Após lançar livro, Bruna Lombardi segue escrevendo para streaming e descarta volta às novelas: “Não me vejo fazendo”


Bruna Lombardi, uma figura icônica da cultura brasileira, é lembrada não só por sua beleza, mas por sua profunda sensibilidade artística. Conhecida por trabalhos significativos como “Roda de Fogo” e “Grande Sertão: Veredas”, Bruna tem se dedicado à escrita e à produção de séries, como “A Vida Secreta dos Casais”. Após lançar “Manual para Corações Machucados” e liderar uma série da HBO, ela compartilha que prefere a síntese da poesia e da crônica à extensão das novelas. Bruna também se destaca como palestrante, abordando temas universais e inspiradores, afirmando que busca, através de sua arte, fazer a diferença na vida das pessoas. Sobre as novelas de TV, das quais está fora desde 1986 – ainda que tenha feito participação em “De Corpo e Alma”, e “O Fim do Mundo” e na série “O Quinto dos Infernos”, ela diz: “Não me vejo fazendo, mas eu acho muito lindo, ainda que ame os bons personagens, que são bons em qualquer trama”

por Vítor Antunes

Após lançar um livro de crônicas, “Manual para Corações Machucados”, e estar à frente da série para o streaming “A Vida Secreta dos Casais”, Bruna Lombardi já escreve a terceira temporada da história criada por ela e o filho, Kim Riccelli, que também assina a direção ao lado de Carlos Alberto Riccelli. Um dos eixos dramáticos será uma abordagem sobre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Bruna Lombardi – que tem outros cinco nomes próprios antes do sobrenome: Bruna Patrizia Romilda Maria Teresa Lombardi – foi “pisando no medo até chegar na coragem”, como diz um de seus poemas. Atualmente, pode ser vista em “Roda de Fogo”, no Globoplay, gravada em 1986. Desde então, optou por não atuar em uma novela completa. E, em entrevista exclusiva, descarta a possibilidade de voltar ao gênero, quer como atriz, quer como roteirista. “Eu admiro muitos autores de novela porque sei como é duro escrever, sobretudo, porque eles precisam alongar uma trama. Eu gosto de escrever séries, por gostar de escrever em síntese, já que venho da poesia e da crônica, que é falar muito em poucas palavras. Para mim é difícil trabalhar com uma obra longa. [Como atriz], não me vejo fazendo, mas eu acho muito lindo, ainda que ame os bons personagens”.

Uma das frases do livro de Bruna, “Manual para Corações Machucados” diz que é preciso “olhar amorosamente o que somos, o que temos, os que seguem conosco”. Perguntamos, então, se ela tem esse olhar generoso para consigo. “Para ser honesta, eu já fui mais dura comigo, já fui uma pessoa que se cobrou muito. Quem se cobra muito acaba também cobrando muito dos outros, mas eu acho que isso foi se atenuando pela minha compreensão mesmo. Procuro fazer o meu melhor sempre, mas olho mais docemente para a vida”.

Fico maravilhada que os telespectadores tenham essa memória de mim, porque minha última novela faz muito tempo, 38 anos, e eu ainda estava de cabelo preto” – Bruna Lombardi

Bruna Lombardo descarta retorno às novelas e está há quase 40 anos fora do gênero (Foto: Divulgação)

Além da verve autora e atriz, que todos já conhecem, Bruna está trabalhando também como palestrante pelo Brasil afora: “Entrei numa roda-viva brutal. Tanto que no lançamento do livro eu não estava bem em São Paulo, depois no Rio já estava melhor, mas fadigada, nesse excesso. Estou sendo obrigada a negar trabalhos”. Mas, acrescenta: “O que eu quero, de verdade, é fazer alguma diferença no trabalho que faço diariamente através das redes, das palestras, dos livros, das séries, dos filmes, dos personagens, de qualquer coisa que eu fizer. Eu acho que cada momento é isso, se posicionar em algum lugar e tentar se traduzir. Como você vai me entender, eu não sei, mas tentei me traduzir”. E, nas palavras de Bruna, o que importa é a trajetória, já que não existe chegada. Essa é a tradução da vida.

Bruna Lombardi está produzindo mais uma série (Foto: Divulgação)

SOB O SIGNO DE VÊNUS

Uma das obras de Bruna Lombardi é o livro/filme “Sob o Signo da Cidade”, que foi inúmeras vezes premiado. Os místicos dizem que as mulheres estão regidas pelo planeta Vênus. Simone de Beauvoir (1908-1986) dizia que não se nasce mulher, torna-se mulher. Tudo isso para dizer que Bruna “tornou-se” quando decidiu escrever sobre sua mulheridade, tanto nas crônicas como em seus poemas. “Apesar de eu achar que poesia não tem sexo e que existe poesia boa e poesia não boa, quando escrevi o primeiro livro, os elogios que recebi dos intelectuais eram que eu escrevia bem e que por isso parecia um homem. Como se a prerrogativa da qualidade fosse exclusivamente do masculino, como se o que a mulher faz é menor”.

