* Por Carlos Lima Costa
A orientação sexual de qualquer pessoa só diz respeito a ela e ninguém deveria opinar. Mas, é triste constatar que ainda incomoda e é alvo de críticas na sociedade patriarcal. Para a intérprete de Raquel da novela Poliana Moça, a atriz Bel Moreira, 23 anos, bissexual assumida, isso ainda acontece, porque “crescemos ouvindo que existe o certo e o errado, o que se deve ou não fazer e que o corpo com o qual você nasceu define a maneira que você tem que agir, quem você tem que ser, com quem vai ficar. A vida de muitas pessoas ainda é programada a partir disso, o que pode levar a frustações e preconceitos”, enfatiza Bel, que já sentiu isso na pele.
“Já aconteceu algumas vezes, mas, embora tenha passado por situações de desconforto, geralmente isso é mais direcionado à minha namorada (a produtora de eventos e criadora de conteúdos Halana Lacerda). Talvez por ela ser uma mulher desfem (desfeminilizada), que não performa a feminilidade de acordo com o que a sociedade impõe, e por ser lésbica, sabe, porque existe a ideia de que lésbicas são predadoras de alguma forma. Isso é horrível. Não posso falar por todas as minas, mas, na minha experiência, é o que eu sinto”, relata. Bel acrescenta que, às vezes, em restaurante, por exemplo, percebe olhares “feios”, principalmente para sua namorada. “Tem muita gente que a chama por nome masculino mesmo sabendo que o nome dela é Halana e que ela é uma mulher. Muitas vezes, o errar é intencional. São situações chatas.”
Bel relembra que mulheres são muito pressionadas: “A pressão que homens gays, bissexuais, pansexuais sofrem é diferente da que mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem, mas ainda assim todas são ruins e fazem mal para a vida de quem lida com elas. O que acontece diferente é que, nós, mulheres, sofremos mais com uma sexualização da nossa relação, isso é pesado. Por exemplo, o meu relacionamento é romântico, amoroso, carinhoso e muita gente vê relacionamentos entre mulheres como algo sexualizado”, observa.
PRECONCEITO EXACERBADO
Bel percebe que no Brasil os preconceitos se acentuaram mais no atual governo. “Quando temos um presidente que fala as coisas que o atual fala naturalmente, como se não tivesse nada de errado, as pessoas se sentem confortáveis para fazer o mesmo. Isso realmente dá uma abertura para todo tipo de preconceito realmente inflar. Quer dizer, conquistamos direitos, espaços, respeito no nosso dia a dia e do nada vem alguém que acaba com boa parte do que a gente tinha conquistado, com todo esse esforço de anos e décadas”, avalia.
Diante disso explica com que pensamento vai votar no próximo domingo, dia 2. “Espero que a gente consiga mudar a nossa situação atual. Tantas coisas pioraram nos últimos quatro anos. Tínhamos saído do mapa da fome e voltamos. São notícias tristíssimas todos os dias, teve o descaso com a Covid-19. Então, é fazer o que for necessário para que a gente consiga tirar esse governo do poder. Hoje, o meu voto é no Lula. Precisa mudar, porque dá medo, os últimos quatro anos foram assustadores”, assegura ela, que teve Covid, no início desse ano, quando já estava quase sendo imunizada com a terceira dose da vacina. “Mesmo assim, fiquei meio mal. Nas semanas seguintes tive dificuldade de decorar o meu texto e descobri que isso poderia ter a ver com a Covid, mas já voltou ao normal”, explica.
Desde 2018, Bel interpreta a mesma personagem: Raquel. Primeiro, em As Aventuras de Poliana e, atualmente, em Poliana Moça. Ambas as novelas direcionadas aos públicos infantil e infanto juvenil. Com o suposto temor que sua careira fosse prejudicada, lhe sugeriram que não assumisse publicamente sua bissexualidade. “Como fui orientada a esconder a minha sexualidade, achei que as oportunidades seriam diferentes. Nem esperava ser chamada para a continuação da novela. Quando isso aconteceu, foi uma surpresa positiva, porque obviamente queria interpretar novamente a Raquel, essa personagem que eu amo muito”, ressalta a atriz que também esteve no elenco do filme “É Fada!”, da novela “Chiquititas” e do espetáculo musical “A Noviça Rebelde”, no teatro.
Para Bel, que tem 2,9M de seguidores no Instagram, a relação com os fãs também não foi afetada. “Acho que todo mundo já imaginava. Muitas fãs me perguntavam, principalmente fãs da novela que, provavelmente, sentiam que eram também da comunidade LGBT. Sempre recebi essa pergunta de jovens de 14, 15, 16 anos, justamente a fase que a gente descobre. Então, não foi surpresa. Inclusive, lembro de receber comentários engraçados, como: ‘Todo mundo já sabia disso’”, conta ela.
