Após ser mãe, Bruna Spínola retorna à TV, lança filme ‘A Filha do Caos’ e fala sobre a invisibilidade social no país


A atriz, que entrou esta semana no elenco de “Cara e Coragem”, novela da Globo, vive momento profissional fértil, depois de ficar mais de dois anos se dedicando à filha Maria Luísa, do casamento com o diretor René Sampaio. O longa-metragem, no qual atua e assina a direção executiva, aborda o preconceito que leva à discriminação nas ruas: “Quantas vezes passamos por isso? Diariamente quando as pessoas param em um semáforo e têm medo de ser assaltadas ou fecham a janela de um carro por uma criança que está vendendo doce. Todo mundo, na correria, para trabalhar, ganhar dinheiro pra pagar contas, finge que não enxerga muitas coisas”. Ela diz que o novo trabalho é resultado de sua inquietação diante de caixas que vinha sendo colocada. “Queria sair do estereótipo do que tinha feito, muita menina boazinha, romântica, sonhadora”, frisa

* Por Carlos Lima Costa

Atriz de novelas como “Pega Pega” e “Orgulho e Paixão”, Bruna Spínola está de volta às novelas. Ela entrou esta semana no elenco de “Cara e Coragem”, após grande mudança na vida: se tornou mãe de Maria Luísa, do casamento com o diretor René Sampaio. Após passar os últimos dois anos cuidando da filha, ela vive um momento profissional fértil. Além da trama global das 19 horas, vai apresentar, dia 12, no Festival do Rio, o longa-metragem “A Filha do Caos”, no qual, além de atuar, assina argumento, direção de arte e direção executiva, sendo as últimas duas funções pela primeira vez. Um projeto que surgiu de sua inquietação diante de caixas que muitas vezes os artistas são colocados.

No longa, sua personagem vê uma moradora de rua com o filho morto no colo, só que ela está atrasada para uma entrevista importante e passa reto, não ajuda. “Isso é um pouco do que a gente, às vezes, faz na vida. Mas, ela fica frustrada com isso, porque perdeu um filho. Essa situação serve como um gatilho para entrar em uma crise profunda existencial sobre a maternidade, sobre sua condição de mulher e resolve não estrear a peça. A gente dialoga um pouco com o cotidiano quando colocamos essas questões. Quantas vezes passamos por isso? Diariamente quando as pessoas param em um semáforo e têm medo de ser assaltadas ou fecham a janela de um carro por uma criança que está vendendo doce. Todo mundo, na correria, para trabalhar, ganhar dinheiro pra pagar contas, finge que não enxerga muitas coisas. Claro que sozinho ninguém vai resolver todos os problemas do mundo. Mas ele está tão violento e perigoso que a gente acaba tendo medo de tudo e muitas vezes a gente se fecha para ajudar uma pessoa realmente necessitada. O filme traz esse questionamento também”, reflete.

Depois de participar do filme “Let’s Play Jazz”, para o Canal Brasil, ela começou a conversar com Juan Posada, diretor do longa, sobre o desejo de fazer algo diferente como atriz. “Queria um papel que me desafiasse e achei que deveria ir atrás disso, porque, às vezes, as pessoas nos colocam em papéis convencionais, parecidos com o que elas acham que conseguimos fazer. Queria sair um pouco do estereótipo do que tinha feito, muita menina boazinha, romântica, sonhadora. Depois deste filme, por coincidência, fiz uns trabalhos diferentes como uma viciada na série ‘Impuros’”, ressalta.

Após dois anos se dedicando a filha, Maria Luísa, Bruna retorna às novelas em Cara e Coragem (Foto: Sergio Baia)

Bruna desejava falar sobre as inquietações como mulher, sobre o processo de trabalho de atriz, as crises e inseguranças. Escreveu um argumento, apresentou a Juan e três meses depois começaram a conversar sobre o projeto. “‘A Filha do Caos’ pra mim é um lugar de experimentação, inclusive, como atriz, porque é um papel denso. Maria é uma atriz que está em conflito com as suas escolhas, com sua trajetória e se coloca para fazer o maior desafio da carreira dela no teatro, interpretar Jocasta, do ‘Édipo Rei’. Ela está em crise e a caminho do teatro, fala das inquietações como atriz, diz que é um processo esquizofrênico, porque a gente vive outras personagens. Às vezes, eu Bruna, vivo um pouco isso, me pego passando texto, observando outras pessoas, fazendo um corpo que não é o meu, um caminhar diferente, então, é você lidar com essas várias vozes na sua cabeça”, comenta.

Antes deste longa, já havia feito outros roteiros. Um virou revista em quadrinho. Em outra ocasião, colaborou no argumento de “Amor Ao Quadrado”, especial de final de ano da Globo, dirigido por seu marido. Neste projeto, ela não esteve como atriz. Bruna foi dirigida por René no longa-metragem “Eduardo e Mônica”.

