BBB21: o público ‘ama odiar’ ou ‘amar’? Até onde se mistura competição em reality show e a vida atrás das telas?


Um dia após a terceira eliminação do Big Brother Brasil, quando Nego Di bateu recorde de rejeição por parte do público, convidamos a psicanalista Stella Maria Nessimiam, a professora de comunicação Ivana Bentes e a roteirista e jornalista Sylvia Palma para entendermos o quanto as atitudes dentro de um reality, principalmente no tenso cenário que vivemos hoje, podem misturar muito o jogo e a realidade e as consequências disso. Vem saber!

*Por Brunna Condini

Após a saída de Nego Di no paredão desta terça-feira (16) no Big Brother Brasil 21, com índice de rejeição recorde de todas as edições do programa até agora, 98,76% dos votos, vimos um festival de comemorações nas redes sociais, entre anônimos e até entre os famosos, como Marília Mendonça, Deborah Secco, Bruno Gagliasso, Cleo, Grazi Massafera, entre muitos outros. Muitos mesmo.

O humorista foi o terceiro eliminado da atração em um paredão com Sarah e Fiuk e sofreu muitas críticas por suas falas no programa, consideradas  preconceituosas: como quando se referiu ao músico e compositor Arlindo Cruz que se recupera de um AVC desde 2017, ou quando disse que Lucas Penteado (participante que pediu para sair), queria fazer revolução “defendendo vagabundos” – Lucas foi um dos líderes do movimento que ocupou escolas secundaristas em todo o Brasil reivindicando que as instituições não fossem fechadas, em 2015 e em 2016 – ou ainda quando quis fazer graça e foi desrespeitoso com religiões de matrizes africanas, na companhia de Karol Conká, Projota e Lumena.

Nego Di, o terceiro eliminado do BBB21, com maior índice de rejeição da história do programa: "Peço desculpas a minha mãe se eu a decepcionei e ao público. Vou ficar bem" (Reprodução)

Nego Di, o terceiro eliminado do BBB21, com maior índice de rejeição da história do programa: “Peço desculpas a minha mãe se eu a decepcionei e ao público. Vou ficar bem” (Reprodução)

Nego Di saiu assustado. Primeiro, porque não esperava e, depois, porque não imaginava tamanha rejeição. O ex-participante contou em entrevista “que ele e seu filho estão sofrendo ameaças e que sua mãe segue preocupada”. Admitiu erros e estar “devastado” com a sua repercussão negativa no jogo. Ele chegou a declarar ainda que se pudesse voltar atrás agiria de outra forma: “Não tem como não querer fazer diferente. Confiei em pessoas que agiram de má fé, me senti usado. Chegamos ao programa já abalados pelo confinamento de 10 dias no hotel, e o meu ainda foi maior, porque testei positivo para Covid-19 antes de entrar no programa e passei por outro confinamento. Muitas vezes não sabemos quem são as pessoas que convivem conosco por 20 anos, imagine por 20 dias!? Peço desculpas a minha mãe se eu a decepcionei e ao público. Vou ficar bem”.

Esperamos que fique mesmo. Sua participação não teve a menor graça, é bem verdade, e a votação foi para sua saída do jogo. Mas é assim que acontece? Será que somos um povo que ‘ama odiar’ ou ‘ama amar’? “O público ama e odeia. É mais fácil demonstrar o ódio aos integrantes do BBB, por exemplo, do que nas relações pessoais onde existe uma proximidade. O distanciamento facilita as expressões de raiva e ódio pelo comportamento dos participantes”, explica a psicanalista Stella Maria Nessimian. “Não é fácil sentir-se rejeitado. Por outro lado, a rejeição sofrida não deve ter sido por acaso. Pode ser uma oportunidade para refletir sobre o motivo dela, e quem sabe, promover mudanças no comportamento com os outros”.

“Não é fácil sentir-se rejeitado. Por outro lado, a rejeição sofrida não deve ter sido por acaso. Pode ser uma oportunidade para refletir sobre o motivo dela, e quem sabe, promover mudanças no comportamento com os outros” (Reprodução)

“Não é fácil sentir-se rejeitado. Por outro lado, a rejeição sofrida não deve ter sido por acaso. Pode ser uma oportunidade para refletir sobre o motivo dela, e quem sabe, promover mudanças no comportamento com os outros” (Reprodução)

É tudo jogo e verdade

Conversamos também com Ivana Bentes, professora de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que afirma que o público ‘ama’ julgar’ e que o Big Brother veio atualizar a paixão brasileira por ‘sentenciar’ a vida alheia. “Sempre me impressionou como os espectadores das novelas tratavam os personagens como se fossem uma vizinha, um conhecido, discutindo em detalhes sua moral, seus erros e acertos. Mas de uma forma muito caricatural, pela lógica dos mocinhos e vilões. O BBB veio atualizar as novelas com a vantagem de ser uma telenovela da vida real, com pessoas performando seu próprio papel e também embaralhando tudo, porque não são totalmente boas ou más como vilões e mocinhos de novelas. Os participantes do BBB 21, como na vida, são atores sociais, estão performando, medindo o que dizer, como ficar bem no ‘jogo’, como ‘ganhar’ o público e serem mais amados que odiados. Não significa falsidade, mas negociar com a realidade e mudar”, analisa.

