Big Brother Brasil 23: em edição que pretende apostar na pluralidade, o reality exclui gordos e pessoas mais velhas


Esqueceram? Reforçando a invisibilidade social que gordos e pessoas mais velhas sofrem na sociedade, o reality peca no ‘recorte’ da pluralidade de existências de seu elenco. Por isso, já começamos por aqui as reflexões com os temas que orbitam o programa, e convidamos a terapeuta Maria Rafart, que acompanha o reality para pensar junto conosco. Afinal, quem comanda os realities precisa urgentemente elencar para além das ‘cotas’ de diversidade, oferecendo ao público um desejo genuíno de representatividade. A realidade brasileira não é representada por padrões, por isso é preciso regularidade na aproximação dos participantes com a população. E você, o que pensa disso?

*Por Brunna Condini

Amem ou odeiem, mas o Big Brother Brasil 23 será assunto nas rodas nos próximos três meses. Com 22 participantes divididos nas tribos ‘Camarote’ e Pipoca’ (convidados e inscritos), a edição, apesar de trazer um número recorde de pessoas negras, contabilizando 11 jogadores na casa, ainda ficou devendo no que diz respeito à pluralidade de existências, já que um reality se propõe ou deveria se propor a oferecer um recorte da sociedade. Ao que parece, nos ‘recortes’ escolhidos pelo BBB gordos e pessoas mais velhas são exceção no cast. O que vemos é que, mesmo dentro da diversidade escolhida dos personagens – de diferentes cores, culturas e regiões do Brasil; orientações sexuais; profissões -, existe um padrão que raramente é quebrado: eles e elas, em sua maioria, são jovens e têm corpos dentro de um padrão que não representa democraticamente a sociedade. O BBB23 já começa deixando a desejar, já que pessoas gordas e maduras podem e devem participar de uma atração assim. Está faltando gordo na TV, fato. Os corpos livres devem ocupar todos os lugares. E pessoas, em qualquer idade, podem ocupar os lugares em que se sintam confortáveis.

Por isso, já começamos por aqui as reflexões com os temas que orbitam o programa, e convidamos a terapeuta Maria Rafart, que acompanha o reality para pensar junto conosco sobre tudo isso. Afinal, quem comanda os realities precisa urgentemente pensar para além das ‘cotas’ de diversidade, oferecendo ao público um desejo genuíno de inclusão. A realidade brasileira não é representada por padrões. Longe disso. É preciso ter regularidade na aproximação dos elencos destas atrações com a população: os gordos representam 61,7% da população, e já a parcela de pessoas com 60 anos ou mais saltou de 11,3% para 14,7%. Estamos envelhecendo mais. A gordofobia é algo tão enraizado, que muitas manifestações dela podem passar batido. Felizmente hoje menos do que no passado. Tanto que, até antes do reality global começar, na Casa de Vidro, Gabriel Tavares (que acabou escolhido pelo público para entrar no confinamento), em conversa com Giovanna Leão, causou indignação nas redes quando perguntado por ela se sempre foi bonito e respondeu: “Não, eu era gordo“.

Os participantes do BBB 23 (Divulgação/ Globo)

Os participantes do BBB 23 (Divulgação/ Globo)

O tema também está na boca dos confinados. Na tarde desta quarta-feira (18), enquanto estavam na piscina do BBB23, Fred Nicácio e Marvvila conversaram sobre gordofobia. Fred falou que gosta de se cuidar, mas que não vê como obrigação agradar ninguém com seu físico. “É mais importante o que eu quero fazer com meu corpo ou o que o outro pensa sobre o meu corpo? Eu reinvindico pra mim todos os direitos do meu corpo. As histórias, as marcas, as cicatrizes, tudo é meu. O que a outra pessoa pensa de mim é problema dela”. E comentou sobre os danos do preconceito: “A pessoa tem anorexia e bulimia, são doenças, doenças que podem matar. E aí o gordo, por estar fora de um padrão que alguém estipulou, é que não é saudável? Isso é injusto”, disse.

E acrescentou: “Eu, como médico, não acho que o corpo gordo é um corpo doente. Tem gente da medicina que defende isso”. Marvvila pontuou: “O mais importante é a pessoa sair e se sentir bem com ela. Tem amigas que incentivo a mudar, porque tem gente que sofre e não faz nada”. E Fred finalizou: “Sim, mas de uma motivação virar uma ditadura? Pelo amor de Deus, esse é um assunto que me revolta. Tem que parar de ligar atividade física a emagrecimento. Não é para emagrecer, é para se sentir bem”.

Fred Nicacio e Marvvila falam sobre gordofobia no BBB23 (Reprodução)

Fred Nicacio e Marvvila falam sobre gordofobia no BBB23 (Reprodução)

A psicóloga Maria Rafart aponta sobre a ausência de gordos nestes programas de TV. “No tocante a outros biotipos que não os do padrão, já assistimos a uma empoderada Jojo Todynho (em A Fazenda 13) e a um acovardado Tiago Abravanel, (no BBB22) ambos representando, de certa maneira, a classe dos acima do peso. Acredito que a televisão já aprendeu muito. Hoje podemos ver participantes assumirem abertamente a sua bissexualidade, como aconteceu na apresentação que fizeram nesta edição ao entrar na casa. Mas é fato que a TV precisa avançar muito mais”.

Tiago Abravanel único participante gordo no Big Brother Brasil 22 (Reprodução)

Tiago Abravanel único participante gordo, no ano passsado, no Big Brother Brasil 22 (Reprodução)

E fala também sobre a falta de personagens mais maduros nos realities, destacando que pa participação deles pode ser inclusive mais do que inspiradora. “A indústria do entretenimento ainda reluta em se dar conta de que o dinheiro prateado vale muito: o poder de compra dos grisalhos é grande, mas a identificação desse público mais maduro com os participantes de realities é escassa. Fala-se muito na ‘tia do sofá’, como sendo aquela que assiste apenas aos programas editados, e que não tem capacidade, nem vontade, de votar mais de uma vez.  É um fenômeno chamado ageísmo, a discriminação pela idade. Uma grande confusão é referente às alterações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento, que estão dentro do esperado – elas se chamam senescência. Confunde-se muito com senilidade, que seriam basicamente as alterações referentes a doenças do envelhecimento. É como se todo mundo que fosse mais maduro fosse doente ou menos capaz. Parte-se também do princípio de que os principais votantes, em termos de números, seriam jovens, e consequentemente dá-se ao jovem a oportunidade de se identificar com os confinados”, analisa.

O preconceito contra gordos e pessoas maduras está arraigado em nossa sociedade e o que aparece na TV é um reflexo que perdura disso mais do que deveria. “Por mais que o mundo esteja envelhecendo e que estatisticamente haja hoje mais pessoas com sobrepeso do que antigamente, estas populações continuam na invisibilidade social. Há uma negação generalizada em ficar velho: o novo ainda tem muito valor em nossa sociedade, e para muitos é melhor fechar os olhos e não ver o próprio destino, pois só não envelhece quem morre cedo. Idosos tendem a sentir-se mais solitários, e isto não é uma impressão: são colocados mesmo de lado. No tocante ao sobrepeso, na sociedade que tudo acintura, mexe, arredonda e altera com o photoshop, deparar-se com um biotipo fora da ‘norma’ cobrada ainda causa estranhamento. É como se o mundo não fizesse caber os gordos nele”, completa.