*Por Brunna Condini
Para o público, Karol Conká que fora do BBB construiu sua carreira no discurso potente, pela diversidade e inclusão, derrapou na violência verbal, intolerância com que tratou Lucas e promoveu um verdadeiro Tribunal da Inquisição. E, além dele, também passou do ponto com Juliette. Os telespectadores e internautas afirmam que a representante de Campina Grande, na Paraíba, tem sido vítima constante de xenofobia e piadas sem fim por parte da cantora e de outros participantes. Conká chegou a falar em uma ocasião: “Eu sou de Curitiba, é uma cidade muito reservadinha… tenho muita educação para falar com as pessoas”.
E quando o entretenimento vira palanque para julgamentos? Dá para se divertir assistindo isso? E mais: quem erra vai estar errado sempre neste ‘tribunal’ movido da internet para a TV? E o silêncio dos ‘bons’? Valmir Moratelli, pesquisador e especialista em teledramaturgia, nos auxilia novamente a desenrolar esse ‘novelo’ reflexivo. E necessário.
“Temos nos perguntado até que ponto esta edição do Big Brother se mantém como um programa da linha de entretenimento sadio ao reproduzir à exaustão imagens deploráveis da humilhação pública do participante Lucas, diante de todos os demais integrantes do confinamento. Lucas tem sido alvo de ataques diários, liderados em grande parte por Karol Conká e Lumena. A maioria das cenas constrangedoras dessa edição, nestes 10 primeiros dias, foi protagonizada por gritos, brigas e dedos na cara tendo Lucas como alvo. Artistas como Lázaro Ramos, Ludmila, Jojo Todynho, Fabiana Karla, o jogador Neymar, entre vários outros nomes famosos e anônimos, vieram a público se manifesta. Lucas não faz ideia de que angariou um mar de apoiadores da noite para o dia. Pede desculpas mil vezes e mantém a cabeça baixa para as palavras de ordem dos ‘juízes de tribunal’ do confinamento, que pregam as leis do ‘cancelamento’ sem nem entenderem que, eles próprios, estão se ‘cancelando’ aqui fora. Conká, por exemplo, tem perdido seguidores, patrocinadores, programa na internet, shows previamente agendados e está na mira de sua gravadora”.
Moratelli segue listando ‘perdas e danos’ do comportamento tóxico entre os participantes: “Ao sair da casa, Conká terá que refazer sua agenda de shows. Lucas terá que procurar um terapeuta para se curar desse trauma. O programa erra ao expor e dar muito peso a este tipo de atitude que acende um gatilho depressivo no público, já tão calejado de notícias pesadas”.
Brigas movimentam e fazem parte da dinâmica do confinamento do reality. Eles são incentivados a isso – divididos em grupos opostos, provas de comida, anjo, liderança etc. “Entretanto, nem Lucas e nem ninguém merece sofrer a humilhação pública exibida nos cômodos vigiados. Certas atitudes são tão graves quanto uma agressão física. Na tentativa de controlar o ‘cancelamento’ e serem mandantes das punições morais do BBB, os demais integrantes prestam um desserviço à Globo, justamente na edição que deveria ser um marco de harmonia em meio à diversidade. Estão tacando ‘pedra na Geni’ ao vivo. E ninguém pede para parar”, frisa Moratelli.
Faces do confinamento
Conforme milhares de espectadores têm comentado são muitos os gatilhos de bullying, abuso psicológico, assédio moral, xenofobia, narcisismo perverso, intimidação, discriminação e o tal ‘cancelamento’. Para a psicanalista Stella Maria Nessimian, as circunstâncias de um reality podem ‘ampliar’ significantemente emoções e posturas.
“O confinamento acaba exacerbando determinados comportamentos que,, em outros contextos as pessoas tendem a reprimir. Mas os integrantes do BBB sabem que estão sendo expostos para um grande público que está o tempo todo avaliando seus comportamentos. Esses dois fatores favorecem situações em que os participantes sentem necessidade de mostrar seu poder ou de causar uma boa impressão”, pontua, acrescentando: “A convivência no confinamento acaba muitas vezes expondo comportamentos agressivos e preconceitos”.
Crime e castigo
O advogado e presidente da Comissão de Liberdade de Expressão (ANACRIM-RJ), José Estevam Macedo Lima esclarece se os episódios e polêmicas assistidos até agora no BBB21 podem ir parar na Justiça. “Participantes de realities shows estão sujeitos a sofrer ataques nas redes sociais e possíveis ‘cancelamentos’, mas independentemente de sua conduta no programa, atos que violam a imagem, a vida privada, honra ou dignidade são passíveis de responsabilidade cível e criminal. O ofensor, se condenado, indenizará a vítima a título de dano moral, dano material ou lucros cessantes e poderá responder criminalmente”.
E detalha ainda: “O crime de tortura não é caracterizado somente por violência física. Ele também prevê hipóteses de situações, nas quais o emprego de ameaça ou violência resulte em sofrimento mental ou psicológico com a finalidade de obtenção de informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, ou ainda, em razão de discriminação racial ou religiosa. Dessa forma, para que haja a configuração do referido crime, se faz necessário o preenchimento de forma adequada de todos os elementos do tipo penal”.
De acordo com o advogado e presidente da Comissão de Liberdade de Expressão, “ocorre, em tese, a tipificação do crime de injúria quando uma pessoa profere, em face de outra, insultos e xingamentos que atinjam a honra subjetiva da vítima, ou seja, o que se visa proteger neste crime é a dignidade e o decoro, sendo a dignidade consistente em um sentimento que o próprio indivíduo tem sobre seu valor social e moral e o decoro consistente na sua própria autoestima e respeito. Em tese, todos aqueles que estão em um reality aceitam as suas regras, o que não significa que tais regras permitam ações que tipifiquem crimes ou causem danos diretos aos participantes. Entretanto, esse tema, além de ser sensível, deve ser estudado no caso concreto, para se atribuir a responsabilidade do gestor do reality”.
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