*Por Flávio Di Cola, diretamente de Cannes, e Alexandre Schnabl, do Rio
Faltou espetáculo na premiação. Como uma espécie de resposta à parcela xiíta do público que bradava contra a submissão do evento ao cinema mainstream norte-americano, a 68ª edição do Festival de Cannes elegeu filmes de nacionalidade francesa como os principais vencedores da Palma de Ouro na cerimônia que premiou o melhor do cinema mundial na visão do júri encabeçado pela dupla de irmãos-cineastas Ethan e Joel Cohen. “Dheepan”, de Jacques Audiard, drama sobre imigrantes na França foi considerado ‘Melhor Filme’, desagradando a turma de cinéfilos que apostavam com fervor na qualidade clássica de “Carol”, o filme de época com temática homoerótica e Cate Blanchett catalisando atenções pela sua atuação como protagonista.
O resultado ainda desagradou em cheio a imprensa italiana, que via seu país como protencial candidato aos prêmios principais, com o vencedor do Oscar de ‘Melhor Filme Estrangeiro’ Paolo Sorrentino – de “A grande beleza”, apontado como um dos favoritos por seu “Youth” – ou creditando a excelência da sua produção cinematográfica através da boa repercussão da fábula fantástica dirigida por Matteo Garrone – “Il racconto dei racconti” – fora do páreo de apostas, mas encantador na opinião dos críticos.
Embora exótico, “Dheepan” é apenas o nome de um imigrante do Sri Lanka (antigo Ceilão) que migra para a França a fim de reconstruir a sua vida depois de penar no seu país de origem imerso em guerras internas. Para facilitar a sua entrada na Europa como refugiado, Dheepan constitui uma família “postiça” com mulher e filha para acabar se defrontando com questões de adaptação num contexto social explosivo comoos bairros da banlieu de Paris já saturados de imigrantes. Outro prêmio concedido a uma obra de forte cunho social foi a conquistada pelo veterano ator Vincent Lindon na categoria ‘Interpretação Masculina” em “La loi du marché” sobre a crise do mercado de trabalho abordado com um olhar quase documental.
Confira abaixo um trecho de “Dheepan”, cujo ttrailer ainda nem está disponível (Reprodução):
O prêmio de ‘Melhor Direção’ foi para o chinês Hou Hsiao-Hsien por “The assassin”, dispendioso drama histórico ambientado na China do século IX que tomou 10 anos da vida do diretor para se concretizarnas telas. A atriz francesa Emmanuelle Bercot (também diretora do filme que abriu o destival, “La tête haute”) dividiu o prêmio de ‘Interpretação Feminina’ com a americana Rooney Mara, respectivamente pelos filmes “Mon roi”, também dirigido por uma cineasta, Maïwenn, e “Carol”, elegante drama gay ambientado na Nova York do anos 1950 dirigido por Todd Haynes. O filme-provocação do festival, “The lobster”, do diretor grego Yorgos Lanthimo, que chamou a atenção por sua originalidade e sarcasmo, mas cujo radicalismo não dispensou do elenco nomes consagrados do establishment cinematográfico como John C. Reilly, Colin Farrell, Rachel Weisz e Léa Seydoux acabou levando o Prêmio do Júri.
Todo grande balneário tem a sua passarela, como o Rio tem a Av. Atlântica, e onde rola o mais democrático trottoir. Em Cannes, é na Croisette – em cuja extremidade oeste fica o Palácio dos Festivais – que é possível encontrar pessoas e situações um pouco diferentes das manjadas caras-com-crachá que HT viu nestes 12 dias seguidos de festival. Vamos dar uma última pinta por ali? Confira abaixo (Fotos: Flávio Di Cola):
Camelô da crise: o senegalês que está ilegalmente na França e agora vende chapéus, óculos de sol e paus de selfie, reclama de tudo:
“Os turistas não estão comprando quase nada e este sol nem na África!”
Cannes, capital da pelle nuda: os postais de Cannes promovem as tentações típicas de um balneário lindo, quente e charmoso. Mas é o Rio de Janeiro e Salvador que acabam levando a fama de cidade devassa.
Como em Hollywood (quase): o tour no trenzinho pelo circuito das estrelas dura uma hora, tempo suficiente para você perceber que pagou um mico.
Tem areia na pipoca: os duros não foram esquecidos pelos organizadores do festival. Em todas as noites, às 21h, rolou sessão grátis na programação do Cinéma de la Plage.
Americano não brinca em serviço: The Hollywood Reporter, o mais respeitado veículo do show bizz (ao lado do Variety) botou a fofa para distribuir revista na Croisette com o sol a pino.
Diva moments! Um rosto para não esquecer : o sorriso de Ingrid Bergman iluminou cada loja e vitrine de Cannes.
Momento-mico: Naomi Watts e Matthew McConaughey fazem a linha “desconsolados” nas entrevistas pós-vaia generalizada da sessão de gala de “The Sea of Trees”, nova produção de Gus Van Sant, outrora queridinho do festival.
Hora do rush : nem dando muitas voltas no quarteirão se conseguia uma vaga para estacionar no Le Vieux Port de Cannes durante as semanas do festival.
Cinéfila Blue Jasmin: a cansativa prática de ficar na saída do Palácio dos Festivais para descolar sobras de convites não desanimou a bem-humorada fã de Woody Allen.
Sorriso Colgate: muita gente pensou que elas estavam panfletando na Croisette para o filme “Duas garotas num conversível”, mas estavam mesmo a serviço de uma empresa de telefonia
Pra frente, Brasil!: embora o nosso país não tenha emplacado nenhum filme nas seleções oficiais competitivas,a bandeira brasileira tremulou bonita no Village International da Croisette, um dos vários mercadões de filmes de Cannes.
E, na fraca presença do Brasil na competição e no red carpet, nada como tirar casquinha do festival e prestigiar marca de cerveja gringa em rega-bofe com viagem paga. Gracinhas como Thaila Ayala, Paloma Bernardi e Milena Toscano merecem esse mimo, não é mesmo?
Confira abaixo a lista completa dos laureados que mostra a hegemonia do cinema da França nesta edição do festival e o naufrágio total das esperanças da Itália e dos seus fortes candidatos:
Palma de Ouro (Melhor Filme): “Dheepan”, de Jacques Audiard
Grande Prêmio do Júri: para o filme “Saul Fia” (Le fils de Saul), de László Nemes
Prêmio de ‘Melhor Direção’: Hou Hsiao-Hsien por “The assassin” (Nie yinniang)
Prêmio de ‘Melhor Roteiro’: Michel Franco por “Chronic”
Prêmios de ‘Interpretação Feminina’: Emmanuelle Bercot por “Mon roi” e Rooney Mara por “Carol”
Prêmio de ‘Interpretação Masculina’: Vincent Lindon por “La loi du marché”
Prêmio do Júri: “The lobster” de Yorgos Lanthimos
Melhor Primeiro Filme: “La tierra y la sombra” de Cesar Augusto Acevedo
Palma de Ouro de Curta-Metragem: “Waves’98” de Ely Daghier
Palma de Honra : para a diretora francesa Agnès Varda
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