As duas faces de Jeronimo Martins: ginecologista e ator, ele é vilão em ‘Salve-se Quem Puder’

* Por Carlos Lima Costa

Quem assiste a novela Salve-se Quem Puder, não imagina que Jeronimo Martins, intérprete do vilão Edu, se divide entre duas paixões profissionais, que muitos devem considerar incompatíveis até mesmo por conta da logística de tempo. Mas há mais de duas décadas, mesmo quando está na corrida rotina das gravações em estúdio, esse gaúcho de São Borja, exerce também a profissão de médico. O fato acaba rendendo situações curiosas no consultório, quando o artista de 44 anos, que fez especialização em Ginecologia e Obstetrícia, recebe uma nova paciente. “É engraçado, elas não falam de cara, ficam tímidas. Esperam a consulta terminar, aí começam a mexer na bolsa, tiram o celular de dentro e perguntam: ‘O senhor não é o ator da novela?’ Aí pedem para tirar uma foto comigo”, conta. E prossegue: “Às vezes, perguntam se tenho um irmão que faz novela. Faço muito pré-natal. Elas ficam felizes, dizem que vão contar para as amigas que o médico delas está na TV”, explica.

Jeronimo nutre paixão pelas duas profissões, mas confessa que a atuação faz o coração bater mais forte. “São duas profissões completamente diferentes que eu amo. Adoro o dia a dia na clínica, atender. Mas como ator é quase uma dependência física. Quando não faço nenhum trabalho como intérprete sinto uma abstinência, fico de mau humor. Por mais que esteja interpretando é onde sinto uma grande entrega. Meu sonho de consumo é conseguir ter uma estável carreira de ator com estabilidade financeira. E aí continuar meu trabalho como médico de maneira mais assistencial, colaborando em uma ONG”, admite ele, que no teatro esteve presente em peças como O Julgamento Secreto de Joana D’Arc, de Aimar Labaki.

“Ser ator é quase uma dependência física. Quando não faço nenhum trabalho como intérprete sinto uma abstinência, fico de mau humor”, admite Jeronimo (Foto: Thiago Bugallo)

As duas profissões estiveram mais misturadas quando ele representou o clínico geral Paulo Henrique, protagonista da primeira temporada de Segredos Médicos, do Multishow, que atualmente pode ser conferida na Globoplay. A série de 2014 foi seu primeiro trabalho em televisão. “Como sou médico, isso foi um plus, em cena eu sabia como me comportar. Nas improvisações me ajudou ter esse conhecimento técnico. Mas quando ligava a câmera, não era eu em cena, virava uma interpretação. Havia uma impessoalidade, não existia uma confusão na hora de atuar”, assegura ele, que fez sua estreia na TV aberta vivendo um piloto de avião no primeiro capítulo da novela Alto Astral, no mesmo ano.

O vilão da atual trama das 19 horas é seu personagem de maior destaque em novelas. Antes dele, já havia chamado atenção como o piloto Giba Vale, que rivalizava com Apolo, papel defendido por Malvino Salvador, em Haja Coração. “Na primeira fase de Salve-se Quem Puder, o Edu era capanga e amante da Dominique (Guilhermina Guinle). Nessa segunda fase, isso ficou meio em segundo plano e o personagem cresceu muito, se tornou ainda mais vilão. Ele apronta um monte de bizarrices e falcatruas”, analisa.

A novela está prevista para ser exibida ate o final de julho. Mas a fase final da trama das 19 horas já está gravada. Esse processo foi meio complicado, porque as gravações eram no Rio e o trabalho como médico, em São Paulo, aonde mora há 16 anos. Ele já era ator profissional, quando na capital São Paulo se formou na Escola de Arte Dramática da USP. Quando as gravações foram retomadas no meio da pandemia, aí sim ele precisou focar na carreira de ator, cancelando sua agenda na clínica de um plano de saúde aonde dá expediente.

