*Por Brunna Condini
A discussão saúde mental e realities shows é recorrente, já que é sabido que toda pressão deste tipo de confinamento pode ser extremamente nocivo para quem participa. Não é por acaso, por exemplo, que nas duas últimas edições do Big Brother Brasil, tenham tido desistências – Lucas Penteado em 2021, e Tiago Abravanel no ano passado – na atual edição, toda essa ‘pilha’ da competição, com direito à exposição, críticas e conflitos, também tiraram Bruno (Gaga) do reality, depois de algumas crises de ansiedade. Mas a pergunta que não quer calar é: o quanto vale se colocar em uma proposta dessas? No fim das contas, a atração traz mais danos ou ganhos para quem se aventura? “As alterações emocionais vividas pelos participantes de um reality – comuns a todos os humanos – são viralizadas, julgadas e na maior parte das vezes diagnosticadas pelo espectador ou pelo companheiro de jogo de forma leviana, como ocorreu com Cezar Black, no Jogo da Discórdia quando falou em em tom pejorativo, que Ricardo (Alface) era ‘desequilibrado’ e precisava de ‘tratamento médico’. “A postura de Cezar, que é um trabalhador da saúde, nos leva a constatar que infelizmente nossa sociedade diante de tantos avanços tecnológicos e informativos, ainda estigmatiza os cuidados com a saúde mental. Porém, não podemos esquecer que depois de um longo tempo sendo vigiado, as censuras psíquicas são ignoradas e a verdade horrorosa de cada um eclode sem freio. Ao sair do panóptico BBB, o sujeito recebe uma enxurrada de informações, xingamentos e memes, que com toda certeza despertam uma série de alterações afetivas e psíquicas. É nesse ponto que o jogo pode se tornar um transtorno”, analisa a terapeuta Luiza Scarpa, a convite do site.
Mesmo tendo a consciência que um ambiente de confinamento pode ser psicologicamente agressivo, é um desserviço – com abrangência nacional – que participantes falem do tema de forma depreciativa, já que os estigmas relacionados à saúde mental precisam ser derrubados. O próprio Cezar parece ter tido essa consciência, já que chorou após refletir sobre uma fala de Amanda Meirelles, referindo-se aos comentários que ele fez sobre Ricardo. “Falar de saúde mental de forma pejorativa não é justificável para nenhuma pessoa”, disse a médica.
Por aqui, a psicóloga destaca os perigos dos realities shows em relação à saúde mental. “Para costurar isso, se faz necessário em um primeiro momento pensarmos na etimologia da palavra patologia, que popularmente é a antítese do que entendemos ser a ‘saúde mental’. Patologia é a junção de pathos(sofrimento) e logos(estudo). Ambas de origem grega. A palavra ‘pathos’ é um vocábulo que na Antiguidade representava uma ideia de sensação e de sofrimento. É daí que surge a expressão ‘patético’. O patético é aquele que sofre excessivamente e que evidencia essa afetação exacerbada. Aristóteles nos mostra que pathos se relaciona com a ideia de paixão e de algo que acomete o sujeito de tal forma que ocasiona a alteração do seu próprio juízo. Para que essa expressão psíquica, esse excesso característico do pathos pudesse ser externalizado, surge o palco ou melhor dizendo, o teatro trágico. Foi apenas nesse espaço que abriu-se a possibilidade de que os excessos das emoções desse pathos, pudessem ser encenados. Desse modo, o ser humano sempre teve a necessidade de representar e expor seus dramas pessoais e as questões comuns do cotidiano desde esses tempos. Com o desenvolvimento tecnológico ocorrido a partir do século XX, as encenações, bem como a estética e os enredos, são ressignificados através do cinema, da televisão, e por fim, pelo computador. Os reality shows são então a versão pós-moderna do teatro trágico, porém sem a profundidade e o impacto da tragédia”, contextualiza.
“O que testemunhamos nessas programações é o reflexo do contexto em que estamos inseridos mundialmente, onde as relações são ‘fast-food’, a intolerância com a diferença de cada um é repelida, cancelada ou justificada por um diagnóstico embasado pelos buscadores online. A partir da revolução tecnológica as relações humanas se alteram sensivelmente, pois a velocidade se torna a via principal para a otimização das performances relacionadas à produtividade, ao consumo e ao ganho de capital. Por meio da velocidade, a informação circula sem controle e os conteúdos fúteis são gerados indiscriminadamente. ‘Big Brother’ é um termo que foi usado por George Orwell em seu livro ‘1984’ para nomear um olho eletrônico que tinha como função espionar as pessoas, com a finalidade de manter o domínio de um Estado totalitário sobre tudo e todos. Ao trazer o reality show, que curiosamente recebe o nome de Big Brother Brasil, como a obra de Orwell para o centro do palco, temos um grupo de pessoas que voluntariamente se confinam em uma casa que oferece conforto material, a promessa de fama e dinheiro, e muito desconforto emocional. Naturalmente, o entusiasmo vem a galope no primeiro momento, pois uma série de adversidades emocionais que o sujeito terá de encarar são solenemente ignoradas”, completa Luiza Scarpa.
Solidão em grupo
Viver de dia e de noite com confrontos, sem ter um espaço físico individual, pode causar estresse em um grau perto do insuportável. Na vida privada, você lida com isso com liberdade, pode se afastar ou enfrentar. Já em um reality, a coletividade é uma condição, com o convívio excessivo e forçado. Sem escolha. “A solidão em decorrência do isolamento somado ao fato de compartilhar o cotidiano com outras tantas pessoas que são completos desconhecidos, é um dos fatores mais significativos para as alterações emocionais relacionadas à depressão e a crise de angústia, como ocorreu algumas vezes com o participante Antônio Cara de Sapato que teve a sorte de ser amparado pela médica Amanda, que tornou-se sua parceira dentro do jogo. Outro fator importante que pode levar o sujeito a se inclinar para o terreno pantanoso de uma ‘patologia’, se dá pelo fato de que os aspectos menos nobres presentes na personalidade, eventualmente se tornarão públicos. Dessa forma dentre outros aspectos de cada um dos jogadores. Nesse sentido, pode ser até interessante para o espectador observar e se reconhecer na dor do participante”, conclui a especialista.
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