* Por Carlos Lima Costa
Radicada nos Estados Unidos durante cinco anos, Gabi Spaciari realizou diversas atividades profissionais para se sustentar e se aprimorar em cursos de cinema visando realizar seu sonho de vencer na carreira artística. Foi de garçonete a motorista de uber. Perseverante, em outubro, viu sua maior vitória, até, então, ser consolidada. Com o dinheiro que foi ganhando, ela produziu Broken Hills, filme no qual assina o roteiro e atua, e com ele conquistou o prêmio de Melhor Curta Internacional no Los Angeles Brazilian Film Festival 2020. “Me deu exatamente a sensação de que não estou caminhando em vão, de que estou plantando algo. Este reconhecimento é um incentivo para continuar acreditando nas ideias e trabalhando para isso”, pontua.
Mas em tempos de pandemia, como o evento aconteceu de forma online, a atriz de 29 anos não pôde experimentar a sensação de atravessar o tapete vermelho, ser fotografada e fazer discurso para uma plateia lotada. “Vou ter que continuar trabalhando, pra poder ganhar outro prêmio e saber como é essa sensação”, diverte-se.
Todas as experiências para ela tem sido válidas. Afinal, foi justamente em suas andanças como motorista de uber que surgiu a ideia do roteiro. “Fui deixar uma porn star, Bonnie Rotten, que é superfamosa, na casa dela, em Beverly Hills. Quando soube que eu era atriz, falou que também era, só que dá indústria adulta e comparou nossas carreiras. Após esse encontro, me veio a ideia de fazer uma história sobre uma menina que vai para os Estados Unidos, vira webcam girl, e acaba descobrindo que o pai é um hipócrita, pois sustenta uma amiga dela, sendo que ele é da igreja. Contei a história do roteiro para o Edmilson Filho, do Cine Holliúdy, que mora em Los Angeles e ele se ofereceu para dirigir”, lembra. A partir daí, ela escreveu um roteiro para cinema. “Sempre gostei de escrever, mas nunca pensei em fazer um roteiro de cinema. Fiz ainda a produção sozinha. E, cercada de profissionais muito bons, deu tudo certo”, frisa.
E acrescenta: “Sou muito pé no chão, cheguei lá para estudar (durante um ano, Gabi fez aula de interpretação para cinema, no Edgemar Center for the Arts, em Santa Mônica) e as pessoas foram me incentivando a ficar para tentar trabalhar. Então, às vezes, a gente acha que Hollywood é muito difícil, parece algo tão abstrato, mas se batalhar, você vai encontrar oportunidades. É ter pé no chão. Não pode nunca parar de estudar e, claro, tem que saber aonde você está também. Não achar que vai competir com a Julia Roberts”, comenta.
Gabi sempre teve esse espírito de enfrentamento. Aos 16 anos, deixou a casa dos pais, em Cambira, no Paraná, e foi para São Paulo. Posteriormente, na capital do Estado, se formou em Artes Cênicas, na Unicamp. “Queria passar um ano sabático, viajando, estudando, treinando outras culturas”, recorda. Trabalhando como atriz no teatro e gravando comerciais, foi guardando dinheiro durante três anos. Na época, devido a crise econômica, o dólar duplicou e suas economias reduziram pela metade. “Mas pensei: ‘Vou agora ou nunca mais’. Cheguei lá com dois mil dólares, então, eu, que aqui no Brasil já atuava como atriz, tive que, desde o primeiro mês, trabalhar em subempregos, fui ser garçonete, fiz curso de bartender, fui dirigir uber e comecei a dar aula de português. Eu tinha esses empregos ao mesmo tempo. O primeiro um ano e meio foi muito sofrido pra mim, sem fazer nada na minha área. Só tinha o visto de estudante. Quando consegui o de artista, para trabalhar, comecei a me reinventar. Nos dois últimos anos, comecei a conseguir realmente direcionar mais para a minha área, desenvolvendo um networking e deixando as outras coisas de lado.”
Ela aponta que trabalhar como uber nos Estados Unidos não é tão preocupante. “Pelo fato de ser mulher, trabalhar como uber no Brasil é mais difícil por conta da violência. Lá, essa questão da segurança é bem mais tranquila, mas também evitava, muitas vezes, dirigir à noite”, explica. E confessa que, às vezes, achava frustrante trabalhar horas e horas como uber, enquanto a carreira de atriz não se desenvolvia.
