cinco estrelas“. Mais um de seus trabalhos que estará entrando nas plataformas digitais é Desejos S/A”. Para a atriz, são personagens do que ela havia feito em sua carreira e que possuem um arco dramático, uma história. O que é algo muito diferente dos outros que havia feito”.

Revistando em cena uma vivência que experienciou na vida, Aiiso viveu em “Bom Sucesso“, uma personagem que possuía um relacionamento inter-racial com um homem negro, Léo, vivido por Antônio Carlos Bernardes. Inicialmente, o personagem interpretado pelo ator filho do humorista Mussum (1941-1994) não teria um par romântico tão claramente estabelecido e dividiria suas possibilidades de afeto ou com a personagem interpretada por Aiiso, uma japonesa, ou com aquela vivida por Rhaissa Batista, uma francesa. Uma votação popular acabou indicando que 90% dos telespectadores apoiava que Léo casasse com a oriental em vez da europeia. “O publico gosta e é algo que da certo. Não cabe uma desculpa para não ousar em colocar pessoas (de outras etnias) em cena.”, disse a atriz.

Por haver trabalhado como jornalista do Globo Esporte-SP, Aiiso flagrou-se com a agressividade dos torcedores. A atriz – que apresentava um quadro de entretenimento no noticioso esportivo – diz que alguns torcedores mais enfáticos eram mais ferinos contra ela, como forma de atingir à emissora na qual trabalha. Segundo ela, ainda que o universo futebolístico seja muito machista, e ela fosse muito xingada e hostilizada, alguns torcedores queriam atingir à Globo, pois sentiam-se preteridos por ela. “Já me jogaram copo de urina, já furaram o pneu da viatura da reportagem e quebraram o vidro”, por exemplo.

Bruna Aiiso estará em “Terra e Paixão”, nova novela das 21h e é voz ativa do protaginismo amarelo (Foto: Vítor Vieira)

A COR DO SEU DESTINO

Bruna Aiiso esteve, desde cedo, exposta ao racismo. Uma das vezes em que ele se fez de forma mais presente foi quando ela e sua mãe foram convidadas a protagonizar um campanha publicitária. Ao que os executivos perceberam que Dona Lia não era amarela, mas preta, desistiram de tê-las enquanto imagem da marca, o que sob a perspectiva de ambas era um sinal de racismo estrutural. “Ninguém nunca vai chegar até a mim e dizer que não vai me contratar por que a minha mãe é negra. Fica uma coisa subentendida. Disseram que a campanha não rolaria por que haviam pensado que a minha mãe era asiática”. Depois que aconteceu esta situação, a mãe da atriz contemporizou: “Foi até bom aquele não ter acontecido naquele momento, pois acabamos fazendo outros trabalhos, alguns até melhores que aquele”, contou-nos Bruna.

Todavia, a atriz relembrou passagens de sua infância que reiteram essa faceta do racismo, especialmente do relacionado à sua mãe.

Talvez ela não tivesse tido consciência das micro agressões que sofrera desde sempre. Tanto que, quando eu era levada à escola, as pessoas perguntavam quem era a mãe daquela criança, ou se ela era a minha babá. Há também, situações nas quais estávamos no mercado e as pessoas perseguiam-na por achar que ela era não poderia estar ali. Hoje, mais adulta, sabendo como as coisas acontecem, tenho a consciência de que ela sofria racismo, claro – Bruna Aiiso

Bruna Aiiso e Lia de Oliveira. Mãe e filha não fizeram campanha publicitária após a negativa de uma grande marca (Foto: Reprodução/Instagram)

