*por Vítor Antunes
Vivendo um personagem que discute a masculinidade tóxica e os limites da Internet em sua primeira novela, Henrique Barreira interpreta Fred em “Vai na Fé“, um típico rapaz de família rica que, por se saber privilegiado, acredita que suas vontades devem prevalecer. Diferente do seu intérprete, um jovem ex-aluno do Tablado, low-profile que se desconcerta ao ter que publicar fotos suas nas redes sociais e que ainda está aprendendo a lidar com o assédio do público e da crítica. A trama de Rosane Svartman tem encontrado boa repercussão na audiência, especialmente por estar conectada com os temas discutidos na cena contemporânea, como o machismo estrutural na Web.
Tornou-se um assunto público e discutido nas últimas semanas a questão relacionada aos redpills e a masculinidade tóxica. Especialmente depois de um post polêmico do blogueiro Thiago Schutz, que, segundo reportagem da TV Brasil, publicada no dia 17/03, foi denunciado ao Ministério Público por ameaça às mulheres. Posts ferinos como um que diz que “Sua mulher pode custar mais caro que uma Garota de Programa” tem gerado muito discussão nas redes sociais e trazido à tona o debate sobre esse caráter misógino da masculinidade. E, além deste fato, dois integrantes do BBB23 – MC Guimê e Antônio Cara de Sapato – foram expulsos, acusados de assediar uma convidada, a mexicana Dania Mendez.
Não à toa o assunto redpill/machosfera foi inserido na trama das 19h, quando Lui Lorenzo (José Loreto) entra num grupo que decide investigar “o sagrado masculino e resgatar a essência do macho de verdade”. Para Barreira, Fred é o exemplo de uma pessoa que ocupa esse lugar dramatúrgico pedagógico, na novela de Rosane Svartman. “Esse comportamento dele, está alinhado ao fato de haver uma conexão com a sua questão social. Afinal, ele é um homem de muitos privilégios, é branco-cis-hétero… Mas há uma coisa nele que acho interessante, que é o reconhecimento. Isto é o primeiro passo para mudar. É reconhecer essa masculinidade tóxica, e sobre como podemos mudar esta postura”.
A masculinidade tóxica mata, agride e traumatiza mulheres. E também aos homens, pois os fere em sua sensibilidade. A masculinidade é um dos assuntos mais complexos de se tratar sobre – Henrique Barreira
O ator salienta que, embora não tenha muito em comum com o seu personagem, “Fred carrega o que todo homem traz junto a si que é esse machismo, inerente a nós mesmos, já que vivemos num mundo patriarcal. Para o personagem esse comportamento “machosfera” não é nada demais mas conforme a novela caminha, ele vai percebendo que há outros aprendizados, tanto para a gente como para as nossas relações”.
Um homem que já nasceu em plena geração da Internet, como Henrique, vê o tribunal da virtual, que julga, cancela e exalta pessoas a torto e a direito? “Trata-se de um fruto do nosso tempo, de opiniões extremas, certeiras e imutáveis. Inclusive até o cancelamento me parece efêmero por que há sempre alguém para ser cancelado e descancelado. Eu mesmo, como ator, tive que entender muito esse fluxo, especialmente pelo Twitter, que é o público que mais acompanha mais as novelas. Quando eu vejo as pessoas cancelando o Fred eu, inicialmente, achava algo absurdo, mas depois passei a ver de outra maneira, por que se as pessoas estão tendo opiniões fervorosas com relação a ele ,é sinal de que o personagem está presente de sua forma mais intensa. Eu ainda não fui cancelado na net, a contrário dele, que está sendo desde o começo da novela”, comenta.
O cancelamento, ele é nocivo em muitos lugares e acho que há um extremismo em achar que há verdades absolutas. Há pessoas que precisam destilar o ódio, a raiva delas e as redes sociais parecem ser o depósito dessa cólera, desse cancelamento – Henrique Barreira
Ainda que discretamente, pois que a peça estreará no segundo semestre, Henrique falou sobre o seu mais novo projeto para este ano: uma montagem que fará sobre paternidade, uma criação coletiva liderada pelo diretor Pedro Brício. Além disto, aguarda o lançamento de uma série para o Globoplay dirigida pela Leandra Leal, que chama “A Vida pela Frente“.
Diferente do seu personagem, Barreira tem falas conscientes, assertivas. Diz não saber lidar com essa fase ator-influencer que alimentam freneticamente as redes sociais. “Nunca foi algo muito natural, e tenho que aprender a usar melhor, as redes sociais. Não costumava botar a cara nos stories, por exemplo”, disse ele, que viralizou recentemente, fazendo a dancinha hit do verão “Zona de Perigo“, de Léo Santana, junto ao protagonista da novela, o ator Samuel de Assis. Sobre a repercussão a Fred nas redes sociais, diz: “Quando vejo alguém falando mal do personagem, acho incrível por que isso mostra a realização do nosso trabalho. Doamos muito tempo da nossa vida para os personagens e a contar histórias e quando um fã pede para tirar uma foto e falar sobre o nosso trabalho isso serve como motivação”. Henrique Barreira é a prova de que o teatro revive dos atores, do tablado, do público e de uma paixão entre eles.
