Ao gravar cena de estupro, em ‘Reis’, sua estreia na TV, Natália Ferrari relembra angústia de assédio que viveu


“É difícil encontrar mulheres que não tenham passado por isso, com olhares, comentários indesejados, uma passada de mão a qual não consentiu, um date que se torna um momento de agonia, porque a pessoa quer mais do que a gente quer e nos trata como se tivéssemos obrigação de entregar algo mais (sexo). Vivi isso. Eu tinha 23 anos e não permiti que a pessoa passasse dos meus limites. Mas me senti assediada. Essa lembrança me veio na hora de gravar a cena. Consigo impor os meus limites, mas infelizmente algumas mulheres travam ou não têm oportunidade de reagir em uma situação como essa e não reagem a violência. Tenho amigas que foram estupradas”, enfatiza. Além de amar sua profissão, a atriz desenvolve um trabalho voluntário desde que morava em Piracicaba, SP, onde nasceu. “No Lar dos Velhinhos, idosos ainda muito lúcidos, diziam que se sentiam um pouco sozinhos, que não recebiam visitas da família, isso era triste. Eu sempre escutei bastante as minhas avós, agora tem as do meu marido. Nunca entendi porque alguém abandona um idoso ou um cachorro. Essas são as causas que eu tenho mais próximas ao meu coração”, pontua

Ao gravar cena de estupro, em 'Reis', sua estreia na TV, Natália Ferrari relembra angústia de assédio que viveu

* Por Carlos Lima Costa

Intérprete da Sâmila, da série Reis, da Record, seu primeiro papel de destaque na televisão, a atriz Natália Ferrari, 28 anos, encarou o desafio de gravar uma cena, já exibida, do estupro de sua personagem, o que a remeteu às dores de tantas vítimas da vida real e ao assédio que ela própria viveu. “É difícil encontrar mulheres que não tenham passado por algum tipo de assédio. Que sejam olhares, comentários indesejados, uma passada de mão a qual a gente não consentiu, um date que se torna um momento de agonia, porque a pessoa quer mais do que a gente quer e nos trata como se tivéssemos obrigação de entregar algo mais (sexo). Vivi isso. Eu tinha 23 anos e não permiti que a pessoa passasse dos meus limites. Mas me senti assediada e, claro, mandei ela embora da minha casa. Essa lembrança me veio na hora de gravar a cena. Eu consigo impor os meus limites, mas infelizmente algumas mulheres travam ou não têm oportunidade de reagir em uma situação como essa e não reagem a violência. Tenho amigas próximas que foram estupradas”, enfatiza.

Natália recorda que, ao ler essa parte do roteiro, ficou um pouco nervosa, afinal, é uma cena forte. “Tive medo de não conseguir passar de maneira correta o quão séria é essa situação. Precisei mergulhar em uma emoção intensa, conversei com mulheres sobre a situação. Quando falo da cena ainda é difícil não me emocionar porque penso nas mulheres que passam por isso. Agora, é importante falar sobre isso, com certeza, porque quando uma mulher passa por um assédio ou estupro, ela se sente sozinha. Mas ela não está. Unidas, podemos lutar contra isso”, explica.

"Quando falo da cena do estupro ainda é difícil não me emocionar", relata a atriz (Foto: Marco Brozzo)

“Quando falo da cena do estupro ainda é difícil não me emocionar”, relata a atriz (Foto: Marco Brozzo)

Na série, a princípio, após o estupro, Sâmila, jovem recatada, ingênua e obediente, escondeu o ocorrido do namorado, mas depois acabou contando e apesar de todo machismo da época, ele não se afastou dela. Na sequência de cenas, a personagem relata também para a mãe o ocorrido. “Veio a sensação até da mulher se sentir envergonhada por ter passado por isso e que obviamente nunca a culpa é da vítima. Mas, naquela época retratada na novela, as mulheres se tornavam desvalorizadas, não podiam mais se casar com o homem que amavam”, acrescenta.

Antes da série que conta a história de Israel, Natália, na TV, tinha feito apenas uma rápida participação na telenovela Escrava Mãe, na mesma emissora. “Desde o momento em que recebi o convite para fazer esse papel foi um turbilhão de emoções, porque como atriz iniciante é um papel que a gente sempre está buscando, a oportunidade de trabalhar em uma superprodução em uma grande emissora como a Record, superou as minhas expectativas do que seria o meu início”, frisa ela, que no audiovisual já participou de alguns curtas.