Nessa fase, optaram por não ter esse vai e vem. Assim, entre agosto e dezembro, se manteve confinado em um hotel, no Rio, de onde saia para gravar. “Antes, eu ficava três, quatro dias em cada lugar. Era cansativo, mas fazia isso. Quando precisava cancelar alguma consulta eu avisava com antecedência e transferia para outro dia. Em caso de urgência, nenhuma paciente ficava desassistida, porque lá existe uma equipe médica”, ressalta. Hoje, cuida apenas do pré-natal, não realiza mais partos. “Parei porque essa logística ficava difícil”, diz

O ator também é médico, especializado em ginecologia e obstetrícia (Foto: Thiago Bugallo)

Em novembro, no que era para ser uma rápida passagem por São Paulo, ele acabou contraindo o vírus da Covid-19 e precisou se ausentar do estúdio, retornando somente após zerar o PCR. “Por sorte, tive apenas sintomas leves”, explica ele, que hoje em dia, por ser médico, já foi imunizado com as duas doses da vacina da Coronavac. Caçula da família, ele tem duas irmãs dentistas e dois irmãos médicos. Todos tiveram a doença. “Sou solteiro, moro sozinho, então, pude me isolar de forma tranquila sem passar a doença para ninguém da família”, frisa. O pai, Emir Martins, morreu quando ele tinha apenas dois anos de idade. A mãe, Orizontina Martins, vive em Porto Alegre, onde também já foi vacinada e não teve a doença. Jeronimo, aliás, ficou um ano sem encontrar a mãe. Ele havia passado o Natal de 2019 ao lado dela e a reencontrou no Natal do ano seguinte, quando já estava curado da Covid. Em 2021, estiveram juntos no Dia das Mães, 9 de maio, data do aniversário de Jeronimo, quando completou 44 anos.

Quando a pandemia começou, em março do ano passado, as gravações de Salve-se Quem Puder foram interrompidas, o trabalho como médico também diminuiu, na clínica aonde trabalha, no bairro da Sé. “Foi muito complicado no início. Optaram por cancelar as consultas, a maior parte ficou sendo por vídeo. Mesmo não sendo linha de frente, com pessoas hospitalizadas, podia chegar alguém e ter o diagnóstico lá. Vivemos na pele um momento muito triste da nossa história. E, no início, não tínhamos muitas informações, não sabíamos as consequências, então, ía trabalhar com receio. A sorte é que moro sozinho, como falei, então, podia continuar trabalhando sem colocar ninguém em risco”, recorda.

“Sou solteiro, moro sozinho, então, quando tive Covid pude me isolar de forma tranquila sem passar a doença para ninguém da família”, relata Jeronimo (Foto: Thiago Bugallo)

E continua: “Quando decidiram retomar as gravações, fiquei pensando como seria, porque tem muito contato pessoal, fiquei com medo, mas o protocolo na Globo era muito rígido, ensaiava de máscara, qualquer suspeita de Covid, a equipe toda  parava”, recorda.

“A profissão do ator é instável, então, eu me sinto privilegiado por poder conseguir exercer as duas profissões. Tenho amigos que são só atores que estão passando necessidade, sofrendo, praticamente na miséria. Por mais estressado que eu possa me sentir, agradeço, porque durante a pandemia eu pude exercer as duas profissões e é triste ver amigos passando necessidade”, reflete.

Estar no palco foi sua primeira paixão, afinal aos seis anos começou a fazer teatro amador em paralelo com o colégio. A estreia profissional, aos 20 anos, com a peça Dom Leandro, na cidade de Pelotas, enquanto cursava Medicina na Universidade Federal dessa cidade, no Rio Grande do Sul. Formado em 2001, ele estudou mais três anos para se especializar em ginecologia e obstetrícia.

“Me sinto privilegiado por conseguir exercer as duas profissões na pandemia. Tenho amigos que são só atores que estão passando necessidade, sofrendo”, explica o ator e médico Jeronimo (Foto: Thiago Bugallo)

O sucesso em Haja Coração, acabou rendendo um convite para trabalhar em Portugal, onde gravou o piloto de duas webséries, Mistura A Três e Dicas de Julia. Com essa dupla vida profissional, Jeronimo não é pai. “Já pensei em ter um filho, mas estava envolvido com outras questões e não aconteceu. Hoje, já não penso, pelo menos por enquanto. Atualmente, na pandemia, ter uma relação já é difícil, estou sempre trabalhando, então, é uma ideia que deixei no passado. Exerço esse lado paterno com meus oito sobrinhos”, revela ele, que planeja retornar aos palcos em 2022.