por Vítor Antunes
Quando André Mattos surgiu na televisão foi em 1984 e, logo depois, em Mandala, de 1987, protagonizada por Felipe Camargo e Vera Fischer. Jovens, na ocasião, mas uma trama cheia de atores maduros, como Grande Otelo (1915-1993), Ruth de Souza (1921-2019) e Paulo Gracindo (1911-1995). Hoje, não são muitos os atores veteranos a ocuparem papéis relevantes na teledramaturgia. Mesmo Arlete Salles, que seria a protagonista de “Família é Tudo“, quase não aparecia na novela que liderava. “Eu tenho 63 anos e muitos outros amigos, alguns até mais velhos, que não estão conseguindo emprego porque o audiovisual, de alguma maneira, está com o olhar mais para a turma mais jovem, para os influencers. E isso é ruim por que desemprega aqueles que estão na estrada há 40, 50 anos. É fácil colocar um cara com 5 milhões de seguidores num projeto, já que ele monetiza nas suas redes, mas de que forma ele utiliza essa capacidade de comunicação para melhorar e transformar o mundo, a sociedade e as 5 milhões de pessoas que ele influencia”, pondera.
Recém-saído da novela “A Infância de Romeu e Julieta”, do SBT, André Mattos poderá ser visto em quatro montagens teatrais. “Minha futura ex“, que estrela ao lado de Bianca Rinaldi, às quintas-feiras até 5 de setembro no Teatro Vanucci do Rio de Janeiro. “Dedé show” , no Teatro dos Grandes Atores, os solos de comédia “O Senhor é quem”, aos sábados, e Dedé Show”, aos domingos, ambos em cartaz até os dias 7 e 8 de setembro, respectivamente. “Antes só que Mal Assombrado“, estreia em São Paulo, no dia 5 de outubro, no Shopping Tatuapé, todo sábado, até o dia 26 de outubro. Há um projeto de montagem com Luiza Tomé, um texto de João Bittencourt, que é “Tem Um psicanalista na Nossa Cama“. Ele também está em “O jogo que mudou a história”, no Globoplay, e no cinema no longa sobre o ator e comediante Sérgio Mallandro – “Mallandro, o errado que deu certo“. Diz o ator, sonhar em fazer algo como “nos moldes antigos, do Procópio Ferreira (1898 -1979), das companhias de teatro. Eu tenho isso e exerço a minha companhia de teatro, onde eu reúno os meus amigos, meus técnicos que trabalham comigo há mais de 20 anos”.
Um dos nomes da trilogia “Mutantes“, André Mattos viveu o personagem Pachola, na trama que foi um dos maiores sucessos da Record depois da sua retomada à dramaturgia em 2004. “Ela é um fenômeno. As pessoas mais da nossa sociedade lembram da novela, lembrando do Pachola. A classe achava a novela trash tanto nas abordagens como nos efeitos especiais, mas as pessoas gostavam muito. O Aguinaldo Silva mesmo dizia gostar da novela justamente por isso e é isso que eu acho importante: A forma como o produto artístico afeta a sociedade quando eu faço um trabalho. O que me importa é saber como eu fiquei feliz e como aquilo me transformou. Não me importa se as pessoas acham isso ou aquilo. Fico agradecido e honrado que as pessoas ainda me chamam de Pachola, tanto tempo depois da exibição desta novela.
A essência da nossa atividade, a essência da arte, está na medida em que as pessoas, em alguns casos, não em todos, estão preferindo esse tipo de gente que, na minha opinião — não estou dizendo que é ruim, ou pior, ou melhor —, mas não me interessa. É uma gente que não tem formação. Quando você pergunta: ‘Vem cá, qual foi o último livro que você leu?’, o cara não leu. ‘Qual foi o último filme que você assistiu?’ ‘Ah, eu não vou ao cinema.’ ‘Você assiste televisão?’ ‘Mais ou menos.’ Como é que se vai falar para os outros o que você acredita ser a verdade absoluta, se você não tem informação nenhuma?” – André Mattos
ARTISTAS E O TEMPO
André Mattos, quando se revelou para o grande público, trouxe a leitura do gordinho bonachão, engraçado e irritadiço. Tanto que interpretou Dom João VI em “O Quinto dos Infernos“, que bradava o bordão “Ai, Jesus“, a todo tempo. Hoje transmite outra imagem. Está mais magro, mais tranquilo, com outra energia. “Vivo em paz com saúde, melhorando a minha qualidade de vida, o meu relacionamento com as pessoas, com as filhas, com o mundo, né? Eu faço meditação transcendental. Acredito na importância do silêncio e só através dele a gente pode dar escuta ao outro”. Diante disso, uma das peças do ator é, justamente sobre relacionamento, “Minha Futura Ex”. “Acho que peça de casal sempre deu certo e sempre vai dar, porque ela fala dos relacionamentos. Sempre haverá peças sobre relacionamento humano e reflexões sobre nossa breve passagem material. Nós somos energia dentro de uma matéria que se relaciona com o exterior através dos sentidos. Então, relacionar-se é a grande jogada da existência humana”.