A atriz diz que se abrir para o mundo foi fundamental. “A partir do momento que senti que não podia ser mais sincera, travei muito, parei de fazer publicações nas redes sociais. Emocionalmente foi complicado, refletiu no meu trabalho como comunicadora de conteúdo. Me questionava como posso ser uma artista se não consigo ser sincera com as pessoas ao meu redor, abrir algo que pra mim é tão importante, faz diferença. A partir disso, decidi jogar a real e nunca mais me escondi de nada. Foi muito positivo. Desde que me assumi, tanto minha vida pessoal quanto profissional melhoraram muito. Eu sinto que tudo flui melhor agora”, recorda ela, que vai concluir em breve as gravações de Poliana Moça.
Quando assumi minha bissexualidade, recebi comentários engraçados, tipo: ‘Todo mundo já sabia” – Bel Moreira
Assim como As Aventuras de Poliana Moça, o atual trabalho vai deixar saudade. Bel reflete sobre as mudanças da personagem entre as duas tramas. “A Raquel era uma menina insegura, introvertida, o que a atrapalhava. Estava com 15 anos. Agora, aos 19, é muito segura, fala o que tem que falar, está sempre querendo se divertir. Está diferente, mas a essência permanece a mesma. A Raquel foi muito importante para que eu desse um passo a mais na minha carreira, ganhei oportunidades por conta dela, pela visibilidade de fazer novela no SBT. Sou muito grata”, explica.
E acrescenta um desejo: “No futuro, desejo interpretar personagens que me tirem um pouco da minha zona de conforto”. Na atual fase da novela, Bel recorda que, aos 19 anos, na vida particular também queria ser independente financeiramente, sair de casa, ir pra festa, dar um rolê. “Gosto muito da personagem, de quem ela é. E, hoje em dia, sigo tendo pé no chão, buscando ser justa comigo e com as pessoas ao meu redor, tenho uma facilidade maior em colocar os meus limites, de dizer o que gosto ou não. Anteriormente, tinha dificuldade de ser quem eu sou, aceitar que talvez as pessoas não gostassem do meu jeito. Hoje, tenho muita certeza em relação a mim mesma, ao que gosto ou não e não tenho medo de expressar”, afirma.
Nisso, ela se refere não somente a questão de ter assumido sua orientação sexual. “A minha família, meus amigos, minha namorada, todo mundo fala que sou autêntica. Acho que sempre me senti um pouco deslocada na escola. Isso era uma insegurança, as pessoas talvez me achassem diferente, não gostassem de mim. Sempre fui amorosa e carinhosa com os amigos, com as pessoas ao meu redor. Lembro de uma história quando eu tinha uns 12 anos, quando abracei uma amiga e falei: ‘Te amo tanto’ e ela estranhou. Quando era mais nova, sempre me vesti de um jeito diferente, tive um estilo próprio. Com 17 anos, comecei a perder um pouco isso, porque comecei a ficar um pouco mais tímida. Acho que isso rolou até os meus 20, 21 anos, desde, então, tenho me reconectado com a criança alegre e expressiva que eu era, que gostava de se divertir com moda”, ressalta ela, acrescentando: “Minha intenção não era causar, mas gostava de me vestir com plumas e cores gritantes”.
SÉRIE E CARREIRA MUSICAL
Além de Poliana Moça, desde segunda-feira, dia 26, Bel pode ser vista na série Dois Tempos, na Star+, que mostra duas mulheres, uma em 1922 e, outra, em 2022, que insatisfeitas com vida, acabam trocando de época. Bel interpreta Gabi, que deseja ser uma grande influenciadora e é fã da Paz (Sol Menezzes), uma das protagonistas da história.
Quando acabar a novela, planeja focar em projetos pessoais, tanto na área da música, quanto na de criação de conteúdo. “Nunca foquei muito e estou disposta a fazer isso agora”, diz ela, empolgada em enveredar pela carreira musical. “Passei os últimos dois anos pensando o que eu quero cantar e para que público eu quero cantar. Sempre gostei de escrever letra, mas toco muito mal piano e violão. Quero começar a trabalhar com uma pessoa que tenha mais experiência. Dia desses, contei para um amigo sobre minhas referências e o que eu queria fazer, e acho que ninguém conseguiu entender tanto quanto ele. Olhou para a minha cara e falou que é tipo um pop, só que o lado B”, explica, rindo.
“Eu sou muito perfeccionista, eu só quero mostrar algo quando sentir que está pronto, então, não devo lançar nada ainda esse ano”, frisa ela, que tem um single nos streamings e um clipe no YouTube, o feat. com o amigo Moozer, na canção Goodbye.
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