Bella Camero brilha em ‘Marighela’ e diz: “Demorei a entender o motivo pelo qual um corpo nu poderia ofender”


A atriz faz o longa de Wagner Moura, que finalmente estreia em novembro, como uma guerrilheira e fala da experiência de ser dirigida pelo ator. Além disso, é uma das protagonistas da série ‘Lov3’, comédia que aborda tramas envolvendo poliamor, trisal, relações abertas e questões de gênero. E conta que assuntos como sexualidade e nudez nunca foram tabu em casa: “São temas que existiam com leveza e era conversados abertamente. E no nosso círculo as orientações sexuais de cada não eram tão recriminadas. Isso, sem dúvida, foi fundamental para a minha autonomia afetiva-sexual. Demorei para entender porque um corpo nu poderia ofender, mas tenho aprendido também a não precisar tanto gritar minha liberdade por aí. Ter essa autonomia já é uma revolução”

*Por Brunna Condini

No elenco de ‘Lov3‘, nova série da Amazon Prime, uma comédia que explora os conceitos de amor, sexo e relacionamento através da história de três irmãos para quem o modelo de casamento dos pais já não serve mais, Bella Camero, se prepara para abordar na trama assuntos como poliamor, trisal, relações abertas e questões de gênero. Para ela, filha da também atriz Dida Camero – no ar na reprise de ‘Verdades Secretas‘ e se preparando para estrear a continuação da produção este mês – o tema sexualidade e nudez, por exemplo, nunca foram tabus em casa. “São assuntos existiam com leveza e era conversados abertamente. E no nosso círculo as orientações sexuais de cada não eram tão recriminadas. Isso, sem dúvida, foi fundamental para a minha autonomia afetiva-sexual”, conta Bella. “Eu demorei para entender porque um corpo nu poderia ofender, mas tenho aprendido também a não precisar tanto gritar minha liberdade por aí. Ter essa autonomia já é uma revolução”.

Em entrevista ao site, a atriz de 29 anos fala com a liberdade de quem respeita a própria natureza, de temas como sexualidade e amor, profissão e os papéis potentes que vem por aí no cinema. Uma das protagonistas de ‘Lov3‘, ela conta se já viveu alguma relação poli, um amor à três ou uma relação com mais de uma pessoa. “Ainda não tive essa sorte (risos)”. E revela: “Estou solteira. Vivendo uma relação como nunca com a minha casa, meus livros e meus gatos”.

"Eu demorei para entender porque um corpo nu poderia ofender, mas tenho aprendido também a não precisar tanto gritar minha liberdade por aí. Ter essa autonomia já é uma revolução" (Foto: André Nicolau)

“Eu demorei para entender porque um corpo nu poderia ofender, mas tenho aprendido também a não precisar tanto gritar minha liberdade por aí. Ter essa autonomia já é uma revolução” (Foto: André Nicolau)

No elenco do aguardado ‘Marighella‘, filme de Wagner Moura com estreia prevista para dia 04 de novembro, longa  inspirado na biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães, que foca nos últimos cinco anos de vida de Carlos Marighella (1911-1969), escritor, político e guerrilheiro, de 1964 até sua violenta morte em uma emboscada em 1969. “Ser dirigida pelo Wagner foi um deleite. Além de ser um cara muito massa e doce, ele troca e escuta bastante. A minha personagem é uma estudante de classe média que entra para a guerrilha urbana no grupo do Marighella e começa abdicar de muita coisa pra seguir na luta pelo que acredita. Me identifico muito com a inconformidade de quem escolhe a militância. Não tem como não se alterar e se inflamar com tanta devassidão e injustiça que tem no mundo”, diz.

E comenta sobre a fala de Moura de que o filme, que foi planejado para novembro de 2019, mas, segundo ele, foi alvo de censura do governo Bolsonaro, o que atrasou a estreia. “Foi um censura por outras vias. Vias burocráticas. Parece que sendo artista você se torna automaticamente uma ameaça. Uma doideira. É um filme sobre um brasileiro que foi importante, independente do que cada um vai pensar a respeito dele, temos que ter memória, conhecer mais da história de onde vivemos”, opina.

