Andréia Horta: “Falta pouco para os 40 e não trocaria a pessoa que sou hoje por uma novinha de vinte e poucos anos’


Em atuação potente na novela ‘Um Lugar ao Sol’, a atriz fala da vida no país, da capacidade de amar, amadurecimento e do novo trabalho em série da Globoplay sobre Chitãozinho e Xororó, no qual interpreta a mãe da dupla: “A Dona Araci está mexendo muito comigo, porque resgato as minhas avós e a ancestralidade feminina e me conecto com a mulher desse Brasil profundo, com tantas dificuldades, com tristeza, mas também alegria. A Dona Araci canta na tristeza, o que tem muita beleza”.

*Por Brunna Condini

Apaixonada pela vida e pela arte. Assim tem vivido Andréia Horta ao longo dos seus 38 anos de vida e quase 20 de carreira. E o momento é dela. A atriz está vivendo uma espécie de plenitude artística em ‘Um Lugar ao Sol‘, como Lara, uma mocinha autêntica e que respeita sua essência. “O que empresto para a Lara é a honestidade. Esse jeito de ‘ainda que eu pague caro, eu sempre falo a verdade’. Acho que isso a gente tem muito em comum”, define Andréia.

Na trama de Lícia Manzo, a personagem se viu dividida entre dois amores: Mateus (Danton Mello) e Christian/Renato (Cauã Reymond). Andréia, que se separou recentemente do ator Marco Gonçalves, diz que nunca viveu nada parecido. “Há muitas maneiras de amar e nunca me vi apaixonada por duas pessoas ao mesmo tempo. Quando estamos abrindo possibilidade para alguém é porque, de certa maneira, já saímos do caminho da outra pessoa. Eu, particularmente, não consigo cruzar ao mesmo tempo sentimentos tão grandes como o amor. Isso para mim acontece com uma pessoa de cada vez. É um sentimento muito total para ser dividido no meu coração”.

Andréia Horta vive performance inesquecível como Lara na novela de Lícia Manzo (Foto: Vinícius Mochizuki)

Andréia Horta vive performance inesquecível como Lara na novela de Lícia Manzo (Foto: Vinícius Mochizuki)

A atriz é reservada e afirma que conseguiu conduzir a carreira até aqui “com muita discrição em relação à minha vida pessoal”, diz, acrescentando: O que é público mesmo são as personagens, que é o que interessa publicamente. Por si só já é tamanha exposição de uma câmera no nosso rosto, os pensamentos, as lágrimas o nosso grito. Nas redes sociais, nunca me incomodou a invasão, porque eu também publico pouco sobre minha intimidade. Agora… já me incomodaram notícias alheias à minha vontade, isso sim”.

Com Cauã Reymond e Juan Paiva nos bastidores de 'Um Lugar ao Sol' (Reprodução)

Com Cauã Reymond e Juan Paiva nos bastidores de ‘Um Lugar ao Sol’ (Reprodução)

Andréia também é apresentadora da nova temporada do programa ‘O País do Cinema‘, que estreia, no Canal Brasil, dia 3 de fevereiro. Esta será a sexta temporada da atração e a quarta comandada por ela. A atração aborda detalhes dos bastidores de filmes marcantes do cinema brasileiro. E que tipo de luz a atriz consegue enxergar no atual cenário do audiovisual nacional tão desvalorizado nos últimos tempos pelas políticas públicas? “Acredito que a única luz possível é a nossa união e a luta pelos nossos direitos. Cultura tem um valor de formação de memória de um povo muito fundamental. O que vejo no ‘País do Cinema‘ é um país plural, imenso, que filma muito bem narrativas absolutamente diferentes. Temos um cinema muito rico, onde em todos os estados tem gente fazendo filmes maravilhosos”, observa.

"Acredito que a única luz possível é a nossa união e a luta pelos nossos direitos. Cultura tem um valor de formação de memória de um povo muito fundamental" (Reprodução)

“Acredito que a única luz possível é a nossa união e a luta pelos nossos direitos. Cultura tem um valor de formação de memória de um povo muito fundamental” (Reprodução)

“Dá muita dor saber que a maioria das pessoas não têm acesso a esses filmes e isso é sobre a distribuição e política pública. A única solução é uma mudança estrutural de pensamento no poder. O que rege o nosso país hoje é tacanho, pequeno e egoísta. A única maneira possível disso se modificar é a gente ter um poder que compreenda a importância de um povo se ver refletido em uma tela e poder pensar sobre. Essa sempre foi umas das funções primordiais do teatro, do cinema, da literatura e da música. Que algo se modifique. Que você seja representado e que também possa imaginar a construção de uma possibilidade nova de viver”.

"As pessoas se atacam muito por pensarem diferente entre si. É tão bonito ser brasileira e é tão bonito o Brasil, mas também tão complexo e difícil" (Foto: Aderi Costa)

“As pessoas se atacam muito por pensarem diferente entre si. É tão bonito ser brasileira e é tão bonito o Brasil, mas também tão complexo e difícil” (Foto: Aderi Costa)

A atriz também fala das apreensões de viver em nosso país hoje. “Ser brasileiro tem muitas angústias. Saber que há pessoas com fome nesse país e a falta de educação como construção de um país futuro são um exemplo. Eu estou falando de educação no sentido mais amplo, não estou falando de cumprir o colégio ou de saber ler, mas, sim, de uma educação como cidadão. Saber o funcionamento de tudo para que possamos juntos pensar e elaborar a construção de um país melhor. Isso me dói, por que vejo que hoje a nossa capacidade de conversar para poder elaborar nossos pensamentos está muito combalida, tomada por essa violência. As pessoas se atacam muito por pensarem diferente entre si. É tão bonito ser brasileira e é tão bonito o Brasil, mas também tão complexo e difícil”.

