*por Vítor Antunes
É acida. A vida cantada no slam é assim: poesia, educação e protesto. Duro como a realidade. E é essa a forma de expressão de Andrea Bak, que além de atriz – e estar no elenco do sucesso das 18h, “No Rancho Fundo“, é uma slammer, gênero marcado pela batalha de poesias. Falando sobre questões sociais, raciais e urbanas, o slam tem sido uma forma de os jovens se comunicarem através da música. Oportunamente, Andrea aproveita dessa densidade para tocar num ponto sensível da sociedade moderna. O abandono parental, correlacionado com o tema social que recorrentemente ganha protagonismo: O aborto. “As mulheres precisam de acolhimento. Já houve outras discussões parlamentares acerca disso tirando o direito da mulher de fazer escolhas sobre o seu próprio corpo e com recorrência seremos bombardeadas com a possibilidade de não escolher”.
Mais recentemente, os artistas têm optado por não “subir no palanque” político. Ainda que haja posicionamento nas redes sociais, eles estão lá, nas redes. Não à vera, não na firmeza do discurso. Recentemente, Lucélia Santos, numa entrevista, se disse prejudicada na carreira por ser militante à esquerda. Regina Duarte o mesmo, por estar à direita. Andrea acredita que tudo está num ajuste de medida: “Acredito na fala estratégica. Eu trago como exemplo o Abdias do Nascimento (1914-2011), um intelectual e artista preto que marcou as gerações adiante dele, e criou o TEN (Teatro Experimental do Negro), [sem se privar de ser político]”.
Diferente de nós, os homens escolhem. Eu tenho mais amigos que não tiveram o nome do pai registrado na certidão do que mulheres que solicitaram abortar – Bruna Bak
Todavia, a atriz pondera: “Com certeza isso pode ser bastante limitador. Toda hora a gente vê um ator negro aí que já tá há muito tempo no mercado fazendo um trabalho atrás do outro, super incomodado pelos papéis que fazem por estarem limitados ao campo de atuação de um personagem ligado ao estereótipo do negro, como o que veio da favela e venceu. Não quero fazer só esses papeis. Também quero viver outros tipos de personagens, que não estejam afunilados pelas temáticas raciais, ainda que eu goste de reivindicar minhas pautas e participe muito intensamente do movimento negro. Quero, também, falar de amor, de nuvens, de outras coisas”.
PLENA, PLENÁRIO, PLENITUDE
Nas últimas eleições municipais, em 2020, Andrea foi candidata a vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Como ela vê o atual contexto e o Rio das atuais eleições municipais? “Como um contexto desafiador, assim como todos. Estamos num momento bem intenso politicamente, em especial no que diz respeito às oposições. A gente vê metade da população num espectro político e outra metade em outro é algo chocante. Mas pôr em minha primeira eleição ter sido bem votada, fico muito orgulhosa. Bem como por saber que foi naquele pleito que mais mulheres, pretos/as e indígenas foram nacionalmente eleitos – inclusive em estados em que há uma prevalência de pessoas racistas”, analisa.
Atualmente muito se questiona que alguns segmentos da sociedade atuem de forma antiacademicista e anti educacional. Há, inclusive, quem defenda o fechamento das universidades. Para a atriz, muito se deve “à parcela da sociedade que não quer sair do seu lugar de conforto. A própria burguesia se incomoda quando os pobres começaram a acessar os aeroportos, viajar nos mesmos aviões que eles e a estudar nas mesmas universidades. A partir do momento que eles veem uma camada da sociedade, como a pobre, preta e marginalizada, adentrando esses espaços, eles se incomodam, porque há a quebra de um arco social geracional”.
N’ATIVIDADE
Em “No Rancho Fundo”, Andrea diz que agora na reta final da trama, sua personagem numa fase em que passa a se incomodar com a sua condição social. “Ela almeja muito mais do que ser uma matuta do interior do Sertão e vai atrás das possibilidades de conseguir riqueza”. Sua personagem, Esperança, faz trio Fé (Rhaisa Batista) e Caridade (Clara Moneke). “O Mário Teixeira, autor, trouxe essa parte bíblica para novelas, o que é muito legal, especialmente por elas não serem nem um pouco santas. Esse personagem foi um presente para mim, bem simbólico ter esse nome.
Um nome feminino no slam, Andrea diz que essa representação artística surge “de um coletivo onde só mulheres pudessem adentrar, então a gente já parte de um lugar muito mais confortável é uma rede de apoio que a gente criou para a gente mesmo é já que já existem tantos outros coletivos com a mais do que claramente ocupados por homens. Nele falamos das nossas faltas, então consequentemente, o público que vai consumir a nossa arte e que vai pagar pelo nosso trabalho também são de mulheres que entendem que a gente precisa se fortalecer”.
O machismo que eu posso sofrer dentro da cena do slam é o mesmo machismo que eu vou sofrer em um laboratório de química, onde eu vou ter meu intelecto pesado, ridicularizado, desacreditado. Então, muito vai da forma como a gente enfrenta o machismo dentro do nosso trabalho, e como a gente lida com a sociedade, como a gente mantém a cabeça erguida”.
Para encerrar, a atriz fala de suas referências: “Ao nível internacional, a Viola Davis, que para mim é uma musa, rainha inspiradora, mas aqui no Brasil eu falo do nosso rei do nosso teatro negro que é o Hilton Cobra é um presente que a vida me deu de verdade, bem como as artes cênicas. Ele mesmo já participou de Secretarias da Cultura e misturou políticas e arte. É uma referência viva para mim. Quando eu entrei na novela, ele me mandou um áudio me aconselhando a não deixar a política de lado. E eu aqui estou”. É como se nessa fala ela retomasse aquilo que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) disse no poema, em que um anjo o aconselhava a ser gauche na vida. No caso de Andrea, foi um homem preto a dizer o que mais definitivo que comporia sua vida.
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