“Eu sou muito objetiva, prática, produtora. Quando quero algo, vou atrás e resolvo”, conta Bruna (Foto: Sergio Baia)

Bruna, que se define como “inquieta”, gosta de se experimentar em variadas áreas, de estar sempre fazendo cursos quando tem tempo. Já fez de fotografia, edição de vídeo, produção. Ela, por exemplo, cogita também trabalhar como diretora. “Comecei a sentir vontade de me expressar artisticamente além do campo da atuação. Um amigo até me chamou para dirigir um curta-metragem, mas o projeto precisa de verba para acontecer. Sou muito observadora. Quando estou desempenhando meu papel de atriz, observo outras funções, os diretores trabalhando, então, tenho vontade, mas quero me preparar mais antes disso acontecer”, explica ela.

Tudo isso decorre de sua personalidade. “Eu sou muito objetiva, prática, produtora. Quando quero algo, vou atrás e resolvo. Claro, a gente sempre tem dentro da gente os sonhos, a parte lúdica, mas trago todos eles, aterrisso e tento resolver as questões. Sou bem resolvida no meu dia a dia, organizada. Não sou de astrologia, mas coincidentemente sou virginiana, dizem que tem um perfeccionismo por aí. E sou muito família, gosto do dia, de acordar cedo, de esporte, natureza. Adoro ir para a praia, o mar, a montanha, fazer trilha. E também de estar em família, seja a de sangue ou com os amigos que a gente escolhe como a nossa família. Adoro fazer um jantar em casa, cozinhar para as pessoas. Sou uma pessoa leve”, assegura.

TRANSFORMAÇÕES DA MATERNIDADE

No momento, está focada em “Cara e Coragem”, quando pela primeira vez experimenta estar menos com a filha. A novela não é exatamente o primeiro trabalho dela, após dar à luz Maria Luísa. Ela participou de “How To Be A Carioca”, série ainda inédita, da Star+, mas como gravou apenas um episódio, não lhe demandou muito tempo. “Durante todo o período da pandemia, ficamos 24 horas por dia juntas. Mas se preciso ir a algum lugar, eu nunca sumo, sempre dou tchau para ela, explico que vou sair, o que vou fazer. Ela entende que eu saio e que eu volto. Lia muito que algumas mães simplesmente saem correndo para ser mais rápido e a criança chora muito, fica insegura. Assim, quando você está presente ela fica agarrada, com medo de você fugir de novo. Mas assim, antes da maternidade, conseguia trabalhar, ir ao teatro ao cinema, jantar fora, ter uma vida social, sair com amigos. Agora, vou na Globo gravar e quando retorno, o tempo que eu tenho livre ele se torna todo para a minha filha, enfim, são prioridades”, pontua.

Ela conta que tem dias que a filha lhe pede para ficar em casa. “Ela fala: ‘Não vai, hoje, mamãe’, ai eu penso: ‘Puxa vida’. Mas é importante. Gostei muito de ter me dedicado esse tempo todo a ela. Foi importante amamentar, passar por todo processo de criar esse laço, a maternidade me completa, mas gostei de voltar a trabalhar. É importante esse equilíbrio, conseguir sair com a cabeça boa pra trabalhar, porque gosto muito do que faço. E, quando volto, ela está morrendo de saudade, me conta as novidades de seu dia”, relata.

Bruna Spínola com a filha, Maria Luísa, e o marido, René Sampaio (Foto: Reprodução Instagram)

E se derrete ao falar sobre a maternidade. “É desafiante ser mãe, tem dias em que fico esgotada, cansada, mas sou muito feliz. Embora não tenha idealizado, foi a realização de um sonho, apesar de tudo que envolve, as dificuldades, as noites mal dormidas. Hoje em dia que ela está maiorzinha, me coloco o tempo todo me questionando escolhas, como educar, como agir em determinadas situações, o que fazer para ter um mundo melhor para a minha filha viver, que mundo estou preparando para ela, que educação quero dar”, explica. E vivendo em país machista aponta sobre que mundo espera para Maria no futuro.

“Eu sempre tenho esperança de encontrar algo melhor. Temos vivido tempos sombrios, esses últimos anos foram difíceis. Assim, tenho pensado muito em como preparar a minha filha para o mundo que a gente vive, a realidade difícil para a mulher. Por exemplo, minha filha é muito alegre e aberta para as pessoas, fala com todo mundo na rua. Mesmo com quem não conhece, ela é receptiva e eu me preocupo com várias questões, com abuso, por exemplo. Então, eu e meu marido estamos sempre pensando na criação, sobre o que fazer. Parece besteira, mas um de nós está sempre por perto dela. Pode ser que a gente erre em algum lugar, aliás, é muito possível, mas pelo menos estamos atentos para prepará-la para os desafios do mundo e da vida”, analisa.

