*Por Flávio Di Cola
A trajetória de Angelina Jolie certamente vai virar – num futuro talvez não tão distante – uma daquelas suculentas cinebiografias típicas de Hollywood que adoram carregar as tintas no “drama humano” tão ao gosto das massas entediadas. Ingredientes não faltariam: desde seus choques com o pai e astro dos anos 1970 Jon Voight em razão das humilhantes infidelidades crônicas que ele impôs à sua mãe, passando pelo comentadíssimo triângulo amoroso que formou com Brad Pitt e Jennifer Aniston, em 2005, até chegar ao grande sacrifício de uma mastectomia em 2013, quando ela descobriu que tinha quase 90% de chance de contrair câncer de seio devido a um trágico histórico familiar.
Essa suposta biografia poderia ainda ser temperada com cenas de honrarias e premiações de sua longa carreira na TV e no cinema, com a menção aos contratos escandalosamente milionários assinados para as campanhas publicitárias que a estrela encabeçou para as marcas Shiseido e Louis Vuitton, ou com as paisagens tão exóticas como miseráveis de países africanos e asiáticos onde desenvolveu ações filantrópicas de repercussão mundial. Isso para não falar da forma absolutamente original com que exerce a sua maternidade: entre seus seis filhos, três foram adotados pela dupla Jolie-Pitt ao longo das andanças de Angelina pelo mundo e são naturais do Camboja, Vietnam e Etiópia; os demais são mesmo frutos dos encontros biológicos do casal, mas nenhum destes nascidos nos Estados Unidos.
Mas o final de 2014 e o início de 2015 também não têm decepcionado o público no processo de criação de novos episódios para a saga de Angelina Jolie. Para começar, em novembro do ano passado estreou em Sidney, Austrália, seu segundo longa-metragem de ficção “Invencível” (Unbroken, Legendary Pictures/Universal Pictures), recebido com críticas pouco entusiásticas, mas que, favorecido por uma gigantesca rede distribuidora e pelo star power da sua diretora, já gerou – até agora – 120 milhões de dólares nas bilheterias mundo afora, ou seja, quase o dobro do seu custo de 65 milhões. A crítica, em geral, se irritou com um roteiro e uma realização absolutamente previsíveis e que insistem em repisar naquela obsessão tipicamente hollywoodiana de fabricar um herói a cada cinco minutos. O inconformismo desses críticos se deve, em parte, ao fato de que o quarteto de roteiristas de “Invencível” é integrado por nada menos do que os geniais irmãos Joel e Ethan Coen, de quem se esperava muito mais.
Além disso, a tentativa de cinebiografar a história real do atleta olímpico e herói da Segunda Guerra Louis Zamperini – morto aos 97 anos alguns meses antes da finalização do filme e interpretado pelo promissor ator Jack O’Connell – provocou mal-estar em setores mais nacionalistas do público nipônico que consideraram as sequências em que Zamperini acaba prisioneiro num campo do exército imperial do Japão, no meio do Oceano Pacífico, como exageradas, irrealistas e reforçadoras de estereótipos ainda arraigados no mundo ocidental que pintam os japoneses como um povo especialmente afeito a crueldades. Mesmo assim, o filme conseguiu a atenção da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e foi indicado em três categorias do Oscar de 2015: melhor fotografia, edição de som e mixagem de som.
Enquanto a festa da Academia não chega, os mexericos de Hollywood giram mesmo em torno das indigestas revelações trazidas a público pelo ciberataque aos computadores da Sony Pictures Entertainment, em Culver City, Califórnia, proprietária da Columbia Pictures, produtora e distribuidora do polêmico filme “A entrevista” (The interview), dirigida por Seth Rogen e Evan Goldberg, e estrelado por James Franco. A invasão, segundo o FBI, parece ter sido perpetrada por hackers simpatizantes da Coréia do Norte como represália ao eventual lançamento dessa debochada comédia de ação em que dois jornalistas têm a missão de assassinar o ditador norte-coreano Kim Jong-Un. Ocorre que – em decorrência desse ataque – uma grande quantidade de e-mails, relatórios, memorandos – e até o roteiro do novo “James Bond” – trocados entre os diretores da Sony-Columbia tornaram-se subitamente públicos, expondo as vísceras – às vezes não muito perfumadas – da indústria cinematográfica hollywoodiana. E no meio dessa massa de indiscrições que levaram ao delírio os editores dos jornais e das revistas que cobrem o mundo do cinema, apareceram sinais bem evidentes de que está havendo muita discórdia em torno do misterioso projeto de levar às telas mais uma versão da vida e da morte da mais extraordinária figura feminina da História: Cleópatra.
