* Por Carlos Lima Costa
Uma das maiores estrelas da teledramaturgia brasileira, protagonista de novelas emblemáticas como Pecado Capital, Duas Vidas e Tieta, a atriz Betty Faria, com mais de 50 anos de carreira, fará, em grande estilo, 80 anos de idade, no dia 8 de maio. Mesmo já tendo recebido a primeira dose da vacina contra Covid-19, a artista, por conta da pandemia, não vai poder ter uma festa à altura do que merecia nesta data. “Vou celebrar do jeito que der. Acho um milagre estar fazendo tantos anos. Nem acredito”, dispara. “Melhorei bastante com a maturidade, como aprender a conhecer gente e a detectar mentiras, fiquei mais implicante”, acrescenta com irreverência.
Com a pandemia da Covid-19 iniciada há um ano, várias novelas foram reprisadas. E Betty pôde ser vista em A Força do Querer, exibida até este sábado, dia 13. “Só tenho boas lembranças e saudades desse trabalho. Elenco, direção, equipe, todos estavam em perfeita harmonia. Mas não tenho nada da Elvirinha, personagem que interpretei”, conta, sobre a personagem politicamente incorreta e ambiciosa.
Ela frisa que, em relação à pandemia, foi impactada com toda a realidade que nos permeia. “Alguns sobrevivem de forma mais leve que outros. Eu, me considero sortuda, pois não fui obrigada a sair para trabalhar como muitos. Felizmente, na minha família ninguém testou positivo para Covid-19. Hoje em dia, vivo uma rotina respeitando a tragédia que estamos vivendo. Antes, ainda dava umas caminhadas na areia da praia, de manhã, mas agora nem isso. Estou trancada mesmo”, contou ela.
Betty não tem estado como gostaria com os filhos, Alexandra Marzo, do casamento com Claudio Marzo (1940-2015), e João de Faria, da união com Daniel Filho, nem com os quatro netos. “Vejo a família de longe. Quando puder todos faremos um encontro especial”, torce ela, que nesse período procurou se ocupar assistindo filmes, estudando e lendo. Nos últimos dias, inclusive, apoiou nas redes sociais um projeto de doação de livros para a Biblioteca Hélio de la Peña. E ainda falou sobre a importância de um ato como esse: “A leitura educa, diverte, instrui, faz companhia”.
Em 1º de março, com total entusiasmo, Betty foi imunizada com a primeira dose da vacina contra Covid-19. E desaprova os que questionam a vacinação, os que não usam máscara e aqueles que aglomeram. “Vejo essas pessoas desprovidas de educação moral, cívica, e com falta de espiritualidade, respeito ao próximo. Enfim, não vejo com bons olhos essa fatia de gente”, assegura, lembrando que a pandemia “adiou planos e projetos de trabalhos”.
Betty sempre foi exemplo de vanguardismo, empoderamento, posicionamento político, a favor de diversas causas, inclusive o aborto, sendo uma das mulheres mais ativas e à frente do seu tempo da televisão brasileira e no cinema, como pontuamos diversas vezes aqui, no site. E continua afirmando: “Quero atuar sempre”. E quem é a Betty, hoje? “ Sou uma pessoa grata aos que me procuram, me oferecem trabalho, me dão afeto, amizade. Grata à vida. E também muito cautelosa, quase blindada, pois já tive muitas experiências que não gostaria de repetir”, assegura ela, que brilhou também em tramas como Água Viva, Partido Alto, Anos Dourados, A Idade da Loba e A Dona do Pedaço.
A atriz faz parte de uma geração de mulheres que batalhou muito pela conquista de direitos femininos. Aos 20 anos, você achava que fosse chegar aos 80 vendo uma sociedade ainda machista com a mulher sendo vítima de relações abusivas, violência doméstica, assédios? “Com 20 anos, eu li Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir (1908-1986). Era uma busca de respeito, liberdade e auto estima feminina. Hoje, existe uma desrespeitosa tendência, com a extrema direita contra o feminismo, vemos ainda muitas tragédias. Mas isso vai mudar, vai mudar com o fim da impunidade”, acredita.
Betty soube responder à altura, inclusive, as críticas que recebeu na internet ao defender a sua posição favorável à legalização do aborto. Mais? Ir à praia sempre foi um de seus grandes prazeres. E nunca se privou de dar seu mergulho de biquíni, o que mais uma vez provocou a ‘polícia de plantão’ na web. A liberdade sempre foi seu lema e ação. E criou seus filhos sozinha, divorciada, trabalhando noite e dia na TV e no cinema. Betty, por que ainda incomoda tanto ver uma mulher quebrando padrões pré-estabelecidos? Fruto de uma sociedade ainda machista, patriarcal? “Não. Eu acho que as pessoas querem ver as artistas sempre bonitas, e no meu caso, quando isso ocorreu, acho que queriam ver a Tieta para sempre (risos), a gostosona. Eu não sou mais gostosona, sou uma senhorinha animada”, diverte-se.
E ela já revelou que na sua trajetória de vida passou por circunstâncias bem desagradáveis, a começar aos 6 anos, na escola, em Copacabana, onde sofreu bullying: “Me chamaram de ovo de peru, porque eu vivia na praia e tinha a cara cheia de sarda. Todo mundo sempre se preocupou com o conceito de beleza”. E vai além: “Mulheres de minha geração passaram por muitas situações difíceis. Assédio, então, era demais. Muitas tivemos que aprender a sair das coisas ruins caladas”, afirma. Betty viveu tudo que desejou, todos os amores que quis. “Os que eu quis, vivi intensamente sim”, assegura ela, que brilhou bastante também no cinema em filmes como A Estrela Sobe e Bye Bye Brasil, indicado à Palma de Ouro, no Festival de Cannes, em 1980.
E Betty, que já declarou seu desejo constante por liberdade, explica, como brasileira, o sentimento diante da série de problemas que vemos no país, com extrema polarização, vacinas insuficientes, as queimadas no Pantanal ano passado. “Vejo uma destruição muito grande do nosso país”, lamenta. Durante um editorial de moda incrível para o nosso site realizado no final de 2018, ela já afirmava: “O que vivemos atualmente nas artes é a mesma situação na qual o país se encontra. Não dá para separar cultura de violência, corrupção, repressão e polarização, que é o pior. Se temos uma opinião diferente, recebemos críticas e até xingamento dos outros. É um ódio… É a pobreza, em todos os sentidos”, analisou. De acordo com ela, o cenário político brasileiro está totalmente relacionado a esta falta de educação das pessoas e desvalorização da nossa cultura.
Em 1975, ela gravava Roque Santeiro no papel da viúva Porcina e, às vésperas da estreia, o governo do então presidente Ernesto Geisel (1907-1996) censurou a novela. Anos depois, presenciou o processo de redemocratização. E, agora, encara pessoas que exaltam a ditadura, o AI-5. “Tem algum guru da destruição orientando para o mal. É muita falta de informação, ignorância mesmo, com o intuito de destruir tudo o que está aqui”, frisa.
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