* Por Carlos Lima Costa
A falta de oportunidade profissional na terceira idade como consequência do etarismo é um tema que vem sendo abordado na sociedade. Na classe artística, é comum as produções focarem suas histórias nos jovens. ‘Além da Ilusão‘, a atual trama das 18 horas, na Globo, tem seus protagonistas jovens, mas, desde a primeira fase da novela, quando Lima Duarte e Emiliano Queiroz, em participações especiais, e Antonio Calloni roubaram a cena, o que se vê é o contrário. Inúmeros atores e atrizes experientes se sobressaem com suas tramas ganhando cada vez mais destaque, como Malu Galli, Alexandra Richter e Marisa Orth.
“Falando dos veteranos da novela, acho que você tem razão, mas sem desprezar os jovens, muito pelo contrário. No meu Instagram, até fiz uma homenagem aos atores jovens, principalmente àqueles que se dedicam muito como é o caso dos que integram o elenco dessa novela. É um prazer trabalhar com eles. Faz parte do show essa renovação e, como é inevitável, ela tem que ser cíclica e gradual. Os veteranos e os jovens têm que andar sempre juntos e, aos poucos, o veterano vai saindo de cartaz. A essa altura, o jovem já não será tão jovem e assim a roda vai girando em um processo de mudança gradual, vagaroso e generoso”, avalia Calloni, aos 60 anos.
O intérprete de Matias prossegue em sua análise sobre o tema: “O etarismo é uma questão muito grave que acontece na sociedade, não só no Brasil. Temos que aprender um pouco mais com os orientais, principalmente os antigos, que valorizam a idade, a experiência e não menosprezam, como a maioria dos ocidentais. No caso dos atores, confesso que não sinto muito esse problema, temos a sorte de poder trabalhar com qualquer idade. Tem muitos papéis bons para atores mais velhos. Mas aí temos que entrar em um outro detalhe. Para a mulher, o etarismo é pior do que para o homem”, aponta Calloni, feliz com os encontros artísticos na novela.
“Não dá nem para falar só de uma pessoa, porque está muito legal, Eriberto (Leão), a Malu, a Larissa (Manoela), a Paloma. Meu Deus do Céu, é um elenco tão legal que acho até injusto falar de uma pessoa ou outra. Agora, vou contracenar bastante com a Debora Ozório, que faz a filha perdida do Matias e da Heloísa, que também é uma jovem muito promissora. Então, é só alegria. O mais importante é a confiança no colega e a gente tem, então, nada a reclamar, só a agradecer”, frisa.
Em relação as suas seis décadas de vida, Calloni conta uma curiosidade. “Os 60 anos não pesaram em nada. Continuo subindo as minhas escadas. São dez andares diariamente, é um exercício maravilhoso. Ainda faço a minha musculação de leve, enfim, pra dar uma tonificada, me alimento bem e está tudo correndo tranquilo. Estou com o corpinho, a cabeça e a saúde de 60. Porém, muito feliz e saudável”, avisa ele que vai se mirando em exemplos de artistas como Lima Duarte, de 92 anos. Dia desses, ele postou em seu Instagram, um vídeo cantando e dançando “Desenrola, bate, joga de ladinho”, refrão da música de mesmo nome, que tem sido reproduzida por muitas personalidades nas redes sociais. “Eu vi o vídeo, o Lima é muito bem humorado, é um barato. O Ary Fontoura também. Isso é o prazer de estar vivo. A Fernanda Montenegro acabou de virar imortal. São pessoas que gostam da vida e gostar da vida é um pouquinho mais complicado do que as pessoas acham, mas é prazeroso. Quero continuar gostando da vida e se continuar assim talvez, ao chegar aos 90 anos, eu também faça uma dancinha”, diverte-se.
Até a segunda quinzena de maio, quando encerrou a reprise de O Clone, o trabalho de Calloni podia ser visto na TV em três etapas de sua carreira. Além do Mohamed da trama de Gloria Perez, exibida originalmente em 2001/2002, e da atual novela das 18 horas, os fãs do ator podem conferir a estreia dele na televisão, como o Claudionor da série Anos Dourados, de 1986, que está sendo reprisada no Globoplay. O ator sente um prazer imenso em rever seus trabalhos, porque o tempo o intriga cada vez mais.
