Barbara França lança série em Portugal e faz coro sobre direitos conexos por novelas brasileiras: “Não ganhei um centavo”


A atriz aborda sem pudores a desigualdade de gênero em sua profissão, destacando as cobranças exacerbadas sobre a estética feminina. Atualmente, ela grava a série “Vizinhos” em Portugal, e será protagonista de um filme na Bahia. Bárbara critica a falta de remuneração justa para atores pelas vendas internacionais de suas obras, mencionando sua experiência com uma novela que é uma das mais vendidas do país, da qual ela não revela o nome. “Acho muito errado, muito injusto e o caminho é esse, de nos unirmos e fazermos valer a nossa voz para nos fortalecer”. Ela relata não ter enfrentado xenofobia em Portugal, apesar das diferenças culturais. Além disso, Bárbara enfatiza o papel das redes sociais na quebra de padrões estéticos e incentiva a leitura, recomendando o livro “Tudo é Rio”, de Carla Madeira

*por Vítor Antunes

Um ano movimentado. Bárbara França está de volta a Portugal, gravando a série Vizinhos, da TVI, que vai estar no catálogo da Amazon ainda neste ano. Também fará um longa-metragem no Brasil, na Bahia, como protagonista, filme no qual vai dar vida a uma surfista. O filme, que vai para o streaming, ainda não pode ter a plataforma e o nome revelados. Falando da questão da internacionalização, Bárbara faz coro aos seus colegas de profissão que requerem um pagamento mais justo no que diz respeito direitos conexos e de imagem. “Acho de suma importância os colegas de profissão da classe artística se unirem, se fortalecerem e fazermos uso da nossa voz, porque esse é um assunto muito sério. Trata-se de uma falta de respeito com o nosso trabalho. Eu já cheguei a fazer uma das novelas mais vendidas do mundo, da qual ela não revela o nome. “Não ganhei um centavo por isso. Fiz esta e outras que foram inúmeras vezes vendidas no mundo inteiro e pelas quais não fui remunerada. Esse é um direito que é intransferível. Acho muito errado, muito injusto e o caminho é esse, de nos unirmos e fazermos valer a nossa voz para nos fortalecer”.

Bárbara conversa sem pudores, especialmente no que diz respeito à questão da mulher em seu ofício – e para isso, relembra inclusive a sua passagem pela profissão que a levou à arte dramática. “Ainda é muito, muito desigual essa conversa sobre as cobranças em relação às mulheres e aos homens. Eu, como mulher, como atriz, cresci nesse meio. Fui modelo também e sempre senti uma cobrança muito grande em relação ao meu corpo, à minha estética. E sempre me colocaram padrões. De uma maneira geral, o que a gente vê, o que passa na TV, o que sai nas revistas, nos ensaios fotográficos, nas publicidades, é um padrão de perfeição inatingível”.

Esse padrão fomenta a indústria machista, com cobranças exorbitantes às mulheres, ante a padrões que não existem. E isso não acontece com os homens, caso aconteça é de uma forma irrisória. Para as mulheres sempre foi muito pior – Bárbara França

 

Bárbara França reivindica maior reconhecimento e pagamento para os atores diante das vendas para o estrangeiro (Foto: Priscila Nicheli)

ZUCA

Historicamente, os brasileiros eram chamados de zucas, corruptela de ‘brazucas’, pelos portugueses. Não à toa foi o nome que Ribeiro Couto (1898-1963) escolheu para batizar a protagonista do romance Cabocla, que mais tarde batizaria duas novelas de Benedito Ruy Barbosa. De alguns anos para cá, em especial diante da imigração de brasileiros para o país europeu, tem sido recorrente o movimento “fora zucas”, que pede a saída de brasileiros da terra lusa. Bárbara diz que diante das suas experiências pessoais, não percebeu nenhuma diferença no trato com ela por parte dos portugueses. “É a minha segunda vez que eu venho para Portugal para trabalhar. Meu primeiro trabalho aqui foi há dois anos, eu fiquei três meses, gravei uma série para RTP chamada Da Mood. Isso para dizer que eu fui muito acolhida aqui em Portugal. Eu nunca tive nenhuma experiência de xenofobia ou de preconceito aqui. Eu sinto diferenças culturais, o que é obviamente normal”.

