*por Vítor Antunes
“Minha Família Perfeita” é o primeiro filme protagonizado por Isabelle Drummond no qual ela investe na verve comediante. Embora tenha participado de uma das maiores audiências do cinema nacional, o blockbuster “Se eu Fosse Você”, desta vez a atriz vive Denise no filme de Felipe Jofilly. Aborda as questões das relações familiares e as consequências das fake news dentro delas, além de reforçar a importância da família, principalmente em mundo tão afetado pela pandemia. O longa que hoje ganha as telonas foi rodado pouco tempo depois de concluídas as filmagens de “Sete Vidas”, dramática novela das 18h escrita por Lícia Manzo.
Além deste filme, Isabelle, que ainda está contratada à Globo, disse estar negociando a possibilidade de realizar um novo produto na casa. Faria a série “O Selvagem da Ópera”, a biografia de Carlos Gomes, mas o projeto foi descontinuado. Disse-nos ela estar tentando investir em outros segmentos artísticos como produtora e autora, mas preferiu ser discreta quanto a esses projetos. Todavia, confidenciou-nos que tanto ela como as co-protagonistas da novela “Cheias de Charme” – Taís Araújo e Leandra Leal – estarem desenvolvendo um projeto para levar as “Empreguetes” para o cinema.
A gente está com uma conversa para fazer este projeto, que está em desenvolvimento. Com a novela houve um impacto, uma ponte de transformação. Temo-la como a uma joia, razão pela qual há muita vontade de revivê-la tanto pelo que as pessoas nos pedem como pelo que a gente sente de contribuição ao cinema nacional” – Isabelle Drummond
MINHA FAMÍLIA PERFEITA
Isabelle Drummond relata: “Faz oito anos que a gente realizou este filme, um trabalho gostoso, já que tem muito das comédias americanas, pois que é um roteiro traduzido daquele país. Eu estava acabando as gravações da novela e investi no projeto, porque o filme era bem diferente. Apostei ainda mais nele quando soube que o elenco seria composto por pessoas que admiro muito, como Antônio Calloni, Zezé Polessa, Otávio Augusto, além do Rafael Infante”.
Com direção de Felipe Joffily e roteiro original dos americanos Daniel Shere e Victor Levin, adaptado por Leandro Matos e Saulo Aride, “Minha Família Perfeita” é a nova produção da Total Entertainment, que tem em seu currículo sucessos de bilheteria como “Se Eu Fosse Você”, “Assalto ao Banco Central”, “Divã” e “Amor.com”. O filme tem a Buena Vista International como co-produtora e distribuidora.
Fred (Rafael Infante) é um publicitário de sucesso e está prestes a se casar com Denise (Isabelle Drummond), o amor de sua vida. Mas ele tem um segredo: uma família completamente alucinada. Com medo de perder a noiva, Fred resolve contratar atores para representar sua família perfeita, mas o tiro sai pela culatra quando eles se mostram mais amalucados que sua família verdadeira. Para piorar a situação, Denise leva sua família para conhecer a “família fake” dele. A confusão está instaurada e Fred precisa revelar seu segredo para tentar salvar seu casamento.
A atriz é puro elogio ao diretor, Felipe Joffily, que, segundo ela “é um cara muito bacana de trabalhar. Ele nos ouve bastante e o projeto acaba tendo uma direção muito fluida”. Coincidentemente, os profissionais acabaram se reencontrando recentemente numa série da TV Globo criada para o YouTube, que chama-se “Novelei”. Neste meio tempo que o filme foi lançado. Outro merecedor do carinho da atriz foi seu par romântico no longa metragem, o ator Rafael Infante. “Ele é muito bom de trabalhar, um cara muito aberto, flexível, que encontrou o tom certo para o personagem. Sou fã do Rafa”, rende-se.
Perguntamos à Isabelle se o fato de o filme haver sido rodado há muitos anos atrás causa algum estranhamento e ela negou: “É bom olhar para trás e ver que eu já tive muito aprendizado depois disso. É uma fase muito diferente da minha vida. A gente estava numa outra estação. Eu já passei por tantas coisas”, pondera.
Embora reconheça ser muito mais jovem que é hoje, sua personagem imprimia maior idade, em razão de, na época, Isabelle haver acabado de fazer a novela “Sete Vidas”, na qual efetivamente devia aparentar ser mais madura. Segundo relata-nos que nada disso apaga o brilho do filme, cujo “resultado é muito bom e o longa tem muito gancho bom para comédia, que não é gratuita. O longa fala sobre família, sobre se amar a pessoa do jeito que ela é, além de um alerta sobre a questão das fake news. Acredito que foi bem escolhido o momento de lançá-lo.
