*Por Brunna Condini
O que fazemos com essa tal liberdade? Usufruímos, certo? A liberdade é um dos direitos fundamentais do indivíduo, e para quem ainda respeita a necessidade de isolamento social por conta da pandemia, nunca foi tão valorizada. Hoje, no Brasil, são 236.397 mil vidas perdidas para a Covid-19. Quem tem consciência da situação crítica tem colaborado e continua mais em casa do que na rua. É neste contexto que o BBB21 estreou no final de janeiro e tem se tornado um dos assuntos mais comentados nas redes sociais.
Mas o que o público tem assistido desde o início da atração é um festival de tretas, violência verbal, críticas, ‘cancelamentos’ – e medo dele também aqui fora – intolerância na diversidade de existências, pouca empatia entre os participantes e declarações discriminatórias. Entre os confinados da edição, alguns famosos conhecidos e admirados aqui fora até então, como Karol Conká e Projota, por exemplo, que vêm decepcionando a audiência, implacável quando o discurso não acompanha a ação.
O pesquisador em audiovisual e teledramaturgia Valmir Moratelli tem nos ajudado muito a entender o que esta edição tem de tão diferente: “As pessoas querem ver entretenimento. É show da vida, da realidade, pegando o sentido literal. Esperamos ver a reprodução de uma realidade em um microcosmos, dentro de uma casa vigiada por câmeras em todos os cômodos. O tempo todo os participantes são monitorados e convivem com pessoas estranhas. E o Big Brother tem como fórmula colocar pessoas que não se conhecem juntas. Claro que quando tem participante famoso é outra questão, mas priorizam escolher pessoas com personalidades muito diferentes e isso que dá o ‘tempero’”, analisa, acrescentando que escalar um elenco diversificado promove embates mais rapidamente. E, no caso do BBB21, essa diversificação foi também para o lado das questões raciais, de gênero, da questão de uma maior representação do que é a sociedade brasileira, que até então cobrava muito essa abrangência maior na TV. O BBB21 trouxe isso e esse choque foi explosivo logo de cara. A ‘panela de pressão’ se fez a partir do momento que esses diferentes tiveram que lidar com as diferenças entre eles, mas, principalmente, se olhando nos ‘espelhos’ e não se reconhecendo como tais”.
Quem escolheu estar lá dentro, confinado para participar do BBB21, abriu mão da liberdade por vontade própria. É a primeira coisa ‘vendida’ na corrida por R$ 1,5 milhão. Vale arriscar o que já foi conquistado aqui fora? Os famosos têm mais a perder? E quando seu público perde a admiração e desconhece o ídolo? Para tentar entender o quanto o confinamento pode mexer com a cabeça de alguém, convidamos a psiquiatra Ana Carolina Castro. É possível que a presença em um reality show modifique a personalidade (conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de alguém) de um participante? “O confinamento pode ser um fator de estresse para piorar ou aparecer algum transtorno mental. Mas, transtornos de personalidade são diferentes e têm sua base de formação na infância e adolescência. Então, como no programa só têm pessoas adultas, não causa alteração de personalidade”, esclarece.
“Os riscos do confinamento incluem piora ou desenvolvimento de transtornos psiquiátricos. Vimos muito isso acontecer agora com a situação do Covid-19: pacientes que não tinham quadros psiquiátricos desenvolvendo ansiedade patológica e outros pacientes estáveis tendo que voltar a usar medicação”.
Então é possível que o confinamento modifique formas de agir costumeiras? “Sim, ele pode deixar as pessoas mais estressadas, irritadas, com insônia e isso vai refletir na convivência com outras pessoas e na autoestima e autorregulação da própria pessoa”, afirma a psiquiatra. Mas não pode chegar a alterar a personalidade de um participante. É isso? “Sim. A personalidade é formada na infância e adolescência, como esses reality shows são com adultos não há alteração da personalidade, pois ela já foi moldada. A única forma de alterar a personalidade na fase adulta é com psicoterapia”.
Não se reconhecer dentro do confinamento, não reconhecer seu comportamento, é possível? “Olha, pode ser que a pessoa esteja adoecendo sim, mas como sabemos que o BBB é um jogo e que papéis são interpretados, fica muito limitado dizer”.
Mudança de hábitos ou estratégia?
