*Com Brunna Condini e Malu Porto
Natural de Batatais, interior de São Paulo, e residente de Londres desde 2017, Gabriela Toloi cursou pós-graduação no Drama Studio London e logo encantou-se com o método clássico de atuação da terra de Shakespeare: “Fiquei deslumbrada com a relação do povo inglês com o teatro e o peso que as pessoa colocam na tradição”. A chance de ouro chegou quando foi selecionada para interpretar a vlogueira alien Jamila Velez, no episódio “Praxeus”, da série de ficção científica da BBC, Doctor Who, que está no ar há quase 60 anos e possui lugar cativo no coração dos ingleses. Exibido em março de 2020, o episódio alçou a atriz ao panteão no qual já figuraram participações especiais de estrelas do calibre de Sir Ian McKellen, Kylie Minogue, Carey Mulligan, Felicity Jones, entre muitos outros.
“Logo que me formei, o Doctor Who foi o primeiro teste que surgiu, e acabou rolando! Foi pra mim a confirmação de que é possível trabalhar no mercado internacional e levar um pouco da cultura brasileira para o mundo”, frisou, lembrando ainda: “Eu acho que o maior desafio foi a questão do alien, todas as personagens que fiz até ali eram humanas (risos). A própria maquiagem também foi uma experiência nova, precisei fazer uma prótese de silicone e ficava quatro horas na cadeira para criar o efeito do episódio, que ainda teve retoques nos efeitos especiais. O trabalho corporal também foi difícil, nas cenas em que fugia dos pássaros e quando me debatia no hospital depois de infectada, mas foi uma oportunidade super legal de viver tudo isso”.
Pós-quarentena e adaptação ao “novo normal”
Apesar de já haver um movimento de retomada e reabertura de espetáculos teatrais e da cena cultural na capital britânica, Gabriela conta que ainda há muito receio em razão das restrições sanitárias e instabilidade financeira do setor: “O que vemos é que, mesmo existindo a permissão, não são todas as casas que querem reabrir, por não acharem que é possível se manter com 50% da capacidade de público. O Fantasma da Ópera, que é um dos musicais mais longevos e mais lucrativos em cartaz, decidiu cessar as atividades sem previsão. Por outro lado, peças como A Ratoeira, de Agatha Christie, já anunciaram seu retorno. Os cinemas e casas de shows pensam em voltar em novembro, mas turnês foram, em sua maioria, adiadas”.
Perguntada sobre os apoios do governo e inovações estéticas, que sempre impulsionam o show a continuar, Gabriela revela: “Depois de muita luta da classe artística, tivemos acesso a incentivos públicos, além de doações que ajudam a manter as casas em pé. Por enquanto, a retomada mais forte foi do setor audiovisual, de filmes, novelas e comerciais. Algumas peças foram filmadas, realizadas sem contato entre os atores e exibidas ao público com ingressos esgotados. Para mim, esse é um bom exemplo de reinvenção artística na pandemia, esse flerte do teatro com o audiovisual”.
Distopia e incertezas
Ambientada em um futuro também distópico, mas felizmente ainda longe de tornar-se realidade, a peça Bad Harvest (má colheita, em livre tradução), com sua companhia teatral, Broken Leg, e na qual Gabriela interpretará a heroína Magdalene, retrata um mundo em que embriões humanos são vendidos em lojas como sementes, onde reina a polaridade das safras “boas e caras”, “ruins e baratas”: “Vou fazer a protagonista, chamada Magdalene, que descobre um segredo sobre esse sistema perverso, e luta para expor a verdade para os outros cidadãos, criando vários conflitos a partir disso.”
Programada para entrar em cartaz em um teatro mais íntimo, que ainda está sem data para reabrir, pois faz parte da cena independente (a mais prejudicada durante a pandemia), apelidada de Off-West End (um equivalente ao Off-Broadway), a produção mantém seu fôlego com ensaios virtuais e a busca de palcos alternativos: “Eu e o autor da peça estamos fazendo as primeiras leituras de modo online, apesar de não pretendermos migrar para o ambiente digital por enquanto. A previsão mais certa é de levá-la ao Festival de Edimburgo, na Escócia, em julho do ano que vem.”
A atriz considera atuar em outro idioma uma experiência sem igual. “É bem mais difícil trazer a memória emocional para um idioma que você não cresceu falando, e a atuação está muito conectada à habilidade do ator de trazer verdade para a interpretação de um texto, um personagem. O inglês é muito distinto do português, pela entonação, pela sonoridade. No começo foi bem mais desafiador. Mas foi uma habilidade aprendida, e fazer amizades e relacionamentos se comunicando em inglês ajuda a criar essas memórias, o que ajuda muito. Hoje sinto que não existe um melhor e um pior, um complementa o outro na minha cabeça”.
Gabriela também falou sobre como ficou o psicológico durante o isolamento em terra estrangeira, a desafiante distância da família, além de revelar suas impressões sobre o mundo pós-pandemia e um antigo sonho profissional: “Falo com a minha família por vídeo, pelo menos uma ou duas vezes por semana, e por mensagem todos os dias. Tenho eles bem próximos de mim. Estão todos isolados no interior, trabalhando de casa e tomando os devidos cuidados. Para mim, não tem como voltar para o que era o pré-pandemia após viver o isolamento. Eu senti bem forte a diferença, passei três meses sozinha aqui e o comportamento mais fechado das pessoas inglesas só se intensificou. Vamos ter que reaprender a conviver em sociedade. Sobre o Brasil, eu voltaria na hora por um projeto que me inspirasse! Sinto muita falta da comida e do calor também (risos). Adoraria fazer novelas, especialmente algo de época. Para um ator brasileiro, estar em uma novela é um dos maiores prestígios que se pode ter”, comenta. A rotina em Londres se divide ainda em “refinar meu currículo artístico, e também aproveitar e assistir as produções e peças locais. Estava cantando ao vivo em um wine bar antes da pandemia, era algo que me trazia muito prazer e espero voltar quando acabar”.
Pretende continuar trilhando a carreira internacional? Aonde deseja chegar? “Com certeza, principalmente depois de ter um gostinho de como é ter uma carreira internacional. Adoraria trabalhar em um país hispânico, em Portugal… Tem diretores que admiro muito, Wes Anderson, Tim Burton, Sam Mendes, além de muitos atores que me inspiraram, com quem eu amaria ter projetos. Claro que também quero fazer coisas no Brasil, poder voltar e fazer um intercâmbio de aprendizados entre os países”.
Já sofreu algum preconceito por ser brasileira em Londres? “Não exatamente por ser brasileira, mas por ser estrangeira. No começo é difícil, e qualquer pessoa que morar fora vai sentir. Existe uma diferença cultural, é inegável, e acho que esse foi um fator muito maior do que minha nacionalidade em si. Para mim não tem problema, desde que não seja hostil, porque eu também tive estranhamentos culturais com os ingleses. Mas existe sim o preconceito, especialmente com outras etnias que não a minha”, afirma.
Sobre o maior sonho profissional ela revela que “é fazer um filme com o Tim Burton, com os elencos clássicos dele. A estética de Tim Burton é muito característica, foi uma influência muito grande sobre mim quando criança, e depois como atriz. Seria um filme com ele ou participar de um live-action do Corcunda de Notre Dame, que é minha grande paixão”.
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