Novo trabalho

Andréia Horta voltou a trabalhar com o diretor Hugo Prata – por quem foi dirigida no filme ‘Elis‘ – na série ‘As Aventuras de José e Durval‘, uma produção Globoplay sobre a vida do Chitãozinho e do Xororó. A atriz vive Dona Araci, mães dos cantores. Uma mulher que teve oito filhos em condições muito adversas, que amava cantar, mas teve que parar com a chegada das crianças. “Está sendo um prazer enorme reencontrar Hugo Prata no set. A Dona Araci está mexendo muito comigo, porque resgato as minhas avós e a ancestralidade feminina e me conecto com a mulher desse Brasil profundo, com tantas dificuldades, com tristeza, mas também alegria. A Dona Araci canta na tristeza, o que tem muita beleza. Ela é uma personagem que está mexendo profundamente comigo em muitos níveis, mas só em níveis belos. Está sendo uma maravilha viver a Dona Iraci!”.

A atriz alongou os cabelos para viver Dona Araci, mãe de Chitãozinho e Xororó em série (Reprodução)

A atriz alongou os cabelos para viver Dona Araci, mãe de Chitãozinho e Xororó em série (Reprodução)

40 anos sem Elis

Em 2015, Andréia interpretou Elis Regina no cinema. Performance pela qual foi premiada. Fã declarada de Elis bem antes disso, e muito mais depois, a atriz exalta o legado da inesquecível cantora que morreu em em 19 de janeiro de 1982. “A Elis estava no mercado de trabalho em uma posição de poder, porque era líder de uma banda de muitos músicos. Ela era autora da própria carreira, com três filhos pequenos que levava nas viagens no momento em que as vozes das mulheres estavam se levantando em direção à busca de seus direitos. A Elis era uma mulher muito esclarecida e vinha à público defender os direitos e os avanços da mulher, e ela foi fundamental”, destaca.

Andréia interpretando Elis Regina (Foto: Divulgação)

“Não sei que tipo de inspiração ela deixa para as mulheres, mas para mim, particularmente, a coragem muito grande de ser o que se é, de acreditar nas próprias posições, de validar os próprios pensamentos e indignações como cidadã. Colocar-se no mundo como uma cidadã indignada, como mãe, como artista, como cantora, como intérprete. E também na sua própria obra, porque ela cantou compositores muito diferentes entre si, e de todos os lugares do Brasil. Elis trouxe ao conhecimento do grande público vozes fundamentais da música brasileira através de suas interpretações”.

A atriz mineira também avalia como ter vivido a Pimentinha transformou sua trajetória artística: “Sem dúvida me levou a outro patamar, no sentido de tudo o que eu aprendi na construção da personagem, em relação ao canto, à honestidade da palavra que sai da boca, à presença do corpo e à importância do gesto. Foi um processo muito grande, que me ensinou muito. Publicamente também leva o meu trabalho para muitas pessoas assistirem, o que foi maravilhoso para mim. Mas, acredito que, sobretudo, viver Elis me ajudou a melhorar a atriz que eu sou, a minha percepção como artista e visão como pessoa no mundo. E me dá muita coragem de ser o que se é, me mantendo bem honesta com os meus valores e posições”.

Novas formas de expressão

“Escrever é uma forma de expressão que me abastece, além de atuar e dirigir. Pude experimentar a direção, com muita delícia, na época do ‘Cara Palavra‘, quando nos juntamos, em 2020, eu, Débora Falabella, Mariana Ximenes e Bianca Comparato para manifestar nossas inquietações naquele momento em que estava todo mundo confinado, assustado e sem saber o que seria. Ali experimentei dirigir. É algo que tem me dado muita alegria: olhar a cena de fora e construir uma narrativa”, comenta Andréia.

E ela nos revela: “Têm vários vídeos de poemas guardados que eu já fiz e nunca mostrei publicamente. São muitos olhares da artista, na intimidade que eu exerço mais do que publicamente. Mas, um dia, vão aparecer publicamente”.

"O tempo só me deixa mais viva, mais interessada no mundo, mais cintilante. É lindo viver, eu acho a aventura mais maravilhosa possível" (Foto: Vinicius Mochizuki)

“O tempo só me deixa mais viva, mais interessada no mundo, mais cintilante. É lindo viver, eu acho a aventura mais maravilhosa possível” (Foto: Vinicius Mochizuki)

Para a artista a proximidade dos 40 está longe de ser uma questão: “O que me fortalece hoje, aos 38 anos, são os meus amigos, a minha construção de vida, o que caminhei até aqui. Eu tenho muito orgulho, muito carinho e amor pela minha construção até agora. Faltam dois anos para os 40, e eu não trocaria a pessoa que sou hoje por uma novinha de vinte e poucos anos, de jeito nenhum. O tempo só me deixa mais viva, mais interessada no mundo, mais cintilante. É lindo viver, eu acho a aventura mais maravilhosa possível”.