O Brasil está precisando de comédia, especialmente depois de virmos desta ressaca pandêmica. A gente ficou muito tempo sem ir ao cinema e ao teatro, ficamos muito sem viver o lado de fora. E depois de tanta notícia pesada e difícil, este é o momento que as pessoas precisam ver algo mais leve – Isabelle Drummond
DOMÉSTICAS POP
Em 2012, Isabelle Drummond foi uma das três protagonistas de “Cheias de Charme”, novela plena em pioneirismos. Pela primeira vez, as personagens principais de uma novela eram empregadas domésticas. E não era apenas isto. Pela primeira vez, uma novela de televisão dialogava com as redes sociais e com a internet, já que o clipe musical que transformou as secretárias do lar em divas pop foi lançado primeiro na web. A novela fez absoluto sucesso naquele ano, onde não apenas denotava-se a ascensão da Classe C como a promulgação da PEC das Domésticas, que tinha como objetivo as leis que atendiam àquelas funcionárias.
Para a atriz que deu vida à “empreguete” Cida, a personagem foi “um presente da Denise Sarraceni e do Carlos Araújo. Uma das personagens mais desafiadores da minha carreira. A gente ia para palcos reais, como o extinto HSBC Arena. Era uma novela na qual tínhamos várias frentes criativas e onde podíamos experimentar bem isso como artista”.
Prossegue dizendo que “as personagens significaram muito para nós, porque eram mulheres muito simbólicas. A Penha, da Taís Araújo, vinha de uma favela. A Rosário, da Leandra Leal, era oriunda do subúrbio. E a Cida, minha personagem, embora morasse numa mansão, e fosse, supostamente tratada como uma “filha”, vivia encastelada ali dentro. Entre nós, a chamávamos de “Gata Borralheira” (…). Em “Cheias de Charme”, pela primeira vez, os fundos da casa foram abordados na teledramaturgia. As funcionárias domésticas sempre ficavam restritas àquele ambiente de trabalho e nós rompemos isso, mostrando o quarto delas, o dia a dia delas, o radinho de pilha que elas ouviam, o ônibus que elas pegavam, o caminho delas à padaria… Isso foi revolucionário, assim como o diálogo entre as novelas e as redes sociais”, comenta. A novela de Felipe Miguez e Izabel de Oliveira fez tão fragoroso sucesso que, segundo a atriz, o protagonismo das personagens colaborou para que fosse aprovada a PEC das Domésticas.
Promulgada em 2013, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Domésticas visava assegurar às trabalhadoras direitos como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com recolhimento de 8% do salário; jornada de oito horas diárias e 44 horas semanais, bem como pagamento de horas extras e recebimento de multa por demissão sem justa causa e intervalo durante o expediente. Porém, especialistas do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do DF e das Cidades do Entorno (Sintrado/DF) consultados pelo jornal Correio Braziliense relatam que “as alterações legislativas pouco modificaram a realidade de quem presta serviços do tipo, porque a grande maioria das trabalhadoras do ramo migrou para a informalidade e o número de empregadas com carteira assinada tem diminuiu enquanto que o de diaristas aumentou”.
A BONECA GENTE
Ainda muito pequena Isabelle Drummond estreou na televisão. Fora a filha de Ana Paula Arósio na densa “Os Maias”, de 2001, depois de haver feito uma ponta em “Laços de Família”, no ano anterior. Porém, seu talento foi reconhecido ainda nesta fase da vida, quando interpretara a famosa boneca-gente do Sítio do Picapau Amarelo: “Embora um infantil, o “Sítio” é muito complexo, do qual eu tirei proveito muito gostoso para mim e onde pude aproveitar daquele universo, tanto do Monteiro Lobato (1882-1948) como da literatura europeia, quando lançavam mão dos contos de Andersen (1805-1875). O “Sítio” foi incrível para mim, um período de grande aprendizado”, revela.
A atriz relata que diante do fato de ter “muito texto, às vezes eu esquecia e improvisava. Tudo aquilo acabou sendo gravado e ficou uma linguagem muito minha, inclusive alguns bordões nasceram de coisas criadas na hora”. Perguntamos se o bordão mais icônico da personagem, “o cara de coruja seca”, foi uma invenção da atriz mirim e Isabelle não soube precisar se isso aconteceu. Todavia, relatou que muitas cenas de improviso feitas entre ela e o Visconde de Sabugosa (Cândido Damm) foram exibidas sem cortes “Muita coisa maluca surgiu de liberdade que eles me deram”.
Perguntamos, igualmente, à atriz se ela está inteirada da recente problematização a qual viu-se alvo a obra de Monteiro Lobato, com acusação de racismo e outras intolerâncias. Ela disse: “Muito da consciência que temos hoje não se havia antigamente. Muitas das pautas que são problematizadas hoje não eram antigamente e, então, a gente aprendeu com o passar dos anos a discutir que até mesmo algumas figuras de linguagem são inadequadas. Essa conscientização recente é muito preciosa”.