Gostei muito de ter me dedicado esses dois anos à minha filha. Foi importante passar por todo processo de criar esse laço, a maternidade me completa, mas gostei de voltar a trabalhar. É importante esse equilíbrio, conseguir sair com a cabeça boa pra trabalhar, porque gosto muito do que faço. E, quando volto, Malu está morrendo de saudade, me conta as novidades de seu dia – Bruna Spínola

Aos 35 anos, Bruna conta que já sentiu na pele o assédio moral decorrente do machismo no Brasil. “Em relação a assédio moral, claro que já fiz um trabalho ou outro, que as pessoas são mais ríspidas, grossas, mas se tem algo acontecendo, tento sempre falar com respeito, equilíbrio, então, nunca me coloco em situações de muito conflito. Fiz uma peça com sete mulheres e cada uma queria uma coisa. Eu era aquela que estava no meio, porque nada na vida pode ser do meu jeito ou do seu. Temos que encontrar sempre um meio termo. Agora, trabalhei com diretores Papinha (Rogério Gomes), Luiz Henrique Rios, Marquinhos Figueiredo e equipes muito legais”, observa.

“Não tive nenhum caso de abuso sexual. No mundo que a gente vive, isso é sorte”, afirma a atriz (Foto: Sergio Baia)

REENCONTRO COM COLEGAS DE “PEGA PEGA” EM “CARA E CORAGEM”

Agora, de volta aos Estúdios Globo, em “Cara e Coragem”, reencontrou vários colegas com os quais trabalhou em “Pega Pega”: Marcelo Serrado, Rodrigo Fagundes, Mariana Santos, Jeniffer Nascimento, Julia Lund. “É muito legal trabalhar com quem a gente gosta e tem intimidade. ‘Pega Pega‘ foi uma novela muito gostosa. Até hoje temos nosso grupo no WhatsApp, a gente se fala diariamente, com o (Marcos) Caruso, a (Elizabeth) Savalla, a Irene Ravache, a Vanessa (Giácomo). Todo mundo se dá feliz aniversário. Foi um trabalho especial e essa novela agora também está sendo”, afirma.

Na trama das 19 horas, Rebeca (Mariana Santos), que foi criada em orfanato, descobre a mãe, Célia (Stella Freitas) e que tem uma irmã, Fernanda, personagem de Bruna. “Ela é uma mulher forte. Ela trabalha, tem uma barraquinha em Copacabana, acorda cedo, um dia a dia parecido ao de muitos brasileiros. Fui procurar e compor a minha Fernanda, em Madureira, conversei com várias pessoas que tem ali um trabalho árduo, difícil, ficam o dia inteiro em pé na rua, no sol e calor do Rio de Janeiro. Mas se orgulham disso e não tem medo de trabalho. Acho que entra ali para ser um contraponto com a Rebeca. No início, as duas se enfrentam, ela a considera muito dondoca, com valores diferentes, mas aí começam a se acertar”, entrega.

Bruna Spínola revela que planeja um dia se experimentar como diretora (Foto: Sergio Baia)

Bruna, então, faz uma comparação entre ela e a personagem. “A Fernanda é uma mulher batalhadora, forte, convicta dos seus valores. Me identifico nessa questão dos meus valores, na persistência, em não ter medo de trabalho. Mas ela é muito diferente de mim no jeito que anda, em como se veste, fala, no jeito que se movimenta. Eu sou calma, ela é mais agitada”, diz.

SÉRIES DESAFIADORAS

E relembra a participação na série “How To Be A Carioca”. “Cada episódio é uma história diferente de uma pessoa de outra nacionalidade que se muda para o Brasil. Em um deles, interpreto a mãe de um rapaz racista, que entra em conflito com o menino que veio de Angola. O episódio fala um pouco sobre o tema”, conta ela, que condena o preconceito.

Não consigo entender como em 2022, com tanto acesso à informação e à história, ainda existam pessoas racistas, porque todos nós somos iguais, temos direitos de ir e vir, de andar em todos os lugares – Bruna Spínola

Bruna recorda também os desafios de interpretar Rebeca, na série “Impuros”, último papel antes da pandemia. “Era um universo totalmente diferente do meu, uma viúva, mãe de um garoto de nove anos. Na época, ainda não tinha filho. Eu não fumo e a personagem fumava, cheirava, era viciada em cocaína. Tive que aprender a tragar, fumar. Nesse sentido foi difícil. Assisti filmes sobre o tema, depoimentos de pessoas, me ensinaram como enrolava o negócio, como cheirava. Fumar eu achei o mais difícil, porque tinha que tragar, mas a produção me dava um cigarro de alface. Agora, gravamos em uma casa que era cheia de bituca de cigarro pelo chão. Era como se ela tivesse fumado tudo aquilo. Um dia catei uma, mas não era de alface, era de verdade e eu não sabia. Quase morri quando dei uma tragada, tossi pra caramba. Também foi difícil me colocar na posição de uma mulher, que deixou um filho de nove anos, que vivia sozinho, pra ela conseguir a droga dela. Foi impactante”, finaliza.