BBB23 – Como o destaque para bissexualidade no reality pode contribuir para a visibilidade da orientação aqui fora


Após o desabafo do ator Gabriel Santana sobre a invisibilidade bissexual masculina na última festa, acreditamos na importância de jogar luz no tema, e convidamos os parceiros Valmir Moratelli, pesquisador em teledramaturgia e autor do livro ‘Armários Abertos – depoimentos sobre a diversidade sexual’, e a psicóloga Maria Rafart, para ampliar o assunto, esclarecer e ajudar a naturalizar a liberdade do desejo. “Todas as orientações sexuais merecem a visibilidade de um BBB. Até algumas décadas atrás, quem não fosse heterossexual seria visto com muito preconceito, e isto fazia com que muitos escondessem quem eram e como se sentiam neste sentido. Colocar em rede nacional participantes que se declaram abertamente bissexuais é sempre algo muito positivo. É como se a sociedade deixasse de colocar debaixo do tapete tudo aquilo que saísse de uma suposta ‘normalidade’, pontua Rafart

*Por Brunna Condini

Esta semana, no BBB23, durante a festa do líder Cara de Sapato, o ator Gabriel Santana conversou com Paula sobre a invibilização do B (bissexual) na sigla LGBTQIA+. “Até entrar no programa, eu não era assumido bissexual. Me assumi aqui dentro. E a bissexualidade masculina é muito invisibilizada”, disse Gabriel. “No trato com pessoas que não são da comunidade, eu sinto que, para os homens, eu sou sempre a ‘bichinha’. Os homens héteros vão me tratar como o amigo gay, e as mulheres vão me tratar como a amiga gay. Então, as mulheres sempre vão ter intimidade comigo. E eu não quero ter essa intimidade contigo, porque eu tenho tesão em você”, explicou.

Nesta edição, declarados, são quatro bissexuais: Gabriel, Aline Wirley, Sarah Aline e Bruna Griphao. Falar com liberdade do próprio desejo e orientação na TV pode ajudar a naturalizar e esclarecer o tema. “Trazer a pauta da bissexualidade para um programa de alcance nacional, que tem levantado a pauta da diversidade nas últimas edições, é de se aplaudir. A bissexualidade é um dos temas tabus quando se fala da sexualidade humana, muito se confunde com fetiche. E são coisas diferentes, apesar de dialogarem no âmbito sexual”, sinaliza Valmir Moratelli, pesquisador em teledramaturgia, jornalista e autor do livro ‘Armários Abertos – depoimentos sobre a diversidade sexual’, no qual reúne depoimentos de pessoas que narram suas experiências mais íntimas sobre a descoberta da própria sexualidade e como se definem dentro das amplas camadas da diversidade sexual humana.

Gabriel Santana conversa com Paula sobre a invibilização da bissexualidade no BBB23 (Gshow)

Gabriel Santana conversa com Paula sobre a invibilização da bissexualidade no BBB23 (Gshow)

“É importante destacar que a bissexualidade masculina é vista diferente da feminina do ponto de vista do julgamento social. O homem quando se coloca como bissexual, muitas vezes é tachado como um ‘gay enrustido’, e, no caso da mulher, é muito visto como uma fantasia. Isso tudo por que há um contexto de sociedade patriarcal, totalmente focada no símbolo da masculinidade padrão, que comanda, tem o poder da ação e é unilateral, onde o homem ditaria as regras. E em uma relação que pode ter um outro homem junto, essa ressignificação é colocada à prova”, elucida.

Visibilidade para a liberdade de ser

A nosso convite, a psicóloga Maria Rafart também comenta mais um tema posto na roda no reality. “Todas as orientações sexuais merecem a visibilidade de um BBB. Até algumas décadas atrás, quem não fosse heterossexual seria visto com muito preconceito, e isto fazia com que muitos escondessem quem eram e como se sentiam neste sentido. Colocar em rede nacional participantes que se declaram abertamente bissexuais é sempre algo muito positivo. É como se a sociedade deixasse de colocar debaixo do tapete tudo aquilo que saísse de uma suposta ‘normalidade’.  Quanto mais se fala de um tema em rede nacional, mais ele tem chances de ser debatido, e maior o conhecimento sobre ele – no caso de orientação sexual, o resultado é uma naturalização do processo”, aponta.

Gabriel Santana e Sarah Aline falaram da bissexualidade ao entrar no BBB23 (Divulgação/ Globo)

Gabriel Santana e Sarah Aline falaram da bissexualidade ao entrar no BBB23 (Divulgação/ Globo)

E analisa o fato da bissexualidade ainda sofrer discriminação: “Muitos monossexuais, pessoas que se relacionam com apenas um gênero, não compreendem o alcance de ser bissexual. Os bissexuais são vistos com estereótipos inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIA+. É como se devessem optar por um ‘lado’: ou serem gays ou lésbicas ou heterossexuais. Há, sim, casos em que ser bissexual é uma transição da heterossexualidade para a homossexualidade, mas a bissexualidade também pode ser uma orientação sexual de longo prazo. As maiores demonstrações de preconceito chegam das populações ditas mais conservadoras e tradicionais, que pensam de forma binária: haveria somente homens, mulheres, e relações heterossexuais. Por isso a importância de dar visibilidade a estes temas. Há muita confusão e preconceito sobre a bissexualidade, como se fosse uma espécie de transição entre a homossexualidade e a heterossexualidade. Daí muitas pessoas pensarem que quem se declara bissexual na realidade ‘disfarça’ o fato de ser homossexual. Nada mais falso”.

Fred Nicácio e Gabriel se beijam em festa do Big Brother (Reprodução)

Fred Nicácio e Gabriel se beijam em festa do Big Brother (Reprodução)

A terapeuta também explica algumas combinações da orientação: “Há várias, partindo de dois princípios: atração sexual e atração romântica ou afetiva. De forma diversa do heterossexual ou do homossexual, que tem interesse focado em um só gênero, o bissexual sente-se atraído pelo masculino, pelo feminino e por todos os gêneros que existam entre eles. Indivíduos bissexuais podem se sentir atraídos sexualmente por ambos os gêneros e sentirem-se afetivamente conectados por um só gênero. No BBB, Bruna Griphao afirmou ser bissexual afetiva: consiste em sentir-se atraído sexualmente por ambos os gêneros, mas sentir-se romanticamente conectado por um só gênero. Já Gabriel Santana declarou-se bissexual birromântico: tem interesse romântico por homens e mulheres, mas pode ter atração sexual por um só gênero”, explica.

E complementa, jogando luz no assunto:  “A psicanálise freudiana situa a origem da bissexualidade em uma constituição psíquica, já que ela é mais sobre desejos do que sobre atos. Contudo, há estudos recentes que a colocam no campo da biologia, por uma ação hormonal no cérebro ainda na fase de gestação. De qualquer forma, bissexualidade não é uma escolha – é um sentir, um reagir sexual e romanticamente a estímulos que vêm de fora. O homem é um ser relacional, em todos os sentidos”.