“Escrevo muito sobre isso em alguns contos ou poemas. Tem uma teoria da física quântica de que tudo acontece ao mesmo tempo, passado, presente e futuro. O tempo me instiga, me provoca, me diverte muito. De qualquer maneira, assisto com muito prazer, porque eu me lembro, honestamente, como se fosse ontem, começando Anos Dourados com aquela turma maravilhosa, com o (Roberto) Talma (1949-2015), que era um excelente diretor e que fez um trabalho tão bonito com a gente que estava começando ali. Então, vejo sempre com carinho e saudade todos os trabalhos que eu fiz. Sempre que lembro algo da minha carreira, tenho um sentimento honesto de gratidão. Nem tudo é um mar de rosas. Tem as dificuldades, as angústias, tristezas, frustrações. Mas se colocar os prós e contras, as alegrias e tristezas, em uma balança, o sentimento na minha carreira, de um modo geral, é de gratidão. Acima de tudo, sinto o prazer de ser ator”, avalia.
Para Calloni, as conquistas na carreira não foram além nem aquém do que vislumbrava alcançar quando interpretava o Claudionor. “Foi sempre o tamanho justo e certo para as minhas capacidades. Sempre fiquei satisfeito com todo o processo que vem acontecendo até hoje e que vai continuar. Não é à toa que gosto tanto do zen budismo e, há sete anos, faço meditação transcendental. O princípio da não ação não é aceitar tudo, achar que tudo é lindo, maravilhoso e não encarar as dificuldades e desafios. O princípio da não ação é a aceitação sem ser passivo. Quero cada vez melhorar mais como ator, pessoa, pai, marido. O processo de aprendizado e de melhora tem que ser contínuo. Isso desde quando comecei a fazer teatro e estreei em Anos Dourados. Sempre tive grande prazer em viver. Assim, lido melhor com as intempéries da vida, encaro tudo com mais disposição”, reflete.
No atual trabalho, Calloni foi buscar nas lembranças da avó materna, Elina Colombini, a inspiração para construir Matias, o, então, juiz, que, na primeira fase da novela, matou a filha Elisa (Larissa Manoela) ao flagrá-la na cama com o mágico Davi (Rafael Vitti), colocando a culpa no jovem, mas enlouquecendo em seguida. “Ela acordava no meio da noite com uma trouxa, cheia de roupa, pendurada no ombro, e ficava na porta do quarto gritando: ‘Perdi o trem’. Devia ter uns 12 anos e acordava rindo, pensando ‘hoje, vai ter show da avó, minha avó pirou’. Meus pais lhe falavam que não tinha trem nenhum. Eu entrava no meio da história, e dizia: ‘ ‘Vó, eu também vi o trem passar por aqui e ele não parou’. Ela perguntava por quê. Eu falava que não sabia o motivo, que devíamos perguntar para um funcionário da estação. Andávamos pela casa procurando o cara, mas ele não estava ali. Falava para ficarmos na beira do trilho pra ver se o trem passava de novo, mas não achávamos o trilho, porque não tinha. Antes de dizer para ela que nada daquilo existia, eu entrava na loucura dela. Somente eu conseguia trazer minha avó de volta à realidade. Intuitivamente, claro. Com 12 anos, não tinha como saber desse processo. E ela se tocava que tinha tido uma alucinação. Depois, foi internada, achava que estava dançando com (Benito) Mussolini (1883-1945), falava coisas incríveis. Na época nem tinha esse diagnóstico de esquizofrenia. Relatei isso em uma reunião do elenco”, conta o ator, que também assistiu a filmes sobre o tema.
“Este universo é fascinante. O louco tem uma liberdade total e absoluta. Para enlouquecer, basta relaxar e dar vazão a tudo que pensamos. Graças a Deus, criamos uma cultura para poder evitar o caos com leis, costumes, regras. Senão, seria a completa loucura”, avalia.
Calloni acredita que Matias vai estar para sempre no rol de seus papéis inesquecíveis como o Mohamed, de O Clone, o Bartolo, do Terra Nostra, e o Júlio, de Éramos Seis. “Matias é um personagem dificílimo, acho que o mais difícil da novela. Exaustivo e extremamente prazeroso. Vou para a gravação com muita alegria. O Matias tem uma tragicidade maravilhosa. Mais do que o drama é o trágico. Depois da gravação, me sinto exausto como se tivesse feito uma série de exercícios. Mas não trago o personagem pra casa, graças a Deus. Sorte da Ilse (Rodrigues Garro, mulher do ator). Mas não só o Matias, qualquer personagem fica comigo 24 horas por dia. Não quero dizer com isso que eu fique agindo como ele, pensando nele o tempo inteiro. Não é isso. Mas a partir do momento que recebo o convite, o texto, o corpo já começa a trabalhar automaticamente com o personagem durante todo o período da novela, 24 horas por dia. Sem que com isso eu perca o meu raciocínio. Não existe nada de incorporação e sim de dedicação automática. É impressionante, o corpo começa a viver em função do personagem 24 horas por dia sem esquecer as minhas obrigações de Antonio Calloni que são muitas”, explica.