FÉ
Fazendo a sua primeira novela, Henrique ainda estabelece sua comunicação com esta forma de dramaturgia. Segundo ele próprio afirma, relutou muito a fazer televisão. Porém, mudou de ideia ao ser escalado para atuar em “Malhação: Eu quero é ser feliz“, mas o projeto que foi engavetado em razão da pandemia. Não só esta temporada da novelinha teen foi cancelada como a própria produção. Para o ator, quando ele ainda estava na escola de teatro, a TV era um “ambiente nocivo, egóico de um trabalho extenso e sem cuidados para com o ator, além de não oferecer bons projetos. Ate que, ao amadurecer, me dei conta de que isso era uma mentira, a maior bobagem”.
O nome da novela na qual Barreira estreia não poderia ser mais oportuno. O ator passou por vários desafios até estrear na atual trama das 19h, “Vai na Fé“. Após anos dedicado ao teatro, o artista foi escalado a fazer, a temporada de 2020 da “Malhação”, que seria escrita pelos aclamados roteiristas de cinema, os Irmãos Carvalho. Porém, ainda naquele ano explodiria a crise do coronavírus, que não apenas cancelaria aquela temporada da novela, como o próprio produto. Não obstante, o pai do ator viria a falecer em decorrência da Covid. “Foi difícil. Eu trabalhava com teatro, e ele estava fechado, migrando para o formato online. Quando chegou a possibilidade de eu fazer a “Malhação” foi como se eu estivesse vendo a luz no fim do túnel. Era uma nova possibilidade de investir no audiovisual e a gente acreditava no projeto dos Irmãos Carvalho. O cancelamento da temporada e do programa foi uma frustração grande a ponto de eu achar que não trabalharia mais com TV”.
Acho que o ofício de ator também é feito dessas frustrações e das negativas que vivemos. Até por que, se eu não tivesse vivido isso eu não teria feito tantos amigos. Foi triste, frustrante, mas vejo que foi necessária essa aprendizagem – Henrique Barreira
É recorrente nas falas, especialmente dos atores mais veteranos, que os jovens talentos têm uma outra relação com a profissão de ator. Perguntamos a Barreira se, ainda que seja estreante, sente-se cobrado por estar numa novela da Globo, e num papel desafiador. Segundo ele, chegou a “ter uma angústia de que teria que fazer bem esta novela, que não errasse e não colocasse tudo a perder a ponto de não ter outra oportunidade deste tamanho. Mas hoje eu confio muito mais no que faço. Eu sei o meu valor, o que deixei, o que abri mão para estudar ou chegar bem na gravação. Acredito muito no que eu faço e da forma como eu faço. Claro que me sinto pressionado, mas essa cobrança vem mais de mim, em entregar um trabalho melhor.
Entre os atores veteranos, há quem pense que os jovens atores não têm tanta disciplina por estarem num outro momento da carreira, mas os novatos estão entendendo que o ofício exige dedicação (…). E é algo muito bom ter gente com mais experiência, para nos acalmar e aconselhar sobre como seguir na carreira – Henrique Barreira
Para o artista, o processo de construção na indústria da TV assustava-o quando era ainda mais moço. E surpreendeu-se a ponto de mudar de ideia no que tange ao veículo. “Televisão é uma coisa que eu rejeitei por muito tempo. Eu tive uma paixão à primeira vista pelo teatro, pelo palco, e isso me encantou por inteiro. Por muito tempo achei que seria um ator quase que exclusivo do teatro, e fazendo cinema pontualmente. Mas, me dei conta de que isso era a maior mentira, a maior bobagem. A TV tem um poder enorme de contar histórias e milhões de pessoas acompanham-nas diariamente”.
Eu poderia fazer teatro a vida toda que o alcance não seria o mesmo que o de uma novela. O aceso das pessoas é diferente, e apesar de todos os problemas. a novela tem a vantagem de atingir a massa e dar voz à sociedade. Eu acredito na novela enquanto ferramenta pedagógica – Henrique Barreira
Sobre a chegada na teledramaturgia diária de TV aberta, Barreira diz que “‘Vai na Fé‘ possui um elenco amigo e acolhedor para mim, que sou um ator jovem, que esteve muito mais no teatro e que agora está descobrindo os encantos da televisão. Foi uma entrada perfeita a nesse segmento, especialmente por haver, também, um grande elenco jovem, com pessoas da minha idade, e que estão passando pelas mesmas angústias e experiências. Estar trabalhando nessa forma de dramaturgia me dá uma noção de trabalho de constante exercício, pois ali você consegue errar, acertar, melhorar com os erros, saber como agir e investigar os seus lados como ator. Como ele funciona, com quem você atua melhor ou tem mais afinidade e conforto para atuar”. O artista é elogioso ao staff global por trás da trama das 19h. “É uma equipe muito devota, muito unida, antenada e inteligente para saber contar essa história”
Ainda que esta seja esta a minha primeira novela não quero dar um passo maior que a perna, mas me sinto muito privilegiado e com muita fome e vontade de me jogar (na profissão). Saber viver essa inexperiência na TV é bom por que tem muito a ser descoberto ainda, e tem gente que está ali há anos, conhece bem o ambiente, a rotina, a direção, o ecossistema da emissora – Henrique Barreira
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