* Por Carlos Lima Costa
Aos 81 anos e 61 de carreira, o ator Antônio Pitanga não quer saber de aposentadoria. E ninguém vai escutar dele o discurso de que faltam papéis para atores de sua idade na televisão. Com muita energia, ele arregaça as mangas e segue em frente. “Não entro nessa. As pessoas e as empresas fazem o que quiserem, são escolhas. Se for chamado, tudo bem. Se não for, paciência. Se ficasse parado reclamando não chegaria nessa idade como cheguei. Quero é continuar de pé, construindo, produzindo, trabalhando. Não fico chorando as pitangas. Ainda tenho muitos sonhos. Um deles, depois que a pandemia passar, é dirigir o filme Malês, sobre o maior levante de escravos que aconteceu no Brasil”, explica ele, que já exerceu a mesma função, por exemplo, no longa Na Boca do Mundo. Conhecido como Revolta dos Malês (negros de origem islâmica), o levante aconteceu na noite de 24 de janeiro de 1835 na então província da Bahia.
Passados 196 anos desse acontecimento e 133 anos depois da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, ainda existe um racismo estrutural no país. Pitanga faz sua análise sobre o que leva em pleno 2021 ainda julgarem as pessoas pela cor. “Essa luta e esse viver eu tenho desde que me entendo por gente. E não mudou. O mundo que eu vivi da minha juventude no Brasil não tinha nem 60 milhões. Hoje, somos 212 milhões e as pessoas continuam com o preconceito, aliás, uma cadeia deles, como o feminicídio, contra o LGBT, o índio. O país foi construído pelas mãos de negros que vieram sequestrados da África e que têm a sua importância na formação brasileira, e a gente continua tendo esse tipo de tratamento cruel. Precisamos estar conscientes para continuar lutando e não aceitando nenhum tipo de preconceito. Eu não esperava estar com 81 anos ainda tendo que responder a esse tipo de pergunta, porque é o que estamos vivendo por conta da cor da pele”, desabafa.
E prossegue relembrando: “Eu tive embates e participação em movimentos nas décadas de 50, 60, na época do Malcom X (1925-1965), do Martin Luther King (1929-1968), do movimento negro no Brasil, onde 54% da população é negra, mas não temos no ponto estratégico do poder um negro. Então, não é só uma questão do branco, a questão é que o próprio negro, a própria mulher que tem a sua maioria, tenha a consciência coletiva e possa dar uma guinada diferente. Nos Estados Unidos, somente 13% da população é negra, mas tiveram uma consciência política, cultural, racial e social. Não tinha hospital nem universidade para negros. Eles construíram e formaram médicos. Não é o ideal. Você cria uma divisão, mas tem que ser feito. Os Estados Unidos não deixaram de ser racista, mas o negro americano sabe exatamente qual o tamanho da luta”, ressalta.
Mesmo privilegiado, famoso, Antônio Pitanga afirma que não está livre do preconceito. “Claro que sim, qualquer um de nós. Não sou louro de olhos azuis. Cada um de nós seja até a Ruth de Souza (1921-2019), uma das grandes do movimento negro, uma referência artística para nós, também sofreu. Quando um negro nasce já está carimbado que ele vai ser perseguido, que ele é diferente, porque a cor da pele denuncia. É essa sociedade que põe a gente de lado. Você não pode só parecer, você tem que ser o melhor para poder chegar em algum lugar. É difícil, mas não é por isso que vou deixar de insistir, de me reconhecer e a minha família, o meu povo. Nem vou deixar de ser brasileiro. Iremos vencer essa batalha. Vai demorar décadas, mas vou continuar com o mesmo entusiasmo, vontade, luta e força de vencer esse inimigo. Não é a cor da minha pele que vai dizer quem eu sou e qual é a minha valia. Não sou uma mercadoria”, assegura o pai da também atriz Camila Pitanga.
Em 2020, quando a pandemia decorrente da Covid-19 começou, o ator estava em cartaz, em São Paulo, com a peça Embarque Imediato, na qual dividia o palco com o filho, Rocco Pitanga. Eles ainda planejavam rodar o país e realizar temporada no Rio. “Estou lidando com a pandemia com todos os cuidados que as pessoas que prezam pela vida devem ter em qualquer lugar do mundo. Tenho 81 anos, sou do grupo de risco. Se não me cuidar, já era. E quando cuidamos da gente, cuidamos de todo mundo. Nesse tempo todo de vida já vi muitas coisas acontecendo, mas nada com esse volume, com mais de 250 mil mortos só no Brasil. Isso é uma tragédia”, avalia o ator que viveu a dor de perto. Ano passado, sua mulher, a deputada federal Benedita da Silva, perdeu a irmã Celeide Souza e o sobrinho Henrique, vítimas da Covid-19.
Como enxerga, então, a juventude que não se cuida e se aglomera? “As pessoas têm comportamento diferente e esse tipo de reação nesse mundo capitalista onde tudo é dinheiro, consumismo. Não tem mais amor à vida. Só pensam em comprar, em fazer churrasco na laje ou na cobertura. A vida não tem o menor sentido. Você proíbe, faz lockdown e fazem manifestação na porta de quem está proibindo. As pessoas não têm o menor sentido de preservação da vida. Muitas estão morrendo, mas é aquela coisa: ‘ouvi dizer que está acontecendo, mas não é comigo, não interessa’. Temos o servidor número um da República, o presidente ser o estandarte, o arauto da cloroquina, como se fosse médico, enquanto a ciência dizia que isso não é a cura, e ele é contra o uso de máscara e todo tipo de comportamento que se deve ter e assim, milhares de pessoas acompanham a cabeça dele”, analisa.
Está faltando solidariedade? “Total. As pessoas não tem amor ao outro. Quando você não cuida de si, você não cuida do outro. E esse vírus veio para sinalizar que não tem dinheiro que adiante. Você pode ser um arquimilionário, mas você também morre por falta de ar”, frisa.
O comportamento humano que assistimos não surpreende Pitanga. “De forma alguma, mas me deixa assustado. Isso tudo faz parte dessa cultura da cartilha de violência. Enquanto isso, o SUS está aí abarrotado no Brasil inteiro sem poder atender a demanda dessa tragédia que as pessoas acompanham dia a dia nas redes sociais, nas TVs, nos jornais”, conclui o ator.
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