Muito criticada pelo público nas redes sociais por suas atitudes – a cantora já perdeu meio milhão de seguidores – Karol Conká vem se livrando da berlinda e do julgamento do telespectador nas votações. Depois de escapar do último paredão na prova bate e volta, a rapper ganhou a liderança na prova do líder realizada nesta quinta-feira. É bom que as oportunidades deem gás para que ela estabeleça novas relações ali dentro, enquanto há tempo. Errar é comum e humanos somos todos, mas se arrepender e reconhecer isso, retrata o que foi feito anteriormente? E mais, a participante já vem fazendo alguns movimentos demonstrando algum arrependimento por suas atitudes na casa, atraindo a desconfiança do público. Estará ela sendo sincera? O público está sendo duro?
Para refletir junto, chamamos mais uma vez, Valmir Moratelli para analisar o game. Alguns participantes já estão tentando mudar o rumo de suas relações e atitudes lá dentro, ainda dá para salvar? Faltam dois meses de confinamento…“Eles já estão enxergando o jogo, percebendo a dinâmica da terceira semana, através dos participantes que já saíram da casa, e também pelas mensagens mais do que diretas – talvez as mais diretas de todas as edições – que o Tiago Leifert está dando agora. Essas são interferências, inclusive, que têm chamado atenção do público. Será que é importante essa interferência tão brusca que ele tem feito em seus discursos? Porque isso interfere na interpretação das pessoas ali dentro e já há uma mudança de visão. Agora, acho difícil isso mudar alguma coisa do que foi feito até agora. Esses 100 dias de confinamento passam muito rápido. E você conseguir mudar sua imagem perante a opinião pública a partir do momento em que você cometeu um deslize moral, ético, por palavras muito fortes, ao vivo, na televisão, e conseguir ir para o outro lado, o da adoração do público, é muito brusco. O público já está elegendo quem são as pessoas ‘boas’. Para que esses que são considerados ‘vilões’ revertam, é preciso que os participantes considerados ‘bons’ ou ‘mocinhos’ da história caiam em deslizes”.
O pesquisador destaca ainda: “É preciso ter bons e é preciso ter maus. O Big Brother Brasil tem como característica trazer elementos da teledramaturgia. Há uma história sendo contada o tempo todo, em que personagens são colocados como ‘vilões’ e outros como ‘mocinhos’. É preciso ter casal, beijo, montar histórias em que o público se reconheça e possa torcer por aqueles participantes. Em uma novela que fica nove meses no ar é muito complicado para um autor transformar o vilão em mocinho sem cair na utilização de clichês que o público vai pescar e perceber que aquela história não é mais verossímil. Com o reality é a mesma coisa. O telespectador identifica quem são os participantes que ele vai torcer e odiar, é muito difícil mudar isso, principalmente em um programa com três meses de duração. Acredito muito que as cartas estão mais do que claras. O público já sabe quem ele ama e quem ele vai torcer para que saia”.
E quem ficou com o filme queimado, faz o quê? “Ao meu ver, o que pode ser feito, pensando nos participantes de dentro da casa que já são colocados aqui fora como sendo os grandes vilões – como por exemplo a Karol Conká, que vem tendo shows e campanhas publicitárias cancelados, a Lumena também está tendo muita rejeição aqui fora, o Nego Di, o Projota, esses quatro que se juntaram num grupo e estão sendo chamados de ‘gabinete do ódio do BBB21’ – o que poderiam fazer percebendo que está rolando uma rejeição para atenuar isso, em relação à imagem como pessoas públicas aqui fora, é diminuir o tom do discurso e enxergar as falhas que estão cometendo dentro do programa e a partir daí, tentar reconstruir essa imagem como pessoas que erraram, perceberam seu erro e estão tentando consertar no sentido de aprender, melhorar e adquirir outras formas de aceitação do diferente”, opina o especialista.
“Porque acaba sendo isso. O discurso deles é muito raivoso e se chocou com o discurso do resto da casa. O que percebo neste momento no BBB é uma tentativa, ainda não muito clara, da própria Karol Conká, que neste momento é a grande vilã do programa – mas amanhã tudo pode mudar – de tentar atenuar um pouco. Ela está dando um passo para trás. Se o público vai entender que esse passo é em falso, é outra questão. Ou se o público vai perdoar, entendendo que ela errou, também é. Mas dar o prêmio acho muito difícil. Até porque outros já caíram na graça pela simpatia, espontaneidade, mensagens que estão passando e conquistaram a empatia junto ao telespectador”.
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