Bárbara Paz na reta final da campanha para o Oscar: “Não peço ajuda para o filme e sim para o cinema brasileiro”


Faltando menos de 24 horas para o término da campanha do crowdfunding de “Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou” , a atriz e cineasta fala ao site HT sobre a campanha para levar o filme a Hollywood e lamenta a falta de apoio público: “Procurei a Ancine, o Itamaraty, a Secretaria do Audiovisual e o Ministério do Turismo (aonde fica a Secretaria Especial de Cultura, já que o Ministério da Cultura foi extinto). Não tive resposta ou alegam não ter recursos. O grande ponto é que não estou pedindo ajuda para o filme e sim para o cinema brasileiro. É a divulgação do nosso país que está em questão. Essa visibilidade é excelente para o Brasil”

*Por Brunna Condini

Foi em novembro de 2020 que falamos pela última vez com Bárbara Paz, quando o seu documentário ‘Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou’ foi escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional. Na ocasião, a atriz e cineasta estava surpresa e muito empolgada. Afinal, é a primeira vez que um documentário é escolhido para representar o Brasil na premiação, e também é a chance de levar o nome de Hector Babenco (1946 – 2016) de volta à Academia, já que em 1986 ele chegou até lá, com quatro indicações, por ‘O Beijo da Mulher Aranha’.

Da indicação para cá, Bárbara entrou em um turbilhão de compromissos que envolvem a campanha de divulgação do filme entre os votantes da Academia de Hollywood. Além de um crowdfunding para a campanha, que já tem 66% de arrecadação e vai até dia 31 de janeiro. “Estamos super focados na campanha. A partir do dia 1º de fevereiro, a votação tanto para filme internacional quanto para documentário começa. Então, esta semana agora é a última para a campanha e estamos fortes”, diz a cineasta.

"Minha rotina está totalmente dedicada as entrevistas internacionais e de fora, contatos, reuniões de equipe e estratégia. Estamos fazendo o máximo para que dê certo” (Divulgação)

“Minha rotina está totalmente dedicada às entrevistas internacionais, contatos, reuniões de equipe e estratégia. Estamos fazendo o máximo para que dê certo” (Divulgação)

“Estamos fazendo anúncios nos principais veículos internacionais, enviando DVDs e estão acontecendo sessões seguidas de Q&A’s (perguntas e respostas) com personalidades, como o cineasta Walter Salles e o nosso produtor associado Willem Dafoe (o ator viveu o alter ego de Hector em seu último filme, ‘Meu amigo hindu ‘, de 2015). Nesta quarta-feira foram publicadas duas entrevistas na revista ‘Variety’: uma sobre a trajetória do Hector e outra exclusiva com Dafoe. Minha rotina está totalmente dedicada às entrevistas, contatos, reuniões de equipe e estratégia. Estamos fazendo o máximo para que dê certo”. E nós, torcendo, claro.

Babenco, um dos maiores cineastas nacionais, com mais de 11 longas na estrada e autor de obras como “Pixote” e “Lúcio Flávio“, morreu em 2016. De lá para cá Bárbara investiu muito do seu tempo na construção do filme que, na verdade, começou a ser feito bem antes: ela captou imagens do cineasta de 2010 a 2016 e os dois trabalharam no longa nos anos anteriores à partida dele. “Eu sempre tive vontade de dirigir um filme. E ele sempre dizia: ‘Vamos  começar’. Babenco me incentivava e gostava do meu olhar fotográfico. Eu tinha muitas imagens caseiras guardadas. Eu achava que era um filme apenas sobre o Hector, e que eu não devia aparecer nunca. A Maria Camargo [roteirista] viu o material bruto e disse: “Não! Isso sim é o filme! É o conjunto de vocês dois que faz a história. Ele está te ensinando a fazer um filme”, recorda.

Tenho certeza que o Hector está muito feliz aonde está e sabe que estou fazendo o meu melhor para que cheguemos à reta final. Ele levou o cinema brasileiro para o mundo” (AgNews)

Bárbara também escreveu um livro ‘Mr. Babenco: Solilóquio a Dois Sem Um’. Os dois projetos foram gestados traçando um paralelo entre a arte e a doença do diretor, compartilhando com o público medos e ansiedades, memórias, reflexões: um filme sobre a morte que celebra a vida. O que significa levar Babenco de volta à Academia? “A gente não esperava a indicação pelo Brasil. Quando saiu, fiquei muito emocionada e muito surpresa. Tenho certeza que o Hector está muito feliz aonde está e sabe que estou fazendo o meu melhor para que cheguemos à reta final. De qualquer forma, o marco já foi histórico. Ele levou o cinema brasileiro para o mundo”, diz.

O cinema nacional resiste

Uma campanha deste tipo geralmente conta com muito dinheiro. Bárbara não se abateu. Está acostumada a buscar parceiros e colaboradores que acreditam no projeto desde o início. Coragem e energia não lhe faltam. É verdade que você procurou a Ancine e não teve apoio? “Sim. Não só a Ancine. Procurei o Itamaraty, a Secretaria do Audiovisual e o Ministério do Turismo (aonde fica a Secretaria Especial de Cultura, já que o Ministério da Cultura foi extinto). Não tive resposta ou alegam não ter recursos. O grande ponto é que não estou pedindo ajuda para o filme e sim para o cinema brasileiro. É a divulgação do nosso país que está em questão. Essa visibilidade é excelente para o Brasil”, diz sobre o longa que saiu premiado do Festival de Veneza em 2019.