A história de Matias mostra claramente o machismo da época. O tema também estava na trama de O Clone e de Anos Dourados, e ainda está presente na sociedade atual. “Em Além da Ilusão, meu personagem transou com a irmã da mulher dele. Naquela época, o estupro de vulnerável, como seria dito hoje, não era tão considerado assim. O argumento era: ‘você não resistiu, não falou nada, deixou a porta do quarto aberta’. Isso era mais aceito. Hoje em dia, o estupro de vulnerável é mais passível de punição do nos anos de 1940. Então, as épocas determinam o comportamento também diferente de punição, julgamento, de moral. Imagina uma menina se entregar para um cara sem casar naquela época. Às vezes, as pessoas esquecem um pouco que a novela se passa em 1944. Tem que ter essa perspectiva na cabeça. Por exemplo, o Matias antes de matar a filha sem querer, talvez ele não quisesse matar nem o rapaz. Antes de dar o tiro, ele ofereceu dinheiro para o rapaz ir embora, o que já é errado. Mas, antes disso, ele era um homem amoroso com a família, justo no trabalho, um homem do seu tempo. Nada além disso. Ele se tornou um monstro depois dessa tragédia, desse crime hediondo. Ainda culpou um garoto, o fez passar 10 anos na cadeia. E aí mais do que monstro, ele adoece de culpa, porque foi um choque pra ele”, ressalta.
Calloni observa que a questão do machismo na sociedade melhorou, mas ainda tem muito a ser conquistado pelas mulheres. “Naquela época, já existiam feministas, em menor número e com menos força, claro. Agora, elas tem uma presença mais forte, fundamental para que a sociedade fique mais saudável, porque o machismo hoje em dia é inadmissível. Mas infelizmente existe, ainda mais no Brasil que a gente está vendo hoje. Um Brasil que está sendo destruído moralmente, culturalmente. Então, a questão do machismo está muito mais em voga. Parece que alguns machistas se viram no direito de sair do esgoto. Mas de qualquer maneira, o combate a esse tipo de coisa também está mais feroz. As feministas estão se colocando cada vez mais e para o bem de todos”, analisa.
E prossegue ressaltando sua visão crítica sobre o momento do Brasil. “É fundamental que o presidente que vai vencer a eleição seja outro e que seja democrático, o que o atual evidentemente não é. Espero que o próximo presidente invista muito em Educação, Cultura e Saúde, principalmente. Educação é pilar básico para qualquer país dar certo. Coisa que a gente não tem no Brasil. Espero sinceramente que esse antipresidente que está no poder não se reeleja. A gente não pode ter medo da balbúrdia, nem se intimidar e com a certeza de que a maior parte das Forças Armadas está preocupada com o bem estar do país e não em servir a uma pessoa só”, diz.
Politicamente falando, o mundo anda conturbado com o crescimento da extrema direita, e de olho na guerra da Rússia contra a Ucrânia. “Eu não vejo os Estados Unidos como mocinho ou a Rússia como vilã e quero deixar claro de que sou completamente contra essa invasão da Rússia na Ucrânia. Inclusive, tem algumas questões morais na Rússia, tipo perseguição a homossexuais, um conservadorismo exacerbado que eu considero tenebroso. De maneira nenhuma eu dou razão ao (Vladimir) Putin. Acho um crime o que ele está fazendo. Mas não existem mocinhos e bandidos nessa história. Em uma guerra todo mundo perde a razão. Eu acho que a única saída possível é a diplomacia. Tomara que a gente não chegue a um confronto militar mundial porque aí realmente vai ser algo muito grave”, observa Calloni, que, em agosto, deve estar nas telas dos cinemas com o longa-metragem Minha Família Perfeita.
“É uma comédia maravilhosa. Meu personagem é uma delícia. O Ícaro é um ator decadente, canastrão, que não assume a homossexualidade. É um filme muito divertido, que eu adorei fazer”, diz ele. No Instagram, está com o projeto Quarentesia na Veia, com colegas como Antonio Fagundes, Alexandre Nero, Zélia Duncan e Jorge Mautner eventualmente lendo poemas dele. “Depois da novela, de preferência, quero descansar muito. Agora, estou escrevendo um próximo livro de poemas”, acrescenta.
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