André Dias não têm medo de se entregar a um personagem. Basta olhar o gringo Groa de Segundo Sol e seu papel anterior nas telinhas, o mordomo Patrício de Novo Mundo (2017), que a cabeça pode até dar um nó. Parecem duas pessoas diferentes. O ator de fato é um camaleão. Apesar de estar em sua segunda novela, André vive nos palcos desde os 13 anos e, para ele, chegar só agora na televisão foi um processo necessário e natural. “Talvez se eu entrasse na TV muito jovem, eu estivesse muito imaturo com toda a responsabilidade que esse universo requer. Eu sempre quis ter uma formação sólida no teatro antes de fazer a televisão, pois é um veículo de uma urgência muito grande, você tem que estar pronto o tempo inteiro. Meus 27 anos de teatro me preparam para isso: chegar com mais estofo e com mais profissionalismo mesmo, com mais força para um set de gravação”, conta.
Atuar em uma novela das nove de sucesso e com tanta repercussão, principalmente uma do autor consagrado João Emanuel Carneiro, requer responsabilidade e o ator reconhece isso. “A gente tem noção que é um produto de grande visibilidade e expectativa. Mas nosso clima de gravações é muito bom, então a pressão e tensão ficam de fora. É um set muito agradável, um clima muito ameno, elenco, técnica, direção e arte… todos juntos. Eu acho que isso passa para o espectador de alguma forma”.
André soube que ia interpretar o islandês Groa, 15 dias antes das filmagens começarem, então o processo de preparação foi rápido, mas muito intenso. O ator se saiu muito bem, já que tem gente que acredita que ele é mesmo estrangeiro, o que André vê como o maior elogio possível. “Era minha maior preocupação na primeira fase da novela: ‘Como sustentar um personagem com sotaque dentro de seis meses em uma novela das nove?’ Eu fiz um trabalho de pesquisa fonética com um islandês, aprendi algumas palavras e apliquei fonéticas dessas expressões no texto do João, mas sempre priorizando aquela musicalidade baiana, porque é um gringo que aprendeu português na Bahia, então eu tenho uma sonoridade meio baiana com um sotaque de gringo”, explica o ator, que tem o figurino do personagem inspirado no estilista Dudu Bertolini.
Outra caraterística marcante de Groa é a religião candomblé, o personagem é um pai de santo. O ator já tinha frequentado alguns terreiros, então vivenciar isso de alguma forma não foi uma novidade. “É uma religião que eu acho muito bonita, mas ainda existe um preconceito grande contra ela, como tudo no Brasil. Acham que é macumba, bruxaria, coisa do mal, as pessoas são muito ignorantes e não conseguem ver a beleza por trás da filosofia e da religião”, conta. Ele ressalta a cautela que a novela tem com a temática: “Todas as cenas gravadas no terreiro do candomblé tem a presença do babalorixá e são feitas com o maior cuidado e respeito. Isso é muito bacana, o respeito com que a gente enfoca para que não haja nenhum tipo de mal entendido”. Apesar de não ter uma religião, André é espiritualista e acredita nos campos energéticos e da natureza.
Com papéis no teatro como na peça Avenida Q, em que ele concorreu ao Prêmio Shell, em Rent, O Mágico de Oz, Ou Tudo ou Nada, A Arte da Comédia, Quase Normal, e no cinema no filme Chico Xavier, André afirma o que mais fascina nessa profissão: levar o pensamento crítico aos espectadores. “O que importa é as pessoas saírem da sua zona de conforto, assistirem a uma obra e se verem retratados nela, saírem transformadas. Essa é a missão do artista, criar obras que mudem o cotidiano. A gente tem que educar o nosso público, o nosso país, essa é nossa função. Temos que suscitar o pensamento crítico nesse momento caótico que vivemos”, explica André, formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
Outro assunto que conversamos foi como o artista pode usar a voz e visibilidade para expressar suas opiniões em relação às angústias do país. Para ele, isso é necessário, mas é difícil lidar com a onda de ódio em que vivemos. “As pessoas estão cheias de ódio simplesmente porque sua opinião é divergente da delas, aí você entende porque estamos no buraco que nós estamos”, afirma. Mas mesmo assim, André não se sente intimidado quando deseja postar essas inquietações em suas redes sociais. “Quando você dá uma opinião politica, principalmente no momento que a gente vive, é para abrir a escuta. O que eu não posso é querer que a pessoa morra porque ela pensa diferente de mim, quando eu chego num embate ideológico, eu tenho que ouvir a opinião divergente da minha para tentar transformar a minha própria, tem que existir um comum acordo: tese, antítese e síntese. Um pensamento dialético, para chegarmos a um lugar melhor”, explica.
Para André, que quis essa profissão desde criança, o importante é buscar sempre se aprimorar enquanto artista. O ator disse que um projeto dos sonhos seria fazer uma obra do escritor Nelson Rodrigues, mas o que mais almeja no momento é poder consolidar o trabalho que tem no teatro, também na TV e no cinema. Apesar da dedicação e amor que tem com o ofício, ele não nega que é uma profissão cheia de dificuldades desde o início. “Você querer ser artista no Brasil é remar contra a maré, tem a instabilidade financeira, do próprio mercado, cada trabalho que você termina começa tudo do zero, então é tudo contra. As vezes você tem que brigar para receber seu dinheiro, as pessoas acham que estão fazendo um favor porque estão te pagando, ao menos se você aparece na televisão…se você está na televisão, você é digno de respeito. Temos que mudar essa conduta, esse pensamento pobre de que artista é só quem faz novela. Eu tenho 27 anos de carreira antes de entrar na televisão e sou muito grato a todas as dificuldades que passei no mercado de trabalho, porque foram elas que me tornaram o artista que sou”, comenta.
Sobre um conselho que ele daria para um ator que está começando, ele é enfático: “Desistam! Ao menos que você não possa viver, se você não tem vontade de levantar da cama se não for para fazer isso…que é o meu caso. Eu não consigo estar vivo se não for para viver disso”, frisa.
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