"É muito difícil para qualquer pessoa sustentar em uma casa vigiada por câmeras 24h, uma personalidade que não é sua ou valores apenas positivos" (Reprodução)

“É muito difícil para qualquer pessoa sustentar em uma casa vigiada por câmeras 24h, uma personalidade que não é sua ou valores apenas positivos” (Reprodução)

“Entrar na atração pode ser um atalho para a fama, mas também coloca em risco sua carreira e reputação. Tem que ser muito autoconsciente, ter visão do todo e não dá para achar que vai ‘enganar’ o público e construir uma imagem só para o Big Brother. É muito difícil para qualquer pessoa sustentar em uma casa vigiada por câmeras 24h, uma personalidade que não é sua ou valores apenas positivos. Então, as pessoas perdem o controle, cometem erros, são injustos, opressivos e acabam sendo julgadas pelo que têm de pior. O Lucas (Penteado), esse garoto incrível, não suportou a pressão e saiu. O Nego Di que achava que estava agradando saiu com rejeição recorde, ou seja, não tinha a menor ideia que seu comportamento é considerado hoje por parte da sociedade machista, homofóbico, preconceituoso, etc. A questão é: o BBB foi pensado para destruir reputações (paredão, eliminação, só sobra um vencedor) e torna caricatural muitos debates importantes sobre militância, lacração, racismo. Mas é uma confusão que existe na sociedade”.

Ivana nos guia ainda na seguinte reflexão: como transformar essa máquina de ‘queimação’ em algo pedagógico? “O público tem que entender que não pode cancelar, destruir, eliminar os participantes do BBB na vida real por erros cometidos dentro de uma ‘panela de pressão’. Ou seja, se as pessoas ali têm comportamentos equivocados, erram, são injustas, vão sair do programa. Eis o castigo. E vão sair do programa com todas essas críticas nas redes, centenas de memes de zoação, com sua vida exposta e tudo o mais. Já é castigo suficiente. Em síntese, o que acontece no BBB é tudo jogo e verdade, pois afeta a vida dos jogadores e do público, é ficção e vida real”.

“O público tem que entender que não pode cancelar, destruir, eliminar os participantes do BBB na vida real por erros cometidos dentro de uma ‘panela de pressão’. Ou seja, se as pessoas ali têm comportamentos equivocados, erram, são injustas, vão sair do programa. Eis o castigo" (Divulgação/ Globo)

“O público tem que entender que não pode cancelar, destruir, eliminar os participantes do BBB na vida real por erros cometidos dentro de uma ‘panela de pressão’” (Divulgação/ Globo)

Somos todos BBB

Convidamos também a autora roteirista, documentarista e jornalista Sylvia Palma para comentar essa ‘imersão’ que a população tem feito em realities de grande alcance, como o Big Brother Brasil, desde o início da pandemia. Ao que parece, nos permitimos consumir mais esse tipo de formato e nos envolver com os debates que orbitam ao seu redor. Estamos ainda em plena pandemia, confinados em casa – assim se espera que boa parte da população – assistindo como diversão a outros confinados por escolha, ora os odiando, ora os amando, mas nos entretendo com seus prazeres e angústias. E claro, ‘cancelando’ quem não corresponde às expectativas. “Não precisamos assistir diariamente ao programa nesta temporada para saber o que está ocorrendo dentro da casa: uma sistematização dos cancelamentos sociais e até do cancelamento do cancelamento. Um acirramento da falta de diálogo, empatia e unidade. Fomentado sistematicamente pela gestão do programa”, observa.

O ‘cancelado’ lá dentro também continua sofrendo as represálias aqui fora…o que é real e o que é ficção tem se misturado muito? “Hoje, isto vai muito além das telas. Está intrinsecamente ligado ao capital e ao seu controle. Ao sistema de produção e seus modos de ser e de estar no mundo. Narrativas são ressignificadas para extrair o máximo de lucro e concentração de riquezas. Quanto mais divididos todos estiverem, melhor para o sistema controlar. O que deveria estar em pauta é o programa em si. Por que se produz isso com tanto êxito? Há uma cena no filme ‘Jango Livre’, de Quentin Tarantino, em que dois negros lutam entre si até a morte, para o deleite e o lucro dos brancos. Na Roma antiga eram os gladiadores. Hoje, a cena dos negros do filme do Tarantino é vista como moralmente indecente. Mas, já foi realidade um dia, na vida real. Haverá um dia em que veremos o BBB como moralmente indecente também. Porque é. Principalmente, no momento planetário em que vivemos uma pandemia. As pessoas deviam se questionar mais sobre o seu próprio deleite em assistir ao BBB, enquanto aqui, no Brasil, há mais de 240 mil óbitos por Covid-19. Somos todos BBB do lado de fora também”.

"Deviam se questionar mais sobre o seu próprio deleite em assistir ao BBB, enquanto atingimos aqui no Brasil o patamar de 1.090 novas mortes em 24 h, superando 240 mil óbitos por covid-19. Somos todos BBB do lado de fora também” (Reprodução)

“As pessoas deviam se questionar mais sobre o seu próprio deleite em assistir ao BBB, enquanto no Brasil há mais de 240 mil óbitos por Covid-19. Somos todos BBB do lado de fora também” (Reprodução)