É difícil ser filho de peixe, ainda mais quando se tem um país como testemunha de seu trabalho. Mas tem quem faça com brilhantismo e Gabriela Duarte é um desses exemplos. Há 35 anos como atriz, ela retoma sua carreira na televisão em “Orgulho e Paixão”, a nova novela das 18h da Globo. Na trama inspirada na literatura de Jane Austen, Gabriela Duarte é Julieta, a Rainha do Café do início do século passado no Brasil. O trabalho atual, que marca seu retorno à TV e ao Brasil, já que morou por dois anos nos Estados Unidos com a família, é também uma pimenta a mais em sua carreira. E, para contar do momento no folhetim da Globo, das experiências em outro país e comentar a carreira nas artes, Gabriela Duarte é a estrela do novo editorial do site Heloisa Tolipan.
Em um ensaio na incrível suíte do Rio Othon Palace, a atriz posou para as lentes de Sergio Baia como uma rockstar poderosa. Com styling assinado por Tracy Rato e beleza de Tito Vidal, Gabriela assumiu uma nova personagem que nada tem a ver com a séria Julieta, de “Orgulho e Paixão”. Na telinha, ela interpreta uma mulher vivida, com um filho de 26 anos e marcada pelos sofrimentos da vida. “O público já começa conhecendo a personagem viúva, como uma mulher de negócios no início do século passado e mãe de um adulto, o Camilo (Maurício Destri), que é fruto de um relacionamento abusivo, com assédio moral e até maltrato. Então, ela é uma mulher que saiu da casa dos pais, entrou nesse casamento muito jovem, não conheceu o amor e acabou virando uma pessoa muito dura e focada nos objetivos profissionais”, detalhou.
Como business woman do século passado, Julieta é a Rainha do Café e dedica seus negócios a ampliar as propriedades. “É uma pessoa que está fechada para qualquer coisa que não seja trabalho e a expansão de seus negócios”, explicou a atriz que, para isso, tem a parceria de Susana, personagem de Alessandra Negrini na novela. “Como naquela época era muito comum que elas tivessem a companhia de outras mulheres, ela vê na personagem da Alessandra uma oportunidade profissional. A Julieta enxerga nela uma aliada muito esperta e sem escrúpulos”, contou.
Aliás, é assim que a personagem de Gabriela Duarte em “Orgulho e Paixão” muitas vezes resolve seus problemas. Quando algo sai de seu controle, seja em relação aos negócios ou ao filho, Julieta não poupa esforços para solucionar. E não importa o jeito. “Quando as coisas saem do controle dela, a Julieta usa de meios questionáveis, mas que são coerentes com a vida que ela teve. Então, por exemplo, o fato de o filho se apaixonar por uma moça que ela não concorda faz com que ela use técnicas bem radicais”, disse a atriz que, apesar disso, não considera sua personagem a vilã da trama das 18h. “Eu sempre acho que quem decide isso, de certa forma, é o público. Eu não consigo definir se ela é vilã ou não porque eu consigo entender os motivos que a levam agir dessa maneira. E o público também vai entender isso”, defendeu.
Como vilã ou com um pouco de vilania, o fato é que Julieta interfere nos rumos da história. Mas, na opinião de Gabriela Duarte, todas as atitudes da personagem fazem um jogo limpo. “Não posso dizer que ela é justa porque isso é muito relativo. Mas ela está traçando o jogo que ela se propôs como business woman”, analisou a atriz que, para isso, estudou o contexto no qual está inserida. Em “Orgulho e Paixão”, Gabriela Duarte foge de qualquer normalidade ao interpretar uma mulher de negócios, viúva e decidida nos anos 1910. Para este trabalho, a atriz contou que foi além de ler as obras de Jane Austen, que inspiraram Marcos Bernstein, autor da novela. “Eu fui procurar o contexto histórico para entender de qual época e quem foram essas pessoas que estamos falando na novela. Eu quis ir atrás dos barões de café, que foram tão importantes e tinham muita influência sobre todas as decisões do país naquela época”, contou a atriz que preferiu seguir uma linha antropológica em seu laboratório.