TERRA, PAIXÃO E TEMPO

Bruna Aiiso vai estar na próxima novela das nove, “Terra e Paixão“, de Walcyr Carrasco. Como ainda há dois meses para a estreia da trama, muito dela ainda está sob cuidado, em segredo. Perguntamos à atriz se ela poderia falar sobre sua personagem, a médica Laurita, mas ela foi cuidadosa. “Trata-se de uma mulher interessante, com muitas camadas e coisas surpreendentes. Não é uma personagem que vai passar pelos outros, mas ter importância na trama”. Ainda de acordo com as falas da artista, Carrasco “acompanhou nossa preparação, esteve com a gente em vários dias e foi incrível e estar próximo de um autor como ele, cujo histórico de novelas de sucesso. “Terra e Paixão“, ainda que seja a primeira trama da atriz com Walcyr, é sua segunda com Luiz Henrique Rios, com quem esteve em “Bom Sucesso” (2019).

Sobre “Terra e Paixão“, ela diz que, ainda que sua personagem seja racializada, no local onde a trama de passa, Dourados (MT), há muitos descendentes de japoneses, algo que surpreendeu a equipe. Me arisco dizer que Dourados é uma das maiores concentrações de japoneses no Brasil depois de São Paulo, ou Maringá, por exemplo”, compara. E segue dizendo que “as meninas de São Paulo e Maringá podem se sentir representadas, ainda que ela esteja no estereotipo da “minoria modelo”. Aplica-se este título àquele grupo étnico que é percebido como possuidor de um grau de sucesso socioeconômico mais alto do que a média da população, razão pela qual passa a ser referência para grupos sociais externos.

Na novela de 2019, escrita por Rosane Svartman e Paulo Halm um dos primeiros casos de amor inter-racial entre uma mulher oriental e um homem negro nas novelas. Não foi encontrada bibliografia que comprove isso, mas há um quê de pioneiro nesta situação. Inicialmente pensada como um triângulo amoroso composto por, além do casal citado, uma francesa, vivida por Rhaisa Batista. “Inicialmente, o casal estava em aberto. Ninguém sabia com quem o personagem do Antônio Carlos Bernardes terminaria, mas houve uma votação no Gshow – site de entretenimento da Globo – e 90% das pessoas consultadas disseram que minha personagem deveria terminar com a de Léo. Ou seja, o publico gosta e aceita a diversidade. Não é mais uma desculpa não ousar em colocar outras pessoas em cena”.

Bruna Aiiso e Antônio Carlos Bernardes. Ambos fizeram um par em “Bom Sucesso” (Foto: Reprodução/TV Globo)

Com a vitória do filme “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, de Daniel Kwan e Daniel Scheinert, além do triunfo da atriz Michelle Yeoh no Oscar, Bruna acredita que está, finalmente, havendo um avanço nas causas amarelas. “Enxergo avanços, mas é algo muito devagar. Acho que o Brasil tende a copiar tudo o que vem dos EUA, há um delay aí, mas esse espelho é presente. O Oscar tem regras rigorosas quando das inscrições, das cotas para pessoas racializadas e para a diversidade e tem havido aqui no Brasil um movimento para que haja ao menos um ator amarelo – ou atriz – no elenco. Acho que  deve haver essa discussão na maior emissora da TV brasileira e uma das maiores do mundo”.

Ainda que hajam pessoas que pensem que estou reclamando, não estou. Não é sobre mim, mas a respeito de uma classe inteira que não teve oportunidades. Tenho um perfil no Instagram chamado “Somos brasileiros”, onde procuro divulgar os artistas brasileiros para dizer que nós, amarelos, existimos. – Bruna Aiiso

Aiiso afirma haver estado “muito feliz com o Oscar de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”. É “uma felicidade para a classe artística brasileira perceber que “as coisas podem tomar um rumo diferente. Me arrisco dizer que tem uma diferença entre “Parasita” e “Tudo em todo lugar…“[ambos filmes estrelados por orientais]. No primeiro, o discurso no Oscar era um e esse ano o discurso foi outro. No “Parasita” eu me decepcionei. Pensei que esse era o momento em que o mundo e estava voltado para estas pessoas, que como microfone na mão, não falaram nada do que precisava ser dito. Já neste ano, a Michele (Yeaoh), ao ganhar o Oscar, disse que “esse premio é para todas as meninas e meninos que parecem comigo’. Para mim, ali ela já disse tudo”. No ano em que venceu o Oscar de Melhor Filme, “Parasita” e sua equipe técnica acabaram não se posicionando em prol da causa amarela. A edição daquele ano acabou tratando mais da questão negra.

