*Por Brunna Condini
Vida e arte têm levado Babu Santana a se tornar um cidadão cada vez mais atuante. Em um papo para falar do seu personagem, o bandido Hoffman, em ‘O Jogo que Mudou a História‘, que estreia nesta quinta-feira (13), e conta o surgimento das facções e do crime organizado no Rio de Janeiro, nas décadas de 1970 e 1980, ele analisa: “A série é provocativa, convida a sociedade à reflexão. E esse é o papel do artista, fazer a crônica do seu tempo, colocar o ‘dedo na ferida’. O que você precisa fazer para se sentir seguro em nossa sociedade? Eu, por exemplo, hoje moro na Barra da Tijuca, e vivo ‘preso’ dentro de um condomínio, com grades, seguranças, reconhecimento facial. Isso tudo virou sinônimo de segurança, olha que loucura. Venho estudando muito para entender como chegamos até aqui”.
O ator revela, em primeira mão, que o mergulho em toda essa consciência, fez surgir o desejo de se envolver mais com as questões sociais, politicamente falando. “Até porque sou fruto da política social. Minha mãe ia trabalhar e eu ia para o ‘Nós do Morro’ estudar teatro. Por isso, tenho uma vontade imensa de me inserir nesse campo político para contribuir com os meus”, divide. “Tenho quatro filhos – Laura, de 21 anos; Alexandre, 20; Piná, 8; e o filho afetivo do ator, irmão da Piná, Xamã, de 4 anos – e quero um mundo melhor para eles. E para os meus netos. Onde se mudam as regras? É na política. Penso muito nisso, aproveitando a reflexão que a arte trouxe para a minha vida. E tem que ser para a fazer a diferença. Lutar pela favela é meu objetivo. Como cidadão, como ator, e por quê, não, na política?”. E já te fizeram uma proposta para concorrer a algum cargo?
Temos, temos…na hora certa vou falar sobre isso. Não tenho medo do jogo duro na política, no embate direto não espero flores. Tudo isso é muito mais sobre um cara preto, favelado, estar ali. Pensando nas questões humanas, nas necessidades gerais, na diversidade. É a ocupação de espaços que nossos corpos não ocupavam antes. E isso tem reflexo nas novas gerações – Babu Santana
Babu reflete sobre suas motivações: “Claro que o que fazemos como artistas já é algo muito poderoso, podemos trazer a reflexão, a discussão acerca de muitos assuntos relevantes. Morei a vida inteira no Vidigal e ainda convivo muito lá, porque sou diretor no ‘Nós do Morro’. Continuo vendo a minha comunidade crescendo desordenadamente, sem um controle urbano. Construí uma identidade de amor pelo lugar, sai por falta de estrutura. Conquistei um carro e não tinha lugar pra guardar. Conquistei uma casa melhor, e cadê, ligo meu esgoto aonde? O morador quer pedir uma comida e o entregador não entra porque é área de risco. É muito triste, mas não podemos desanimar, temos que acreditar que tudo isso pode ser transformado”.
A série
Em ‘O Jogo que mudou a história‘, Babu é um dos protagonistas, Hoffman, inspirado no bandido Rogério Lemgruber, fundador do Comando Vermelho. Sobre a experiência na série que terá seus 10 episódios disponibilizados semanalmente, dois a cada quinta-feira, o artista comenta. “Na minha infância escutava muitas história dele, era o ‘bicho papão’. Era um cara muito violento. Gravei muito no presídio da Frei Caneca, que está desativado. Ainda assim, foi pesado. Colegas do elenco, que têm trabalhos espirituais, se sentiram sufocados. Como ator, eu uso isso. Sentia o clima pesado e deixava me conduzir, porque o personagem precisava dessa violência, desse peso. Saia das gravações coberto de sangue cenográfico. Fazer esse trabalho mexeu muito com a minha estrutura emocional, política e comportamental. Cresci muito. Nunca vou defender um criminoso, mas me intrigou viver um cara que lidera tanta gente através da força física psicológica. Espero que venha uma segunda temporada para continuarmos contando essa história”. A segunda temporada foi confirmada pelo criador da produção, José Júnior.