Angelina Jolie, durante a recente campanha de divulgação de “Invencível”, tem repetidamente afirmado que pretende encerrar brevemente a sua carreira de atriz para entrar de cabeça na direção. E o encerramento dessa vitoriosa trajetória de intérprete e de estrela de cinema que lhe trouxe dezenas de prêmios e salários que chegaram a alcançar a cifra de 30 milhões de dólares por filme só poderia ser marcada pela sua interpretação como a Rainha do Egito, papel que trouxe a glória para todas as atrizes e estrelas que a encarnaram anteriormente nas telas: Theda Bara (1890-1955), Claudette Colbert (1903-1996), Vivien Leigh (1913-1967) e, especialmente, Elizabeth Taylor (1932-2011) que no auge da sua beleza, aos 30 anos de idade, praticamente definiu no imaginário popular os traços e a personalidade da Filha de Ísis sob a direção de Joseph L. Mankiewicz.
De fato, o seu projeto de interpretar Cleópatra e talvez a pretensão de fazer o público esquecer a até hoje insuperável encarnação de Liz Taylor tem sido uma obsessão de Angelina Jolie, principalmente agora que ela procura “o papel” para encerrar com realeza e grandiosidade supremas a sua fabulosa carreira. Pelo que se depreende das inconfidências que saltaram dos bastidores da Sony-Columbia para aos olhos da imprensa, Angelina não vai medir esforços para materializar esse sonho. Isso fica perceptível através da lista exclusivíssima de megadiretores de Hollywood que ela já abordou diretamente – talvez os únicos capazes de levar adiante um projeto de tal magnitude e que há 52 anos quase arrasou outro estúdio de Hollywood, a 20th Century Fox. São eles: Martin Scorsese, James Cameron, Ang Lee e David Fincher.
E pela troca de e-mails entre Angelina Jolie e membros do board da Sony-Columbia fica claro, também, que ela exerce uma vigilância cerrada sobre o roteiro que o premiado Erich Roth – roteirista de “Forrest Gump, o contador de histórias” (1994) e “O curioso caso de Benjamin Button” (2008) – está escrevendo e alterando ao sabor das revisões da estrela. Enquanto a Sony-Columbia não confirma e nem desmente categoricamente o desenvolvimento do projeto, depreende-se da correspondência interna do estúdio que uma ala da direção da empresa não pretende se engajar nessa aventura e muito menos ao lado de uma Angelina Jolie já batendo na trave dos 40 anos, cada vez mais centralizadora e autoritária, cuja visão purista de Cleópatra exigiria até aparecer em cena completamente careca para ser fiel à verdade histórica!
Bem, enquanto a fofocas rolam soltas em Hollywood, os incontáveis fãs de Angelina Jolie pelos quatro cantos do mundo poderão seguramente esperar por mais uma de suas aparições triunfais sobre o red carpet do Teatro Dolby, no próximo dia 22 de fevereiro, durante a cerimônia de premiação do Oscar para descobrir se – até lá – o seu “Invencível” fará jus a este título pomposo e terá fôlego para arrebatar uma ou outra estatueta.
*Flávio Di Cola é publicitário, jornalista e professor, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e ex-coordenador do Curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá. Apaixonado pela sétima arte em geral, não chega a se encantar com blockbusters, mas é inveterado fã de Liz Taylor – talvez o maior do Cone Sul –, capaz de ter em sua cabeceira um porta-retratos com fotografia autografada pela própria
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