Desde a preparação, então, Gabriela Duarte vem conhecendo e admirando sua personagem de “Orgulho e Paixão”, como ela nos contou. Na opinião da atriz, a personalidade forte de Julieta em pleno período cafeeiro do Brasil é um modelo para ela. “A Julieta é incrível e está sendo uma grande inspiração para mim como mulher. E espero que isso esteja se repetindo com o público. Ela é uma personagem de muita força, energia, crença e fé de que ela consegue tudo o que ela quiser. Tudo isso para mim é uma grande inspiração neste contexto atual. Não existe nada que as mulheres não possam fazer hoje. Diferente de 1910, que muitas coisas eram proibidas e, mesmo assim, a Julieta fazia”, destacou.
No entanto, Gabriela Duarte reconheceu que nem todas as mulheres do século XXI têm esse pensamento esclarecido, mesmo entre tantos discursos e movimentos feministas. “É um privilégio de poucas ter uma ideia tão esclarecida assim. O Brasil é um país muito grande e, infelizmente, não temos uma questão homogênea na forma como as mulheres são vistas e tratadas. É claro que eu me considero privilegiada, até pelo contexto que me cercou. Eu tenho uma mãe artista com uma cabeça mais aberta e que precisou se impor para ter respeito em sua profissão”, lembrou sobre a consagrada carreira de Regina Duarte.
Mesmo assim, Gabriela Duarte enxerga o atual cenário como um capítulo de conquista nessa história sobre o feminino. Para ela, mesmo se sentindo privilegiada por ter uma opinião madura e esclarecida sobre o assunto, a atriz reconheceu que já precisou se esforçar para além do necessário por causa do gênero. “Eu faço parte de um país e de uma era em que as mulheres estão em uma luta e em um progresso. Isso faz com que eu entenda que eu tenho privilégios que outras ainda não conquistaram, mas podem vir a ter. Porém, mesmo me sentindo fora da curva nesse sentido, muitas vezes eu entendi que ainda preciso provar mais”, analisou a atriz que comentou historicamente esta situação. “Toda essa questão da mulher ainda está muito arraigada na sociedade há muitos anos. É muito difícil, está entranhado. O patriarcado tem uma força gigantesca”, completou.
E o orgulho de Gabriela Duarte por interpretar a Julieta com toda sua personalidade poderosa no início do século XX se junta à paixão por uma um recomeço da atriz nesta novela. A trama das 18h marca a volta de Gabriela à telinha após dois anos morando nos Estados Unidos com os filhos e o marido. Neste período, ela contou que gastou suas energias fortalecendo as relações entre a família. “Só tive férias no sentido profissional e, mesmo assim, entrecortada. Nesses dois anos, eu vim para o Brasil, fiz uma participação em uma novela e não deixei o trabalho totalmente de lado. Mas, lá, eu nunca trabalhei tanto na vida. Eu fui viver um momento familiar que, para mim, é o mais importante. Eu sentia falta desse momento de fortalecimento das nossas relações, de poder estar junto deles”, explicou.
Nessa experiência, Gabriela viveu algo novo. Sem a rotina de gravações e em uma nova posição, a atriz virou apenas mãe, mulher e dona de casa. “Quando você está trabalhando aqui no Brasil, acaba criando uma estrutura para cuidar dos filhos e da casa. É a rotina que eu estava vivendo e quis quebrar indo para lá. Eu queria ter mais controle da minha vida e colocar mais a mão na massa. E foi o que aconteceu”, contou Gabriela que se sente mais madura depois dessa temporada nos Estados Unidos. “Eu sinto que agora tenho mais aprendizado de vida. Passei por coisas que eu me permiti colocar à prova. Para mim, é a famosa ideia de sair da zona de conforto. E, quando fazemos isso, não tem jeito, a gente cresce”, apontou.
Porém, não é por acaso que Gabriela Duarte estreou em “Orgulho e Paixão” sob título de “volta às novelas”. Com mais de 30 anos de carreira e dezenas de trabalhos na televisão, cinema e teatro, ela contou que prefere seguir uma trajetória entrecortada por férias a emendar um trabalho no outro. “Eu me sinto sempre voltando. Não acho ruim que o público pense dessa maneira porque em toda a minha carreira eu demorei para fazer trabalhos. Eu não tenho mais essa dinâmica de emendar um personagem no outro. Isso já aconteceu e não estou dizendo que não repetiria. Mas a minha história é marcada por pausas e entressafras que, para mim, são importantes. Eu gosto de viver, viajar, ver o mundo. O meu negócio não é ficar trabalhando dois ou três anos seguidos. Não seria feliz assim. Eu preciso do respiro”, confessou.
