*Por Vítor Antunes
Chapéu de aba, bota western, muita personalidade e um posicionamento afirmativo quanto ao sentimento feminino. Assim costumam apresentar-se as cantoras de música sertaneja, especialmente depois do fenômeno Marília Mendonça (1995-2021). Assumidamente apoiado nesta inspiração foi lançado o filme “Sistema Bruto”, de Gui Pereira, que tem Bruna Altieri dividindo o protagonismo com sua xará, a cantora Bruna Viola. O projeto reforça a importância do posicionamento feminino não só por ter mulheres em seus papéis principais, mas por trazê-las em profissões que, via de regra, sempre foram associadas aos homens na sociedade machista: Bruna Viola vive uma personagem homônima, que é piloto de corrida competidora. Já Altieri interpreta Rosa, uma jovem que sonha ser engenheira mecânica. Além deste trabalho, atriz fala sobre “Tração“, no qual vive uma motociclista, naquele longa que, segundo ela, é o “primeiro a trazer uma protagonista sobre duas rodas”.
Voz ativa do posicionamento feminino, Bruna Altieri escreveu um monólogo sobre a condição da mulher na sociedade e discute sobre a inserção das moças na área artística, afirmando haver ainda muito espaço a ser conquistado por elas. Atriz condena os rótulos masculinizados aos quais as mulheres costumam ser atribuídas para serem validadas em seus ofícios.
SERTANEJAS
“Sistema Bruto” mescla comédia com ação e tem como cenário o universo sertanejo. Altieri interpreta Rosa e Bruna Viola vive personagem homônima, neste que é mais um lançamento audiovisual a apostar no segmento. Em 2022, Globoplay e Netflix investiram em projetos que também traziam mulheres e o country à brasileira em destaque. Sobre o longa que co-protagoniza, Altieri diz que “as pessoas podem esperar música sertaneja, que o pessoal ama demais, além da presença de artistas incríveis. É um filme que trata sobre empoderamento feminino, com mulheres protagonistas e situações do dia a dia. Além de tratar-se de um projeto que tem muito humor e leveza que as pessoas podem assistir com a família, ouvindo uma música boa”, afirma.
Além de valorizar a música, o filme se propõe discutir o empoderamento feminino. Bruna (Bruna Viola) quer ser piloto competidora. Já Rosa, personagem de Altieri, quer ser engenheira mecânica, e, por esta razão ,precisa escolher entre viajar para a capital paulistana a fim de estudar ou permanecer em sua cidade junto à família e melhor amiga. O plot do longa dialoga, inclusive, com a biografia da própria atriz, que deixou Foz do Iguaçu (PR), em busca do sonho de ser atriz: “Às vezes, você tem que ir a uma cidade maior para obter melhores oportunidades de emprego. É um baita investimento, tanto financeiro como emocional”.
Vim para o Rio de Janeiro na cara e na coragem, aos 14 anos, tentando ter voz, ainda trabalhando meu emocional. A única certeza que eu tinha era de que eu queria estudar para ser atriz. O resto eu fui descobrindo – Bruna Altieri
Ainda sobre sua chegada à capital carioca, Bruna diz que não imaginava ser algo tão difícil vigorar na profissão. “É muito difícil ter uma oportunidade de trabalho. Ser chamada para um teste já é um passo grande. Eu levei muitos ‘não’!. Hoje, eu colho algo que plantei há 10 anos e que em vários momentos questionei se estava na trajetória certeira. Eu sabia estar, em meu coração, mas a falta de oportunidade me fez questionar isso”.
FERA RADICAL
Outra frente de trabalho da atriz de 23 anos é o longa “Tração”, de André Luiz Camargo. Neste, ela investe, sem nenhum exagero, muita energia à sua personagem. A atriz vive Isadora, menina apaixonada por adrenalina e motociclismo. Segundo Bruna, é um filme pioneiro ao trazer a personagem principal “sobre duas rodas”. Ela prossegue dizendo que “foi um grande set, uma produção bacana que mobilizou muita gente. Nós filmávamos em pistas de motocross em vários lugares do Brasil”.
As personalidades de Isadora e de sua intérprete dialogam. Altieri confidencia que sempre gostou de adrenalina, aventura e velocidade. “Tanto que aprendi a pilotar moto para realizar este trabalho, já que eu não tinha tido contato com isso. Sou encantada por moto e ainda vou comprar uma, apenas para viver essa energia”, garante.
Coincidentemente, tanto a personagem de “Tração” como a de “Sistema Bruto” gostam de mecânica e automóveis, mas nem por isso perdem a delicadeza. Mulheres que têm este gosto costumam ser retratadas de forma masculinizada nas novelas, ou ainda como alívio cômico. Em “Cambalacho”, Débora Bloch interpretou Ana Machadão, uma mecânica que se apaixonava por um bailarino interpretado por Edson Celulari. Em “Uga Uga”, foi a vez de Vivianne Pasmanter viver Maria João, uma “valentona” máscula que escondia seu amor pelo personagem de Humberto Martins, Baldochi. Nesta trama, do ano 2000, um nome acabou ganhando projeção no cenário artístico nacional, o do ator Marcos Pasquim, que em “Tração” vive Ajax, pai da piloto de motocross Isadora. Sua intérprete exalta a parceria com o veterano: “Sou encantada no Marcos, ele é um grande amigo. Muito generoso e nossas cenas eram muito bonitas. Fiquei muito confortável com ele, que sempre pensava na gravação de forma coletiva, pensando no todo. Aprendi muito com ele”.