"Nunca entendi porque alguém abandona um idoso ou um cachorro", ressalta Natália (Foto: Marco Brozzo)

“Nunca entendi porque alguém abandona um idoso ou um cachorro”, ressalta Natália (Foto: Marco Brozzo)

Pelas redes sociais, ela vem sentindo a repercussão de seu trabalho. “As pessoas me enviam mensagens só para falar o quanto estão gostando do que faço e da personagem. Isso é extremamente gratificante, porque o que a gente quer como artista é colocar o nosso trabalho na rua, que as pessoas gostem. Me entrego muito emocionalmente para um papel ter esse reconhecimento público. E escuto muito dos diretores e dos atores, colegas de cena, de como as pessoas não imaginam que este seja o meu primeiro trabalho, porque venho demonstrando com bastante naturalidade na câmera. É bacana ter esse feedback”, ressalta.

Por conta da novela, ela, que nasceu em Piracicaba, São Paulo, onde vinha morando na capital, se mudou para o Rio e desde, então, não conseguiu realizar uma das coisas que mais lhe da prazer: O trabalho voluntário. Ela começou no Lar dos Velhinhos, em Piracicaba, onde nasceu, e participou também da ONG Vira-Lata em feiras de adoção. “Quando fiquei sabendo que tinha esse lugar onde os idosos moravam sozinhos e que estavam aceitando pessoas para irem lá conversar, bater papo, pentear o cabelo, enfim, dar carinhos que não recebiam diariamente, muitas vezes, nem por suas famílias. Semanalmente, eu via o quanto era valorizado a presença de alguém lá para também ouvir as histórias deles que a meu ver sempre foram interessantes. Idosos ainda muito lúcidos, diziam que se sentiam um pouco sozinhos, que não recebiam visitas da família, isso era triste. Eu sempre escutei bastante as minhas avós, agora tem as do meu marido. Nunca entendi porque alguém abandona um idoso ou um cachorro. Essas são as causas que eu tenho mais próximas ao meu coração”, explica ela, que vem procurando algum lugar no Rio para exercer a mesma função o mais breve possível.

Natália é formada em Relações Públicas e em Publicidade (Foto: Marco Brozzo)

Natália é formada em Relações Públicas e em Publicidade (Foto: Marco Brozzo)

E faz uma comparação: “A vinheta da novela mostrava ‘Sâmila busca justiça’, até pela situação que passou. Eu tenho um lado assim também. Quando era criança meu pai até brincava que eu ia ser advogada, porque eu sempre busquei muito a justiça, o correto”, reflete. E prossegue se autoanalisando. “Sou sonhadora, criativa, artística, observadora. Pela minha profissão e ao longo da minha vida inteira eu pratiquei uma empatia muito criativa com pessoas conhecidas e com amigos. Uma grande parte do trabalho do ator é compreender e representar o ser humano. E a gente não consegue fazer isso sem ter empatia. Essa é uma das características que eu enxergo de mais forte em mim”, observa.

Natália faz teatro desde os 12 anos de idade. Mas, curiosamente, se formou em Relações Públicas e em Publicidade, chegado a trabalhar nas duas profissões, em empresas e multinacionais, como produtora de evento, de documentário e em agência de publicidade. “No teatro, era onde eu me sentia em casa, mais cheia de vida. Eu sempre soube que eu queria uma carreira artística cantando ou atuando e tudo que eu fiz foi construído ao longo da minha vida para que no final eu chegasse no lugar onde estou, hoje, de poder viver da arte e trabalhar como atriz. Mesmo quando cursei outras faculdades e trabalhei em empresas, nunca deixei de buscar um papel na atuação. Com os outros trabalhos, eu pagava meus boletos, mas fazia teatro nos finais de semana. Hoje, estou 100% atriz”, frisa ela, que recebeu o convite para a série, em setembro, e, em outubro, quando começaram as preparações do elenco, deixou o antigo emprego.

Natália com o marido, Vinícius Camargo, com quem oficializou a relação, em um cartório, na última quinta-feira (Foto: Reprodução Instagram)

Natália com o marido, Vinícius Camargo, com quem oficializou a relação, em um cartório, na última quinta-feira (Foto: Reprodução Instagram)

As vitórias profissionais e pessoais que vem conquistando, ela divide com o marido, Vinícius Camargo, que trabalha com consultoria. Os dois moram juntos há dois anos e oficializaram a relação na última quinta-feira, em um cartório, em São Paulo. Em junho, ela vai se vestir de noiva para a cerimônia, já marcada, em uma fazenda. Aí, se o trabalho permitir, devem tirar uns dias para uma lua de mel.