Nestes intervalos, aliás, Gabriela contou que tem a chance de recuperar as energias para se dedicar totalmente a uma nova experiência. “Esses hiatos acabam dando o fôlego da volta, como se eu estivesse retomando a carreira sempre. Essa é mais uma prova de que, realmente, não sou uma atriz que gosta de emendar um trabalho no outro”, justificou ela que apontou ainda outra característica de sua carreira na dramaturgia.
Com a voz doce e o perfil calmo, Gabriela Duarte destacou que por muito tempo só era convidada para personagens parecidos, que seguiam uma mesma linha dramatúrgica. Em sua opinião, a atriz teve sua carreira estereotipada, o que acabou a desmotivando em alguns momentos. “Eu passei um período sendo chamada para fazer sempre personagens com a mesma energia. Aquele perfil mais ético, bacana e heroína no bom sentido. Talvez eu tenha cara ou alma de boazinha”, supôs Gabriela que afirmou trabalhar para mudar isto. “A gente quer uma pimenta nova. Todo mundo quer um desafio. Quando você pega um personagem que parece que já fez, mesmo tendo outra roupa e outro nome, desanima”, confessou.
E ela teve essa pimenta. Na verdade, a carreira de Gabriela Duarte começou bem quente na televisão. Sobre seus papeis de destaque e que a tiraram da zona de conforto, a atriz apontou Chiquinha Gonzaga (1999), Jéssica de “Passione” (2010) e Maria Eduarda de “Por Amor” (1997), uma de suas primeiras personagens na televisão. “Eu acho que a Maria Eduarda também carregou a minha inexperiência como atriz. Na época eu era muito insegura e tive que me colocar em outro lugar muito forte. Era uma montanha russa de emoções. A Maria Eduarda viveu tudo o que eu não tinha passado ainda. Ela casou, teve filho, perdeu a criança, separou, brigou com o pai e com a mãe. Nunca tinha vivido nada disso”, lembrou.
Entre tantos papéis, Gabriela Duarte não foi muito além para idealizar uma personagem que gostaria de fazer. Para ela, este trabalho dos sonhos já virou realidade com a Julieta de “Orgulho e Paixão”. “Hoje, o que eu gostaria de fazer, eu estou fazendo. A Julieta é uma mulher que o público não espera de mim. Na verdade, nem eu esperava. Ela é mulher que pode ter a mesma idade da Gabriela, mas tem muito mais história de vida. É uma personagem bem mais vivida. E isso aparece nela fisicamente, no fato de ter um filho de 26 anos e até na aparência”, justificou sobre a personagem que tem o amor como grade obstáculo da vida. “Ela não conhece esse sentimento e nem nunca foi amada. Nunca imaginou que pudesse viver uma relação de amor, de tesão e paixão. Isso tudo faz da Julieta uma mulher muito rica”, completou.
Com mais essa conquista, a atriz afirmou não ter planos muito claros para o futuro. Segundo ela, o dia de amanhã é marcado por surpresas e, não tanto, por projetos. Porém, para depois da novela, Gabriela Duarte contou que gostaria de montar uma peça para unir as famílias no teatro. “Eu não penso muito em futuro. Estou vivendo esse momento agora e tenho vontade de fazer uma peça logo em seguida da novela, mas é uma ideia ainda muito inicial”, adiantou sobre o projeto que se revelou a partir do encantamento da atriz pelo texto – ainda em segredo. “A peça é bem lúdica e para a família inteira. O texto abre uma discussão para trazer as crianças de uns oito anos para conversar com os pais. É esse o meu objetivo. Quero que essa peça abra o diálogo entre pais e filhos”, explicou.
Aliás, Gabriela Duarte entende dessa faixa etária. Se na novela a Julieta é mãe de Camilo de 26 anos, na vida real, a atriz tem Manuela de 12 e Frederico de sete. “Eu acho que precisamos abrir o diálogo para construir e edificar uma relação ou um ser humano. Nunca é demais e a cultura sempre teve esse papel. Ou deveria ter. Precisamos abrir a cabeça crianças e dos adultos”, defendeu a atriz que, com isso, também trabalha para formar novas gerações de consumidores de teatro. “É um público que não tem espaço. Ou as peças são para crianças muito pequenas ou para adultos. Tem um meio do caminho que está órfão e é para eles que eu quero me dedicar quando acabar a novela”, afirmou a atriz Gabriela Duarte.
Artigos relacionados