Para 2023 estima-se que “Sistema Bruto” seja levado ao streaming. “Tração”, por sua vez, deve estar indo, em breve para as salas de cinema. Ainda em segredo, Altieri antecipou que para o primeiro semestre do ano vindouro, estará em uma série para a plataforma de streaming.
AGORA É QUE SÃO ELAS
Quando graduou-se em Artes Cênicas pela PUC-Rio, a atriz realizou como Trabalho de Conclusão de Curso, um monólogo sob a perspectiva feminina e abordando “conflitos e situações que uma mulher passa durante a vida”. Sob este recorte, perguntamos à artista se ela percebe haver algum avanço na inclusão da mulher na arte, tanto como atrizes como quanto técnicas: “Há um avanço, mas também há um cuidado nisso, especialmente no que que se relaciona às falas direcionadas às mulheres. Mas não vejo acontecer um grande progresso de pensamento anti-machista. Mas esta é uma coisa que não é para agora. É um trabalho que deve ser elaborado, em luta, ao longo dos anos. É importante haver crianças que entendam que o espaço das mulheres é o mesmo que o dos homens”, frisa.
A artista segue sua colocação explicando que tem o desejo de ver “mulheres que quebram mitos e barreiras. Sinto que a todo momento estamos sendo pressionadas pela sociedade e de diversas maneiras. Então, é importante haver a voz de uma mulher contado as suas experiências ou abrindo de forma intima como ela se sente em relação ao mundo”. Sobre o roteiro que escrevera diz ser “algo muito pessoal, mas que se relacionada a qualquer mulher”. Bruna escreve desde sempre, ainda que o formato dramaturgia tenha-lhe sido apresentado durante a faculdade. A montagem de “Ela Sonha” ainda é inédita. Dirigida por Ana Kfouri, a encenação acabou restrita às plataformas digitais, por decorrência da pandemia.
É vezeiro que mulheres, a fim de serem validadas dentro de uma sociedade machista, recebam rótulos masculinizados. Muitos se referem, por exemplo à roteirista Lícia Manzo como “Manoel Carlos de saias”. Algo semelhante acontece com Fátima Guedes, cantora oitentista, cuja sensibilidade valeu-lhe a alcunha de “Chico Buarque de saias”. Para Bruna Altieri, rótulos como este “absurdos. Não concordo. Mulheres têm assinatura própria, não são cópia ou reprodução de nada ou de ninguém”.
Eu vejo na internet a mulher sendo muito julgada e a todo tempo e acabam não tendo tanta voz, ou credibilidade. Quer por conta da roupa que vestem, quer pelos conteúdos que postam nas redes sociais. Acho isso absurdo! – Bruna Altieri
Outro assunto que pauta a discussão de Bruna é a objetificação do corpo feminino e a ótica moderna sobre a discussão de temas como machismo e racismo. Exemplificou que alguns episódios da famosa série “Friends”, hoje seriam proibitivos, justamente pelo discurso preconceituoso. De igual maneira, observou o quanto é problematizado na TV quando personagens mulheres relacionam-se com homens mais novos. O contrário, quando ocorre, não entra em discussão. O público naturaliza haver um homem mais maduro com moças mais jovens. É algo que “não é criticado ou malvisto”.
INFLUENCER
Bruna possui 1 milhão de seguidores. Como lidar com tanta gente observando suas postagens e seguindo seu way-of-life? “Passei a investir mais nas redes sociais antes da pandemia, quando eu postava fotos pessoais. (…) Depois, eu comecei a me expressar mais mostrando meu dia a dia de forma natural. Hoje em dia entendo que, enquanto artista, para você poder ser visto, é necessário trabalhar bem as suas redes sociais, fazendo delas uma espécie de portfolio mesmo. Eu procuro sempre ser eu mesma, mostrar coisas mais artísticas, trabalhos meus, mostrar-me em cena, dar uma mesclada (nos conteúdos). Isso humaniza o ator”.
Obviamente, em face da exposição que as redes sociais trazem, a atriz já foi alvo de hate, ainda que procure não se envolver em polêmicas. “Eu gosto de deixar as coisas claras, mas é inevitável quando se é uma pessoa pública. Às vezes acontece, não é algo que esteja no seu controle. Não é necessário você fazer algo negativo para receber hate. Às vezes, uma foto basta para gerar comentários negativos. No passado isso acontecia mais de haver gente me xingando no Direct ou comentando algo maldoso nas minhas fotos. Geralmente esses comentários são feitos por contas fake. Eu tenho uma frase que é “Nem o perfeito é perfeito o suficiente Não importa o quão incrível seja algo que você poste. Haverá alguém que vai ler e destacar algum defeito. Hoje lido com isso de maneira melhor”.
Bruna Altieri é fruto de uma família plural. Seu pai é italiano, porém vinculado com a família que tem raízes norte-americanas. Aprendeu inglês com ele e por isso tem o idioma como uma língua nativa. Sua mãe é brasileira e com ela aprendeu português e conheceu a cultura nacional. Exposta a várias culturas, a atriz se firma como mais um nome a compor a pluralidade identitária da cultura brasileira.
Artigos relacionados