 O homem amarelo é colocado no lugar do fofo, do amigo, do não desejável sexualmente, o que é algo que acaba com a sua autoestima – Bruna Aiiso

Em razão da pobreza de representantes da sua etnia na TV, Bruna diz que através da atriz Danielle Suzuki viu que era possível trabalhar como atriz. “Não havia referência. Eu a vi fazendo um papel relevante na TV, a Miyuki de ‘Malhação’. Se não fosse por ela eu teria desistido (da carreira)”. Além disto, a atriz lamentou pelo fim da novela teen “Fico triste de não ter mais “Malhação”. Era o sonho de todo ator começar a carreira por ali”.

Bruna Aiiso gosta do avanço nas pautas afirmativas, ainda que não seja este um terreno a ser investigado pelos orientais (Foto: Vítor Vieira)

MULHERES NO ESPORTE

No início da carreira na televisão, Bruna Aiiso foi repórter do Globo Esporte-SP. Ainda que não fosse jornalista, a atriz apresentava matérias com uma pegada de entretenimento no noticioso esportivo paulistano. Segundo fala-nos, esta “foi  uma das melhores coisas que me aconteceram e eu amava trabalhar com o Tiago Leifert. Um cara genial, com boas sacadas, além de ser um revolucionário da forma ao se noticiar esporte no Brasil. Mesmo o Globo Esporte, antigamente, era mais focado do futebol e não noticiava muito das outras modalidades. Aprendi a me comunicar através do jornalismo a ponto de pensar em fazer faculdade, inclusive”.

Ainda que o universo futebolístico seja machista, para a atriz, a hostilidade junto a ela não vinha da velha rivalidade entre homens e mulheres, mas de uma indisposição séria entre alguns torcedores e a Globo. Segundo ela, há torcedores que se posicionam muito fortemente contra a TV, dizendo que ela privilegia a cobertura de um time em detrimento de outro, razão pela qual “fui xingada, tive o cabelo cuspido, me arremessaram copo com urina ou quebraram os vidros do carro de reportagem. Não era nada contra a minha pessoa, mas um posicionamento ideológico contra a TV. E como eu era do entretenimento, não sofria tanto quanto as jornalistas”, relata.

Bruna Aiiso. Atriz pensou em fazer jornalismo em razão de haver participado do GE-SP como repórter (Foto: Vítor Vieira)

Uma frase atribuída à Virginia Woolf (1882-1941) esteve presente no Instagram de Bruna Aiiso e começava com uma pergunta que, sozinha, já era inquietante: “O que é uma mulher?”. Devolvemos à atriz a pergunta, provocada pela falecida escritora. E Bruna diz ter “Tantos exemplos de mulheres que fazem parte da minha vida, e diferentes umas das outras, que é difícil resumir de forma sucinta o que é uma  mulher. Mas se há algo em comum nelas é força. Quando minha vó, morando no interior da Bahia, aos 90 anos, perdeu seu marido, ela dizia a que que partisse com Deus e que por ele fez tudo o que pôde, a despeito de ele não ter sido um bom marido. Vejo a força dela ao criar seis filhos. Vejo minha mãe e sua força. Olho para mim e vejo a mesma força, nos resquícios da minha ancestralidade”. Reitera sua fala o próprio texto atribuído a Virgínia Woolf “O que é uma mulher? Eu lhes asseguro, eu não sei. Não acredito que vocês saibam. Não acredito que alguém possa saber até que ela tenha se expressado em todas as artes e profissões abertas à habilidade humana”.