Eu sou super a favor da consciência produzida através da arte – Isabelle Drummond
Recentemente, quando estava em cartaz a novela “Verão 90”, Isabelle Drummond divertiu as redes sociais ao reviver a Emília. Porém, desta vez, não dera a vida àquela boneca que interpretara, mas tratava-se de uma homenagem àquela vivida por Dirce Migliaccio (1933-2009) nos anos 1970. Disse haver sido algo muito emocionante: “Eu amei fazer a Emília de novo no “Verão 90” em razão do fato de ser uma homenagem à Dirce. Quando eu sentei na cadeira para me maquiar a responsável pela caracterização foi a mesma que me maquiou e que fez a Emília dos anos 70, foi lindo. Além deste fato houve um outro em que gravei com a falecida atriz e houve o encontro entre as duas gerações de personagens. Todo mundo no corredor estava emocionadíssimo, chorando por estarem vendo a boneca da infância deles”, relatou.
Outra história divertida envolvendo as redes sociais diz respeito ao celular que vazou numa cena de “Novo Mundo”. Não haveria nenhum problema se a novela não se passasse no século XVIII: “A gente estava vendo o capítulo anterior da novela. Sentamos em um cenário esperando a cena ser feita no outro e, de repente, a câmera vem num trilho e entrou no nosso e ninguém viu que estava enquadrado. Inclusive o celular que aparece nem é o meu”, diverte-se.
Além do “Sítio”, no fim de 2021, Drummond esteve no filme “Turma da Mônica- Laços”. Segundo ela, a fita começou a ser rodada no comecinho da pandemia. “Quando a Covid-19 estava começando a estourar na China. A gente estava gravando sem saber exatamente o que era a doença. As gravações eram em Poços de Caldas (MG), quando decretaram lockdown . Neste filme, eu fiz uma participação rápida mas eu amei trabalhar com o Daniel Rezende e, especialmente, o método que ele dispõe às crianças, que gravam sem texto. Elas improvisavam em cima de um tema. Ele as estimulava a ter um grande entendimento cênico e a não terem uma atitude plenamente mecânica”. A técnica era, de alguma forma, semelhante àquela aplicada pela própria Isabelle no início de carreira.
TEMPO PARA VIVER
A novela de Isabelle Drummond que antecedeu as gravações de “Minha Família Perfeita”, foi “Sete Vidas”. A novela escrita por Lícia Manzo, além de marcar o estilo de crônica do cotidiano característico da autora, sinalizou também como sendo o último trabalho completo de Domingos Montagner (1962-2016). Na trama, supunha-se que a personagem de Montagner era o pai daquela vivida por Drummond, o que acabou criando um bonito relacionamento entre eles: “Lembrar dele é algo tão delicado. Ele fazia o meu pai postiço na novela e sua morte foi dos acontecimentos mais tristes na minha história na TV”. Além de Domingos, a atriz coloca esta novela no panteão de seus trabalhos favoritos. “Este talvez seja o trabalho que mais amei fazer. Foi uma novela muito curta que me pegou de surpresa. A única trama que eu assisti toda de novo e tornei a me emocionar. Trata-se de uma novela sofisticada, de um texto rebuscado e no qual as pessoas tem relações de forma amadurecida. A novela conseguiu educar os relacionamentos e deu uma perspectiva profunda a eles. É linda a maneira como a Lícia explora as tramas.
Por ser descendente do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) o que a faz olhar a vida com poesia? E ela disse ser o trabalho social que desenvolve como filantropa. “Ele me fez conhecer as pessoas e de uma maneira especial. Certa vez cheguei numa comunidade levando brinquedos e o que a criança precisava era de afeto. O trabalho social me faz ver o mundo com poesia, enxergar para além do mundo e abriu meus olhos, sentidos e coração”. A artista está à frente de uma ONG que abraça outras ONG’s que visa promover o bem estar social. Inclusive, a jovem viu neste espaço, um lugar para desmentir uma notícia onde se veiculava que ela havia “restaurado a casa de uma criança assistida e que havia pegado fogo”. Ela conta: “Na verdade, nós construímos a casa dela, e como a menina queria um quarto lilás, fui até a casa dela auxiliar a finalização. O sonho da menina era um quarto lilás e com beliche. Não sei de onde surgiu essa história de incêndio”.
Ao nascimento de um de seus netos, chamado Luís Maurício, Carlos Drummond disse-lhe que “a vida começa e recomeça, e a todo instante é outra: tudo é distinto de tudo (…), pois que há tempo para viver”. A descendente de um poeta tem como obra máxima uma boneca de pano que vive. Há de haver novo mundo de caras, bocas e onde reside a eterna magia de noventa verões, pois neste cordel encantado, são poucas sete vidas para quem escolheu a arte como ofício.
Artigos relacionados