*por Vítor Antunes
A novela “Cara e Coroa”, escrita por Antonio Calmon, está prestes a reestrear no canal Viva em 9 de setembro de 2024, trazendo de volta uma obra que, embora não tenha alcançado o estrondoso sucesso de suas antecessoras “Quatro por Quatro” e “A Viagem”, marcou o período de 1995 e 1996 com uma trama envolvente e cheia de conflitos, tanto dentro quanto fora dos bastidores. Esta nova exibição convida o público a revisitar uma produção que foi tanto celebrada quanto criticada, oferecendo uma visão única sobre os desafios enfrentados por seus criadores e elenco, e que constitui uma peça importante no mosaico da teledramaturgia nacional.
Originalmente, “Cara e Coroa” estava programada para suceder “Quatro por Quatro”, mas o sucesso inesperado desta última levou a Globo a esticar a novela em 30 capítulos. Esse movimento estratégico resultou no adiamento da estreia de “Cara e Coroa” e na redução de 30 capítulos de “Irmãos Coragem”, uma tentativa fracassada de reviver um clássico, no horário das 18h, o que acabou antecipando a estreia de “História de Amor”, também às 18h. A novela de Calmon, mesmo antes de estrear, já enfrentava pressões e expectativas elevadas. Sua estreia, no entanto, ocorreu em um cenário competitivo. No mesmo dia e horário, a Band lançou “A Idade da Loba”, uma novela que, embora não tenha atingido o mesmo nível de sucesso, representou uma tentativa de competir diretamente com a poderosa Globo. Essa disputa pela audiência foi um reflexo da época, em que as emissoras buscavam atrair espectadores com propostas diferenciadas, mas a força da Globo prevaleceu. Relembre o contexto e as histórias de “Cara e Coroa”.
DANÇA DAS CADEIRAS
Durante a fase de pré-produção, “Cara e Coroa” passou por diversos ajustes, principalmente para evitar comparações com “O Outro” (1987), uma novela que gerou um processo por plágio contra a Globo, e sobre a qual já falamos aqui no site HT. Estimava-se que a trama poderia sofrer mudanças significativas, caso fossem identificadas semelhanças prejudiciais, mas Calmon e sua equipe conseguiram adaptar a história de forma a evitar maiores complicações legais. Calmon, por sua vez, enfrentou uma longa jornada até a aprovação final da novela. O autor escreveu quatro versões diferentes da sinopse antes de finalmente obter o aval da Globo. Após concluir os 30 primeiros capítulos, ele precisou se afastar temporariamente para descansar, tamanho era o desgaste provocado pelo processo criativo.
Outro momento marcante foi a decisão de manter a personagem Fernanda, interpretada por Christiane Torloni, na trama. Originalmente, a personagem morreria no primeiro capítulo, mas a direção da Globo reconsiderou, optando por mantê-la ao longo da novela. No entanto, a performance de Torloni não escapou das críticas, com Renata Reis, do jornal O Globo, apontando falhas na dicção da atriz, afirmando que “não se entende a última sílaba das palavras”.
Nos bastidores, “Cara e Coroa” foi marcada por tensões e desafios criativos. Um dos episódios mais emblemáticos foi o desentendimento entre Maitê Proença e o diretor Wolf Maya. Proença interpretava Heloísa, uma das vilãs da novela, mas sua personagem foi eliminada antes do fim da trama devido ao conflito com Wolf. Isso levou a uma reestruturação na narrativa, onde a vilania foi centralizada nas ações de Mauro Prates, vivido por Miguel Falabella. Falabella, que já estava exaurido devido à sua participação em peças de teatro, à apresentação do “Vídeo Show” e às gravações da novela, chegou a tirar duas semanas de férias para recuperar as energias. Em entrevista, anos depois, lamentou: “Eu fiquei sem rumo na novela”. A dublê da atriz, porém, acabou caindo de fato no mar e sofreu alguns ferimentos.
A produção de “Cara e Coroa” enfrentou desafios significativos na montagem do elenco e na execução das gravações. A dificuldade em fechar o elenco principal refletiu-se em mudanças de última hora. Ricardo Macchi estava originalmente pré-escalado para um papel que acabou ficando com Márcio Garcia. Macchi foi então deslocado para um outro papel, o protagonista, pelo qual acabou sendo marcado como o eterno “Cigano Igor”, em “Explode Coração”. Rosi Campos, que brilhou em “Cara e Coroa”, recebeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante de 1995 pela APCA. Curiosamente, o papel que marcou sua participação originalmente seria de Cláudia Jimenez (1958-2022), que não pôde participar da novela.
“Cara e Coroa” também marcou a estreia de diversos talentos na teledramaturgia da Globo. Luís Mello, que fez sua primeira aparição em novelas, foi alvo de críticas severas de Antunes Filho (1929-2019), renomado diretor de teatro, que não aceitava a transição de Mello do teatro para a TV. Em uma declaração ácida, Antunes afirmou: “Ele está fazendo televisão para comprar um carro e eletrodomésticos.” No entanto, a atuação de Mello foi amplamente reconhecida, e ele acabou sendo aclamado como a revelação masculina na TV pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 1995.
Além de Mello, a novela trouxe a estreia de atores como Heitor Martinez, Juliana Baroni, Maria Maya e Cláudia Liz. Outro destaque foi a participação de Arlete Montenegro, uma veterana da dramaturgia que, apesar de sua vasta experiência, fez sua estreia na Globo com essa novela. Além disso, foi em “Cara e Coroa” que o filho de Cissa Guimarães, João Velho, fez sua estreia na TV, interpretando o personagem de Miguel Falabella quando jovem. Esse detalhe, pouco mencionado ao longo dos anos, acrescenta uma camada adicional ao legado da novela. Além dos já mencionados estreantes, a novela serviu como plataforma de lançamento para Maria Maya, que vinha de uma família já estabelecida no meio artístico, sendo filha de Cininha de Paula e do diretor Wolf Maya. A novela também marcou o retorno de Lúcia Veríssimo às telinhas, um momento aguardado pelos fãs da atriz, que estava fora das novelas desde “Despedida de Solteiro”.
A presença de Susana Werner na abertura da novela também chamou a atenção. Então modelo e ainda não lançada como atriz, Werner apareceu na abertura, mergulhando e atravessando um espelho no fundo do mar. As cenas teriam sido gravadas no Caribe, e Werner já havia sido eleita musa da Revista de Domingo do Jornal do Brasil. A novela “Cara e Coroa”, com suas complexidades, reviravoltas e tensões, continua a ser lembrada como uma produção icônica que refletiu e influenciou uma era significativa da teledramaturgia brasileira.
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