Com Wagner Moura na estreia em Berlim: "Por aqui o filme sofreu uma censura por vias burocráticas. É um filme sobre um brasileiro que foi importante, independente do que cada um vai pensar a respeito dele" (Divulgação)

Com Wagner Moura na estreia em Berlim: “Por aqui o filme sofreu uma censura por vias burocráticas. É um filme sobre um brasileiro que foi importante, independente do que cada um vai pensar a respeito dele” (Divulgação)

Bella tem trânsito feliz pelo audiovisual: também está no elenco de ‘Insânia‘, uma série de terror brasileira produzida pela Star+, fazendo a filha de Carol Castro. E aguarda a estreia do longa ‘Urubus‘, dirigido por Claudio Borrelli e filmado em 2020 ainda sem previsão de estreia. Ela lembra da trajetória até aqui e o, inevitável, encontro com o ofício. “Nasci no Rio de Janeiro e fui bem pequena para Belo Horizonte, onde cresci acompanhando a companhia de teatro que minha mãe fazia parte. Voltamos para o Rio e eu continuei fazendo teatro, mas meu sonho era fazer Biologia. Quando criança eu dizia que queria salvar o meio ambiente (risos). Cheguei a me matricular pra Engenharia Ambiental, estava em cartaz com o ‘Confissões de Adolescente’ e começando em ‘Malhação’ na época. Então, percebi que a verdade era que eu já tinha uma profissão e acho que nem saberia viver de outro jeito”.
Com a mãe, a atriz Dida Camero: "Minha mãe me levava para ensaios e peças desde a barriga. Então cresci no teatro. E não tem como não se apaixonar pelo teatro e por tudo que acontece antes de acontecer um espetáculo!" (Reprodução)

Com a mãe, a atriz Dida Camero: “Minha mãe me levava para ensaios e peças desde a barriga. Então cresci no teatro. E não tem como não se apaixonar pelo teatro e por tudo que acontece antes de acontecer um espetáculo!” (Reprodução)

Criada pela mãe entre coxias e plateias, ela fala da influência de Dida na profissão: “Minha mãe me levava para ensaios e peças desde a barriga. Então cresci no teatro. E não tem como não se apaixonar pelo teatro e por tudo que acontece antes de acontecer um espetáculo! Minha mãe achava a coisa mais linda eu ser uma nerd que amava Física e Biologia, mas não tive como fugir. E eu sempre fui muito fã dela, acho uma atriz maravilhosa”.

Liberdade e indentidade

A atriz volta e meia posta fotos de nú no Instagram e já foi censurada. O mundo voltou a encaretar? “Não diria que o mundo voltou a encaretar, até porque ele sempre foi opressor, principalmente com corpos não brancos, não cisgêneros, corpos com deficiência. Mas acho que com a internet e com grupos conservadores no poder , os ‘caretas’ têm encontrado aprovação, permissividade”.

"Não diria que o mundo voltou a encaretar, até porque ele sempre foi opressor, principalmente com corpos não brancos, não cisgêneros, corpos com deficiência" (Reprodução)

“Não diria que o mundo voltou a encaretar, até porque ele sempre foi opressor, principalmente com corpos não brancos, não cisgêneros, corpos com deficiência” (Reprodução)

Como é viver dentro de um ofício, que dependendo do veículo e tipo de trabalho, ainda busca muito nas atrizes um padrão estético? “É uma loucura uma profissão em que é o seu corpo que fica ali disponível. Acabamos arcando em dobro em como o outro vai te olhar. Eu, infelizmente, já perdi o sono muitas vezes querendo reproduzir identidades ao invés de investigar a minha própria. Mas aí eu olho para quem me inspira e me lembro do caminho que eu acredito”.

"Eu, infelizmente, já perdi o sono muitas vezes querendo reproduzir identidades ao invés de investigar a minha própria. Mas aí eu olho para quem me inspira e me lembro do caminho que eu acredito" (Foto: André Nicolau)

“Eu, infelizmente, já perdi o sono muitas vezes querendo reproduzir identidades ao invés de investigar a minha própria. Mas aí eu olho para quem me inspira e me lembro do caminho que eu acredito” (Foto: André Nicolau)

Vinda de uma geração que tirou ‘fantasmas’, abusos e assédios do armário, ela avalia. “Acho que muita coisa ainda precisa ser trazida à luz, e mais do que vir a tona, ser estruturalmente encarada e transformada. O apagamento dos povos originários é uma coisa que devíamos estar lutando urgentemente contra”. E apesar de amar sua profissão, Bella não acredita que ‘vale tudo’ para estar em cena: “Não faria nenhum projeto que exaltasse um discurso que fere minhas ideologias”.

"Não faria nenhum projeto que exaltasse um discurso que fere minhas ideologias" (Foto: André Nicolau)

“Não faria nenhum projeto que exaltasse um discurso que fere minhas ideologias” (Foto: André Nicolau)