Vi toda a trajetória do José Júnior, um cara como nós, preto, periférico, que entende as nossas dores e está aí produzindo tanta coisa boa. É lindo estar aqui e poder ver esse cara se tornar grandão, essa potência – Babu Santana
A arte como instrumento de reflexão
Ainda tendo como objeto da conversa, a nova série original Globoplay, inspirada em fatos reais, que retrata o surgimento do crime organizado no Rio de Janeiro, Babu opina. “Nem a série e nem eu pretendemos romantizar o crime, é muito mais o debate sobre o encarceramento. Ok, o cara te roubou, tem que ser preso. Mas quando você isola esse ser entre quatro paredes, num lugar que tem super lotação, maus tratos, tortura, sem garantia de Direitos Humanos e tudo mais, você está criando uma ‘bomba’ ambulante. E as pessoas confundem muito falar de Direitos Humanos, com defender criminoso. Quando você encarcera alguém, é preciso que essa pessoa veja uma saída para aquilo tudo, que não seja cometer um outro crime. Quando não dão essa chance, acontece o que é mostrado na série. Juntaram no cárcere pessoas fortes e pessoas intelectuais, que acharam alguma saída para aquilo tudo que viviam. Contamos a história de como se iniciou todo um drama que vivemos até hoje”.
“Temos um sistema prisional que é um dos maiores responsáveis pela violação dos Direitos Humanos. É preciso uma real ajuste em nosso sistema se segurança, desde os políticos que criam as leis, até quem executa essas leias, a estrutura, e sobretudo, é uma questão filosófica. Somos comandados, em sua maioria, por pessoas privilegiadas, ricas, patrocinadas por grandes empresários. Quem tem dinheiro pra fazer uma campanha? São pessoas periféricas e pobres? Pretas? Não. Vemos isso refletido no congresso. Então, antes de falarmos de justiça, sistema carcerário, temos que falar de educação. A primeira grande arma é a educação”
Enquanto tivermos políticos que acreditem que ‘bandido bom, é bandido morto’, e parte da sociedade acreditando que os Direitos Humanos existem para defender bandido, vai ser difícil criar algum tipo de solução. A saída vem de mudar a filosofia, da educação. É uma discussão profunda – Babu Santana
Ainda sobre o assunto, o artista diz: “Acham que só encarcerar resolve o problema, mas não. Jogam o cara na cadeia e não investem na recuperação, então, quem está preso se alimenta de ódio e vai tentar achar alguma, qualquer, saída para essa realidade. Tanto, que muitos ‘chefões’ controlam o crime de dentro do cárcere. É muito séria essa discussão. Precisamos retomar esse debate de forma racional, porque é muito insano o que acontece nas prisões. Como estão hoje, são fábricas de bandidos. Não dá para jogar um cara que roubou um celular com líderes de facções criminosas, por exemplo. Porque esse cara vai ser acolhido por esses bandidos e não pelo Estado. Aliás, o Estado reforça isso. Quando alguém chega na cadeia, já perguntam qual a facção da região em que mora, e é pra lá que ele vai. Vai encontrar traficantes, assassinos, estupradores, preso em uma estrutura mal feita, em condições sub humanas, com carcereiros mal pagos. É jogado para o limbo da sociedade, no geral, com poucas chances de se reabilitar, de se arrepender do que fez”.
Não sei quem é mais perigoso pra população, se são os líderes de facções ou os políticos corruptos, que tiram dinheiro da segurança, da saúde, da educação…sou a favor da punição quando o cara comete um crime, claro. Mas como vamos fazer isso? Esquecendo o cara no encarceramento nas piores condições possíveis? Não adianta prender, bater, torturar, dar comida estragada…uma hora as pessoas vão cansar de apanhar e dar um jeito de ‘explodir’ tudo. É urgente reavaliar esse sistema – Babu Santana
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