Quase um ano antes do curta ser premiado, Gabi participou de seu primeiro longa-metragem. Em novembro de 2019, veio para o Brasil filmar a comédia romântica Um Caso de Outro Mundo, ao lado de Nívea Maria. Voltou para Los Angeles, e em março, desembarcou novamente em São Paulo. “Eu peguei a pandemia lá no início, aí quando fechou tudo eu não queria ficar doente lá não sozinha, então, em três dias, fechei meu apartamento, deixei meu carro com uma amiga e vim embora”, conta. Recentemente, filmou Fora de Cena, do diretor João Kowalski, ao lado de nomes como como Douglas Silva e Hugo Bonemer. E em março/abril, vai rodar, em Maringá, O Armário Mágico, seu terceiro longa-metragem, com direção de Érico Alessandro. “Vou interpretar Raica, uma jovem nazista, brasileira. Ela defende com unhas e dentes essas ideias, acreditando que está fazendo o bem. Temos registros do nazismo aqui no Brasil, mas esta história é fictícia”, explica. Gabi, que precisa renovar seu visto de trabalho, deve retornar para os Estados Unidos, em abril. “Mas continuo fazendo testes por aqui. Se for pegando trabalho, eu vou ficando”, garante.
Gabi frisa algo que considera muito importante. “A gente tem que estar aonde a gente é feliz. Eu conheço brasileiros lá, que trabalham como atores, não são famosos, mas são felizes. Pra mim, estar lá, é principalmente criar um networking de produção, sabe, de estar sempre saindo da minha zona de conforto, aprendendo, trazendo as coisas que aprendo de lá para cá, trabalhando aqui e lá. Tem muita coisa para crescer no nosso cinema, a Netfliz, a Amazon, as plataformas de streaming no geral que estão vindo e abrindo muito mercado. Então, daqui mesmo podemos atingir mercados internacionais. Eu sou feliz em todo lugar (risos), hoje, principalmente porque criei essa rede de profissionais brasileiros. É possível sim ser feliz e criar uma vida nos dois lugares”, frisa ela, que nesses cinco anos esteve poucas vezes no Brasil para visitar a família.
Atualmente, ela também faz tradução também para uma empresa de videogame. “São cinco anos de história. Quando fui para lá, as pessoas falavam ‘você não volta mais’. Eu dizia ‘imagina, eu sou brasileira’. Mas para mim, foi muito bom a independência financeira, Tive oportunidades. É um país onde você planta e colhe”, acrescenta sobre os Estados Unidos.
Na parte afetiva, quando foi para Los Angeles, namorava um ator aqui no Brasil. Sete meses depois, o romance terminou. “Fiquei e continuo solteira. Mas sozinha nunca (risos). Basicamente a minha vida é bem focada no trabalho e sempre que eu estou lá, tenho essa sensação de que não posso perder tempo, porque é difícil você estar longe sozinha. Então, se achar alguém legal que venha para somar, ótimo, mas, às vezes, mais atrapalha do que ajuda. E estou construindo a minha carreira também. Hoje, estou em São Paulo, logo estarei em Los Angeles. Então, você acaba conhecendo pessoas legais, mas é difícil se envolver, se prender, sendo que a sua vida também está se definindo.”
Não tem hora que bate uma solidão, por exemplo, quando chega em casa e não tem ninguém para compartilhar as conquistas? “Tive isso bastante no começo. Quando cheguei em Los Angeles, tinha momentos em que desenvolvia dois trabalhos. Quantas vezes, chegava no final do dia dirigindo para casa sozinha, uma da manhã, chorando no carro, sabe, de cansaço, de falar ‘meu Deus, o que estou fazendo?’ Ninguém está me vendo, será que eu tenho que passar por isso mesmo? É até meio louco falar isso, porque a gente não tem certeza de nada. Mas comecei a fazer teatro com 12 anos, em Cambira, no Paraná, uma cidade com seis mil habitantes e quando decidi que desejava ser atriz, entendi que para isso ia ter que abrir mão de muita coisa. A primeira, foi o convívio da minha família, quando vim morar em São Paulo muito nova. Então, em nome do sonho, você vai resistindo”, avalia.
Quando seu curta foi premiado, contou a novidade na rede social, onde foi parabenizada por muitos amigos. “Você acaba suprindo as suas necessidades com as outras pessoas e acaba entendendo que o mundo todo é a sua família, é meio isso que eu criei pra mim para poder resistir a essa solidão que a gente passa em algum momento. E a gente vai se acostumando, aprendendo a lidar com ela”, aponta.
Mesmo sendo mulher e tendo ido sozinha batalhar por seus sonhos, nunca viveu nenhum situação de assédio ou perigo. “Como já tinha trabalhado em São Paulo e saí de casa com 16 anos, quando cheguei em Los Angeles, já tinha uma malícia de morar sozinha. Mas, lógico, fiquei mais atenta, porque tem pessoas do mundo todo, diferentes culturas, mas não passei por nada que tenha me colocado em perigo”, garante ela que está desenvolvendo uma websérie.
Artigos relacionados