As pessoas não estão mais dando atenção umas às outras, não estão mais se olhando, se tocando, se beijando, se abraçando. As pessoas estão apenas olhando para os seus celulares, para os seus dispositivos, e estão esquecendo da visão periférica, da nossa existência no planeta – André Mattos
André é cria do Tablado. Seus pais se casaram na clássica escola de teatro carioca, inclusive. Atualmente, ele é um dos diretores do Tablado e vem acompanhando as transformações do mercado. “Esse mercado foi abrindo e com a pegada da internet, das redes sociais, explodiu. Isso acontece na história da civilização, quando surge uma novidade. As pessoas focam o olhar naquela direção e esvaziam um pouco as outras. Temos centenas de produtos sendo feitos agora, neste momento, tanto para o streaming quanto para o cinema e para a internet, para todas as mídias. Quando olho para isso, quando vejo essa geração, quando vejo amigos meus se rendendo a essa história [das redes sociais], sinto muito. Mas eu não me excluo disso. Acho essa força tão terrível, essa onda tão poderosa, que diversas vezes me pego fazendo parte dessa história”.
Quando assinamos um contrato, por incrível que pareça, e essa é uma luta nossa na questão do direito autoral, assinamos para mídias futuras que nem sequer existem ainda. Essa é a rapidez com que as coisas estão acontecendo. Mas o que é ruim nisso? Por força dessa internet, essa coisa tão moderna, faz com que a mídia direcione o olhar dela para os novos instrumentos e para as pessoas que , como disse Carlos Drummond de Andrade, se sente “dono da verdade e das sabedorias. Todo mundo é dono da razão – Andre Mattos
E ele continua: “O smartphone, quando chegou, veio para fazer uma revolução tão grande quanto a roda, o fogo, a Revolução Industrial, o Renascimento. Enfim, é tudo muito rápido. Estou ansioso para assistir ao Othon Bastos na sua peça, porque um homem que chega na idade dele tem uma grande força. A televisão não chama mais, o cinema não chama, mas o teatro lota, porque as pessoas continuam interessadas em olhar para esse homem, para esse artista que, já com 90 anos ou quase, ainda continua exercendo sua atividade de forma verdadeira, autêntica e precisa. Ele não está ali para ganhar dinheiro; ele está ali por uma necessidade de vida. Os jovens não vão ao teatro, aprender, observar os outros atores, não conhecem Fernanda Montenegro, não sabem quem foi Procópio Ferreira.
Não adianta querer apresentar um currículo apresentando 1 milhão de seguidores, 2 milhões de seguidores. A grande transformação nessa história é a do esvaziamento da importância da arte na sociedade, por força dessa coisa dessa comunicação que está sendo feita através dessas redes sociais e desse dispositivo que é o telefone e o smartphone, mas a televisão aberta é um produto que fica para sempre – André Mattos
O ator traz então uma situação de um dos seus espetáculos no qual debate a necessidade de se dar ouvidos sim ao politicamente correto. “Nós, artistas, temos a obrigação, sim, de sempre levantar temas, mesmo aqueles que já consideramos ultrapassados. Eu tenho uma cena no ‘Dedé Show’, que é outro espetáculo que faço, que escrevi, em que conto a história da minha vida e passo uns 10 minutos, só fazendo piadas homofóbicas, racistas, antigas. O público ri, gargalha, bate palma em cena aberta. E aí eu paro o espetáculo e digo: ‘Acabamos de passar 10 minutos com piadas absolutamente politicamente incorretas. Eu pergunto: Essas piadas têm graça?’ Entra um silêncio sepulcral. Eu digo: ‘Porque estou confuso. O que tem graça? O que não tem graça? Eu, como humorista, como comediante, estou confuso. Qual é o humor atual? O que é politicamente correto? Se é politicamente correto, ele é correto. Mas é complicado, porque às vezes falo uma coisa em casa e minhas filhas dizem: ‘Pai, você não pode falar isso, hein?’ E elas estão certas. Mas eu digo: ‘Mas, filha, me perdoe, porque eu sempre falei isso a minha vida inteira. Eu também estou certo.’ Se começarem um debate, eu paro o espetáculo e debato. Ou seja, há aquela coisa do riso, da homofobia, riso do racismo, riso de tudo aquilo que é um problema estrutural e que se manteve”.
O teatro é tribuna. Essa é a função do teatro. Bertolt Brecht dizia: ‘Se você saiu do teatro da mesma forma que entrou, você não foi ao teatro.’ O teatro tem que ser capaz de levar as pessoas à reflexão, de fazê-las sair da cadeira – André Mattos
Para encerrar, André Mattos revisita sua parceria com o teatrólogo Domingos de Oliveira – de quem, aliás, ele pretende fazer um espetáculo em homenagem. André revisita uma fala de Domingos que trata exatamente sobre os críticos e o lugar do teatro. “Quem pode julgar se o artista é bom ou ruim? Os críticos? Eles vão demais ao teatro, coitados. (…) Se tem mais cinco ou seis pessoas no mundo que gostarem de mim já está bom, mas tão poucos são bons juízes… Já vi tanta coisa boa que o público não vai ver e tanta coisa péssima que o público vai… Para o bom julgamento resta, naturalmente, a posteridade. Mas que importa isso se eu não vou estar lá para ver. Ninguém pode julgar o artista que fica, assim, eleito seu próprio juiz absoluto na certeza infundada de que não enlouquecemos ainda. Que criamos e julgamos levando em conta apenas as estrelas, que no momento da criação cintilam sobre a nossa única e oval cabeça”.
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