“Quando estou aqui, eu sinto muita falta mesmo da solaridade do brasileiro, que é um povo solar, caloroso, afetuoso, comunicativo. Os portugueses são mais fechados, mais frios, não têm papas na língua, não têm filtros, mas isso nunca resvalou na minha experiência própria em nenhuma situação de xenofobia, de preconceito” – Bárbara França

Barbara Franca diz não ter passado por experiências xenofóbicas em Portugal (Foto: Priscila Nicheli)

Sobre estar em Portugal, a rotina, segundo a atriz, tem sido “uma grande correria, na verdade, as gravações, a gente tem 20 episódios para gravar em poucas semanas, mas não é nada que eu já não esteja acostumada com os trabalhos que eu já tive no Brasil, porque novela é um ritmo industrial. Aqui é uma série, mas é para uma emissora de TV aberta, então a rodagem acaba sendo muito parecida na logística, é uma loucura, são 30 cenas por dia, o que não é diferente no Brasil”.

Atualmente a atriz está gravando a série Vizinhos, que faz muito sucesso na Espanha, estando há mais de 10 anos no ar, adaptada pelo autor Henrique Dias, que é um grande autor em Portugal. “Essa série vai trazer boas gargalhadas para o público. É uma grande confusão, grande e divertida confusão, de uma série que acontece dentro de um condomínio, são histórias de vizinhos”. Inclusive, sobre esse assunto de conviver em comunidade, Bárbara diz não ser daquelas que vivem em reuniões de condomínio. “Nas vezes em que eu fui, era muito parecido com o que é a nossa série. Sempre tem barraco, sempre tem confusão e tem gritaria, uma relação diferente da que meus pais, que moram em São Lourenço, têm com os vizinhos. Eles são amigos, eles se reúnem no final de semana na casa de um, na casa de outro, eles têm uma convivência super harmoniosa, de se reunir, confraternizar, completamente diferente de cidade grande”.

FRANCA

Bonita, modelo, atriz, Bárnara França que transcende à tríade do bonita-atriz-modelo. “Sinto que a gente vem conseguindo quebrar esses padrões e amenizar essas cobranças cruéis sobre os nossos corpos. Temos uma juventude muito mais engajada. Isso faz parte da tecnologia das redes sociais. As informações que a gente tem, as redes sociais, trazem um poder muito grande. Não existe intermediário entre o que a gente faz e o que é passado. Temos o poder de falar o que a gente quiser, de expor o que a gente quiser, então eu acho que a tecnologia é uma grande aliada nisso também. Fico feliz que nós, como mulheres, venhamos quebrando esses padrões que foram construídos durante uma vida inteira, sobre essa objetificação sobre nós. Que a gente siga nessa resistência”.

Para encerrar, a atriz dá uma dica de literatura. Ela é mais uma encantada por Tudo é Rio, da escritora brasileira Carla Madeira. “É um livro muito irreverente, é um romance, mas num lugar diferente dos romances que a gente costuma ler. É um romance muito inusitado, original, uma grande mistura de romance com drama, que tem uma linguagem totalmente sem pudores, detalhista. Acho que esse é o caminho para seduzir as pessoas à leitura. Não existe outro, senão a educação. A leitura acaba sendo uma consequência de uma boa educação, do incentivo à arte, que não é algo priorizado no nosso país. Então, é muito difícil que essas crianças e as pessoas desenvolvam essa afeição à leitura. Infelizmente, acho que isso deixa muito a desejar na nossa política”.

A franqueza de Bárbara França (Foto: Priscila Nicheli)