Eu já ouvi que era uma pessoa à frente do meu tempo. Eu me sentia pertencendo àquilo, mas horizontalizar um assunto costuma demorar” – Bruna Lombardi

Bruna Lombardi: “A História da arte invisibilizou as mulheres” (Foto: Divulgação)

Para Bruna, “sentimento é uma coisa que atinge a todos. E a poesia tem essa mesma função de entrar num lugar muito confidencial e fazer aquilo ficar mais consciente, mais coerente. A poesia tem uma delicadeza para fazer isso mais do que qualquer outro discurso e muito bem. O poema é realmente transformador, pena que ele seja sempre um canal à parte num mundo muito conturbado, complexo, violento. E, talvez por isso, a poesia se torne tão necessária”. Escrevendo conto ou crônica, “a gente dá um nome a esse formato, mas eu posso estar fazendo uma palestra, dando uma entrevista, escrevendo uma série, um filme, um livro… Todas estas são minhas maneiras de expressão, elas obedecem a temas mais do que um simples formato”.

“Já ouvi coisas assim de falar ‘não, mas a mulher na história da arte fez tão pouco’… Como se não tivéssemos sido podadas, invisibilizadas. Quando comecei a escrever, meu poema era voltado para a mulher. Hoje, como no livro recém-lançado, eles são temas universais” – Bruna Lombardi

Bruna Lombardi em “Roda de Fogo” (Foto: Bazílio Calazans/Globo)

VIVER COM INTENSIDADE

Bruna Lombardi esteve presente num dos papéis mais icônicos da teledramaturgia nacional, “Grande Sertão: Veredas” (1985), com direção de Walter Avancini (1935-2001) e roteirizado por Walther George Durst (1922-1997), com roteiro final do próprio Avancini. “Eu não me via, jamais me vi fazendo esse papel. Eu, assim, super mulher de cabelo não longo, mas ele me convenceu a fazer. Ainda que não tenha sido fácil. Quando eu recusei, ele falou que ia cancelar o projeto, bem daquele jeito dele, mas quando aceitei, mergulhamos juntos numa das coisas mais profundas da minha vida. Isso resultou em tanto, que dura até hoje o personagem. As pessoas que assistem hoje, novas gerações assistindo, que me escrevem, assim, eu fico boba de entender como a personagem segura. Mas eu acho que segura por isso, porque, primeiro, ele fez um trabalho de verossimilhança gigante, levou a gente para o sertão para viver no caminho, na rota do Guimarães Rosa mesmo, com luxo zero, vivendo igual a um jagunço, e foi uma experiência muito forte na minha vida, talvez a mais transformadora. Eu adorei o personagem, era deslumbrante. Tanto que escrevi, logo depois, um livro chamado “Diário do Grande Sertão“. E acho que escrevi para não enlouquecer.

Grande Sertão foi o contrário do que um sofrimento que pode aparentar. Fui apresentada a uma vida rústica, no básico da vida. Foi um deslumbramento, algo celeste. Foi como atingir o nirvana, na verdade” – Bruna Lombardi

Para Bruna Lombardi, “Grande Sertão” foi uma experiência excelsa (Foto: Divulgação)

Famoso por ser irascível, Walter Avancini não foi assim com a atriz. Mas também não foi gentil. “A natureza dele seria cruel, mas eu acho que eu entendi essa crueldade, que era a busca de uma excelência. Quando a gente fala em cobrança, a dele era no extremo, num extremo mesmo, não tinha mais onde ser. E como eu entendia isso, ele nunca foi cruel comigo, mas ele era exigentíssimo. E eu acho que eu entendia e correspondia porque me jogava como eu me jogo nas coisas, de uma forma voraz também. Eu também tenho esse mergulho alucinado dentro dos personagens e dentro de tudo que eu faço, mesmo coisas que não são tão visíveis quanto um personagem da televisão”.

Bela por sua própria natureza e condição de existir, Bruna é elogiada não só por ser bonita, mas pela beleza e o passar do tempo. Daí a pergunta: é elogio ou uma crítica-elogiosa lustrada com o verniz do etarismo? “Tudo o que a gente diz a quem quer que seja revela mais quando você diz algo para alguém do que quando se diz a si mesmo. Então, se a pessoa tem dentro dela temor, pesar ou preconceito, ela vai revelar de alguma maneira pelo que diz. Se ela não tem e está agindo de maneira espontânea, é outra forma de visão. A visão de cada um não é algo controlável por nenhum de nós. A maneira como uma figura pública é percebida foge totalmente do próprio controle. Não sabemos como isso pode ser percebido, mas como isso se posiciona. Eu busco passar, através da minha imagem, valores, temas e assuntos que possam fazer a diferença na vida das pessoas. Isso para mim é fundamental. Se as pessoas estão me achando bonita, fico muito contente, claro. Esse sintoma da beleza é muito gostoso, mas nunca foi o meu rumo, nunca foi a minha única estrela”.

Bruna Lombardi em “Grande Sertão: Veredas” (Foto: Divulgação/TV Globo)