Bárbara Paz dirige Babenco: As pessoas amam o cinema brasileiro, querem se alimentar de cinema brasileiro, gostam de cinema brasileiro. Não é a política que vai parar a gente agora. Seguimos na luta, fortes e resistentes” (Divulgação)

“As pessoas amam, querem e gostam de se alimentar de cinema brasileiro. Não é a política que vai parar a gente agora. Seguimos na luta, fortes e resistentes” (Divulgação)

O que sente ao ver o cinema nacional tão aplaudido internacionalmente e desvalorizado aqui? “Realmente estamos vivendo um momento lindo na história do cinema nacional. Os filmes brasileiros têm cada vez mais sido aplaudidos e premiados em diversos festivais pelo mundo. As pessoas amam, querem e gostam de se alimentar do cinema brasileiro. Não é a política que vai parar a gente agora. Seguimos na luta, fortes e resistentes”.

O filme está concorrendo de forma independente e a cineasta reforça a importância das parcerias para dar gás nesta reta final: “Estamos com um pouco mais de R$ 150 mil  acumulados até agora (dos R$ 200 mil pretendidos). Faltam ainda quatro dias de crowdfunding. Como é praticamente uma campanha política, ou seja, o filme precisa ser visto, falado para ter chances, é preciso muito investimento financeiro. Ainda não temos um distribuidor nos Estados Unidos, mas os nossos coprodutores Globo Filmes, Canal Brasil e apoiadores Globo, Itaú e SPCine estão nos ajudando da forma que é possível”.

"Acho que é um filme de cinema. Sobre como o amor pode manter a gente vivo por mais tempo... sem enquadramentos nem janelas” (Divulgação)

“Acho que é um filme de cinema. Sobre como o amor pode manter a gente vivo por mais tempo… sem enquadramentos nem janelas” (Divulgação)

O que diria para quem está pensando em apoiar? “Se o filme passar para os 15, vamos criar um segundo projeto de crowdfunding. Temos muitas recompensas incríveis como artes doadas da Verena Smith, obras do Nino Cais e um tanto de gente maravilhosa! Além disso, temos obras raras como pôsteres dos filmes do Hector, o meu livro que é uma extensão do filme e o DVD. Como disse anteriormente, o que o povo brasileiro precisa entender é que não estou pedindo ajuda para o filme e sim para divulgar o cinema brasileiro no mundo. Trazer esse prêmio para o Brasil seria maravilhoso”, reforça.

“Este foi o primeiro documentário a ser escolhido pelo Brasil a competir na categoria Melhor Filme Internacional. Além disso, foi o primeiro filme brasileiro a conquistar um prêmio no Festival de Veneza. Tenho muito a agradecer à Academia Brasileira de Cinema por essa escolha. É uma vitória. O filme é uma carta de amor ao cinema. Sobre como o amor pode manter a gente vivo por mais tempo… sem enquadramentos nem janelas”

Inspiração e saudade

Bárbara e Hector respiraram amor e arte durante os mais de seis anos em que viveram juntos. Até a morte do cineasta em 13 de julho de 2016, aos 70 anos. Eles trabalhavam no filme quando ele morreu. Babenco lidava com problemas de saúde há muitos anos, que começaram cedo, aos 38 anos, quando ele descobriu um câncer linfático. O que aprendeu de mais precioso com ele? “Hector tinha uma força incrível. Ele era um leão. Aprendi com ele a amar muito a vida. Ele viveu até seu último segundo. Lutou contra o câncer e todos os desafios que iam surgindo”. E completa: “A saudade que sinto dele nunca irá embora. Ela já mora em mim”.

“A saudade que sinto dele nunca irá embora. Ela já mora em mim” (Reprodução)

“A saudade que sinto dele nunca irá embora. Ela já mora em mim” (Reprodução)

Em que momento veio essa vontade de documentar a vida do Babenco? “Em 2010, quando o Hector foi apresentar uma cópia restaurada de ‘O Beijo da Mulher Aranha’, no Festival de Cannes. Ele já estava doente, acabou tomando uma chuva lá, seu imunológico baixou e ele foi parar num hospital em Paris. Quase morreu lá. Eu estava fazendo novela, fui correndo do Brasil para ficar com ele. Foi nesse hospital que comecei a fazer registros”, recorda.

“Sempre tive admiração pelo Hector, um homem grandioso com uma história de vida tão forte. Fiquei perplexa ao descobrir que ele nunca tinha sido retratado em filme ou livro. Entendi que ele mesmo queria fazer seus filmes sobre si. Transformava a vida dele em filmes, se salvou por causa do cinema.  Foi o que o manteve vivo. Como também sou uma pessoa apaixonada por histórias e pelo ser humano, me encantei e me apaixonei por esse homem. O amor por mim fez com que ele respirasse mais tranquilo, com menos desconfiança da vida. Nunca vi alguém lutar tanto para viver. Foram apenas três anos entre a volta do câncer e a morte dele, em 2016. Hector tentou driblar a morte até o fim”.

Corajosa, mas com os pés no chão, Bárbara prefere agora focar no percurso, sem grandes expectativas. Já preparou o discurso se ganhar? “Ainda temos muitos passos até estar entre os cinco para preparar o discurso. Dia 9 de fevereiro sai a lista dos 15 selecionados e no dia 15 de março a lista dos cinco indicados. Aí sim posso começar a pensar no discurso se o tempo da campanha deixar. Em Veneza foi bem de última hora, meio improvisado (risos). Por enquanto estou focada na campanha e de dar meu melhor”.

A Bárbara cineasta é um caminho sem volta? “Gostei bastante de dirigir. Eu tenho vontade de fazer um filme sobre a minha vida. E além disso, a Antonia Pellegrino me convidou para dirigir um filme com roteiro dela”.

Bárbara sendo premiada no Festival de Veneza: “Gostei bastante de dirigir. Eu tenho vontade de fazer um filme sobre a minha vida, a minha história” (Reprodução)