*Por Brunna Condini
Breno da Matta vem nos comovendo e fazendo refletir com suas falas como o pastor Lívio em ‘Renascer‘. O ator se destaca na TV e fora dela, com os elogios aos seus posts no Instagram em momentos de lazer. Ele se diverte com os comentários em imagens suas sem camisa na praia, por exemplo. Estaria surgindo com o papel do religioso na trama das nove, fora dela também um galã? “Foi todo um processo na vida para me achar bonito. Acontece isso com pessoas negras. Crescemos sem vermos beleza em nós. Tive muitas questões com autoestima durante muito tempo. Era meio que o ‘patinho feio’. Acabei me construindo como pessoa, sem me balizar por beleza. Hoje me achar bonito é ok. Ao mesmo tempo, tenho consciência do meu perfil e do quanto ele pode ser colocado neste lugar”, observa Breno, que também estará em ‘Justiça 2‘, que estreia em 11 de abril no Globoplay.
Tenho 1,90 m, porte atlético, posso me enquadrar dentro de um perfil de galã. Mas isso depende muito do que o mercado quer. A beleza negra não é colocada neste lugar. Quantos galãs negros você vê na TV brasileira? Galãs, porque homens bonitos existem muitos. Está para além da beleza, para como isso comercialmente pode ser construído – Breno da Matta
Sobre a exposição nas redes sociais, ele diz ainda: “Costumo ser discreto, ‘biscoito’ muito pouco (risos). Não quero ficar conhecido por isso, mas se um personagem precisar da beleza, ótimo. Fico feliz de chegar na televisão com um papel que é o oposto disso. Na caraterização para os pastor Lívio engomam meu cabelo, me envelhecem. As pessoas nas ruas me dão 10 anos a menos do que veem na TV. Acho maravilhoso poder ser plural. Ser ator vai muito além disso tudo”, divide Breno, aos 40 anos.
A potência da diversidade
Breno ressalta, que pelo menos em ‘Renascer‘, diferente do mundo em que vivemos, não há espaço para a intolerância religiosa. “A novela tem um caráter ecumênico, como o Brasil. Tenho sentido que essa mensagem tem chegado bem para o público. Somos um país de muitas misturas, isso faz parte da brasilidade. Temos que chamar atenção principalmente para as culturas historicamente invisibilizadas, como a negra e a indígena. É assustador, demos tantos passos para trás nos últimos anos, que estamos precisando falar de coisas que há 30 anos, na primeira versão da novela, não precisávamos. Ter Inácia (Edvana Carvalho), com sua ancestralidade, o Chico Diaz como padre Santo, que saiu de cena há pouco tempo, e o Lívio, meu personagem, um pastor evangélico, convivendo em suas fés, com respeito e harmonia, é muito importante. Eles se encontram em suas vulnerabilidades e a espiritualidade de um, ajuda a curar o outro. Sou baiano e lá é muito comum as religiões se misturarem. Está tudo junto e ninguém estranha ou exclui, se respeitam minimamente. O ‘cramulhãozinho na garrafa’ de ‘Renascer‘, era mostrado na década de 90. Agora, parece que se fez uma escolha de mostrar menos, porque no Brasil de hoje, as pessoas provavelmente vão chiar, mas é ficção, onde você está trazendo uma discussão a partir disso. Então, sinto que retrocedemos”.
Pastor Lívio também vai tocar em outros temas importantes, como a violência doméstica, através da Dona Patroa (Camila Morgado); e também a reforma agrária, o trabalho escravo. São questões latentes na novela e no Brasil – Breno da Matta
Questionado a respeito da própria espiritualidade, Breno pontua: “Acho mais importante falarmos da espiritualidade do Lívio neste momento. Ele precisa ser mais escutado do que eu. Acredito em muitas coisas e minha espiritualidade tem muito a ver com o olhar que o personagem tem, de que Deus está em muitas coisas, dentro de nós, e se te faz bem, faz com que seja uma pessoa melhor, ótimo, é sobre isso, você entendeu o que é espiritualidade e fé”.
Sonho
“Estar na Globo, em uma novela das 21h como essa, é um sonho. Sou ator de teatro há muitos anos e sei que isso pode me abrir portas, oportunidades inclusive para ter segurança material. Isso é muito importante, tão valioso quanto isso, para mim que vim do teatro de grupo e sempre lidei com discussões relevantes no palco, mas isso para um público muito reduzido, e poder defender um texto como esse de Lívio para tantas pessoas. É incrível, transformador em uma escala maior. Em um momento complexo do Brasil, onde tudo é binário, tem pouca escuta. E esse personagem é escutado. Ele fala sobre amar ao próximo, o que toda religião prega, de formas diferentes”, constata.
O fato de pastor Lívio ser evangélico não é o mais importante. O que importa é que ele seja um cara que as pessoas querem escutar, estar perto. Ele não fala com a retórica evangélica, mais conhecida, fala na horizontalidade, o que aproxima. Que era o que Jesus fazia, trazia as pessoas próximas dele. Jesus era um humanista, Lívio também – Breno da Matta
Se o remake seguir a primeira versão da história, o personagem ainda se apaixonará por Joana (Alice Carvalho). “Isso não está na sinopse que recebi, então não sei mesmo se acontecerá. Acho que essa trama mexeu tanto com as pessoas na novela original, que deve acontecer agora também. Mas sinceramente, não sei como isso vai se dar”.
E compartilha o movimento que fez na busca pelo tom do personagem. “Encontrei o Jackson Costa (ator que fez o então padre Lívio em 1993), e falamos da diferença entre o Lívio do que ele fez e o do que eu faço agora. É o mesmo personagem, mas perpassa coisas diferentes. Em nosso papo, entendemos que mais que o mesmo personagem, meu pastor Lívio é uma continuidade, para que essa história seja contada hoje”, diz.
Baiano de Itabuna, município próximo de Ilhéus (BA) e filho de engenheiros agrônomos, tendo um pai que trabalhou com cacau, Breno afirma que está vivendo algo mágico. “Meu pai mora na região ainda, então estou falando de uma cultura que vi de perto. Tenho muitas memórias afetivas. É um universo familiar, os personagens da novela são figuras que conheci ao longo da vida. O Brasil profundo é cheio disso. Sou apaixonado pelo trabalho do Benedito Ruy Barbosa por isso. Ele fala desse Brasil. Isso tem identidade e as pessoas se conectam”.
Multiplicidade
Em ‘Justiça 2‘, ele interpreta Tulio. “O personagem faz parte do núcleo do Juan Paiva (Baltazar), que vai preso e quando sai da cadeia, vê meu personagem com a namorada dele, então se faz um triângulo amoroso. Muitas coisas acontecem a partir desta perspectiva. Tem a questão do trabalho deles, como motoboys, em relação a direitos trabalhistas, à exploração do trabalho, à falta de oportunidade, de acesso, principalmente do brasileiro periférico, em sua maioria, pessoas negras, que ficam a mercê de muitas situações, como a que acontece na série. São temas importantes e atuais. Estou feliz porque vão ver duas versões bem diferentes minhas como ator, são grandes oportunidades”.
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