*Por Vítor Antunes
Com longas-metragens a serem lançados simultaneamente – “Mentes Ocultas”, dirigido por Larissa Vereza, que valeu a ela o título de Melhor Atriz; “Senhoritas”, de Mykaela Plotkin, e “Terror à herança”, com Cristina Pereira, a atriz Analu Prestes também aguarda a volta da série “Chá das 5”, dirigida por Hamilton Vaz Pereira, que será exibida no Canal Brasil. Enquanto isso, está mergulhada no projeto teatral “A última Ata“, que discuti a realidade das terríveis fake news.
Segundo ela, a montagem “se encaixa perfeitamente com o Brasil deste momento, ainda que seja um texto americano. Trata-se de uma câmara de vereadores de uma cidade qualquer do Brasil, que está desmoronando por conta de estar inundada após semanas de uma chuva incessante e nenhuma das discussões do lugar passa por isso, pois que os legisladores só debaterem coisas alheias. Além disto, há o desaparecimento de um dos políticos, quem nenhum motivo aparente”. A peça não teve nenhum patrocínio e coube ao incensado diretor argentino Victor Garcia Peralta ordenar os 11 atores em cena. Dentre os quais, Ary Coslov e Dedina Bernadelli.
Analu apaixonou-se pelo texto e não apenas por ele, mas também diante do fato de seu personagem, Dona Violante, ser totalmente o seu oposto “Ela tem uma mesquinhez, representar a extrema-direita e margeia pelo conceito fascista de tradição-família-propriedade. É uma mulher tão diferente que me fez interessar em fazê-la”.
Sob algum aspecto a peça retrata a onda conservadora que se solidificou no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Analu compara essa ótica conservadora com aquela presente no Brasil da época da repressão, onde também havia uma forte prerrogativa direitista. “O atual conservadorismo foi crescendo ao longo do tempo (…). Há hoje uma batalha pela liberdade de expressão de poder ser o que é, pela liberdade de gênero e é muito assustador ver pessoas contra a comunidade LGBTQIA e qualquer coisa que não seja heteronormativa. A estes, os discordantes reagem de maneira muito violenta”. A atriz, então, faz um contraponto com a sua juventude, dos 70’s: “Éramos muito libertários e nós vivíamos numa época de ditadura. Queríamos quebrar tabus, e privilegiar a liberdade, mas tudo em nome da paz, naquela ideia do John Lennon (1940-1980).
Hoje tudo decorre de muita violência, com pessoas armadas, inclusive. Fico muito temerosa cada vez que eu ligo a TV ou vejo o jornal e me flagro com as notícias, que são terríveis. Como é que a gente vai sobreviver a isso? – Analu Prestes
A observação da artista vai além e se arrasta com a “indústria” de notícias falsas às quais estamos expostos: “Perdemos o domínio sobre o que é verdade ou não”. A peça aborda, de igual maneira, a questão da fake news, pós verdades e questionamento da história oficial. Numa fala recente, em razão das eleições, a repórter Juliana Dal Piva caracteriza este momento como o de “desinformação. (…) [Criou-se] o caos entre as pessoas no meio de tantas mentiras. Sem investimento em jornalismo local, no interior do Brasil, perderemos o conhecimento do país”. Segundo levantamento feito pela Poynter Institute, escola de jornalismo e organização de pesquisas americana, numa parceria com o Google, em matéria repercutida pela CNN Brasil, quatro em cada dez brasileiros afirmam receber notícias falsas todos os dias. O número é ainda maior entre aqueles que se preocupam em cair em fake news. Entre estes, o índice sobe para 65%.
A PAIXÃO SEGUNDO A. P.
Ainda que tenha recebido prêmios no último ano como cenógrafa por conta da montagem de “Sonhos Para Vestir” bem como haver sido contemplada com a Triga de Ouro, prêmio mais importante da Quadrienal de Praga: Espaço e Design Cênico, ao realizar um cenário todo feito à mão, Prestes tem uma paixão especial pelo cenário que confeccionara à montagem “O Coração selvagem”, estrelada por Aracy Balabanian, que interpretava Clarice Lispector. No espetáculo que homenageava Lispector, Analu venceu os prêmios Mambembe e o extinto Sharp por haver enriquecido a cenografia com palavras. “O cenário era a biblioteca da Clarice. Havia palavras escritas em todos os lugares. Eu tenho uma forte ligação com a palavra”.
Não apenas a cenógrafa tem uma memória afetiva desta montagem. A própria Aracy Balabanian disse em sua biografia – Nunca Fui Anjo, de Tânia Brandão – que o cenário era fundamental para que a personagem chegasse “antes de a peça começar, ficava lendo as frases de seus textos, que a Analu Prestes tinha colocado no cenário, o contrarregra colocava um cigarro entre os meus dedos, ouvia a voz rascante da Cássia Eller cantando sou inquieta, áspera e desesperançada, dava uma enorme tragada e a personagem aparecia. Parecia coisa de santo” – Disse aquela que interpretou a autora de “A Paixão Segundo G.H.”.
Analu Prestes estreou como cenógrafa em “O Casamento do Pequeno Burguês”. Tratava-se de um cenário “manufaturado em recortes de papelão, inspirado no expressionismo germânico e em pinturas da mesma escola artística”. Com esta peça, ficou em cartaz por cinco anos e viajou por toda a Europa. Quando voltou, precisou ser substituída por Marieta Severo, com a qual fez uma amizade profunda e duradoura.
Tratando-se de algo profundo e duradouro, impossível não falar de Luiz Antonio Martinez Corrêa (1950-1987) , um dos melhores amigos de Analu, que faleceu tragicamente assassinado, em 1987, quando a LGBT-fobia ainda não era listada como Crime de Ódio na Constituição Federal. O ator/diretor fora vitimado por um rapaz chamado Gláucio Arruda, que alvejou-o com 107 facadas, dentre outras sevícias, enquanto sua família e amigos o esperavam para a ceia de Natal. Após ser preso, julgado em segunda instância a mais de 20 anos de prisão por roubo seguido de morte, Arruda conseguiu, em 1994, a progressão para o regime semiaberto. Formou-se em Direito, casou-se e teve dois filhos.
Analu Prestes enche-se de ternura para falar de Martinez-Corrêa: “Luiz Antonio estava com 18 anos quando me viu fazendo uma peça do Naum Alves de Souza (1941-2016) Foi um amor à primeira vista. Fundamos uma companhia, a Pão e Circo e com ela, outras montagens, além de “O Casamento do Pequeno Burgês”, “Titus Andronicus” e “Simbad, o Marujo”. Ele foi o responsável por eu entrar na arte profissionalmente. Meu grande parceiro e amigo. Sua perda foi horrorosa e traumática”.
1988 E 1976: IRA DA POLÍCIA, PROFISSIONAL DAS ARTES PLÁSTICAS E QUEBRA NO ESPAÇO-TEMPO
No ano de 1988, Analu fez um papel importante numa novela que acabou perdendo-se nos confins da memória: “Olho por Olho”, da Manchete, que foi uma das tramas de menor audiência daquela emissora. Em entrevista ao Site HT, Luciana Braga, uma das componentes daquele elenco, disse que “era uma novela que ninguém via”. A trama passou por todo tipo de problemas em razão de sua ousadia. Uma delas foi a de trazer uma mulher trans, Claudia Celeste (1952-2018), como protagonista. A censura também não viu com bons olhos o fato de prostitutas terem relevância na trama. tanto que uma delas, ao ver proibido o trottoir no calçadão, as prostitutas foram protestar e fundaram um partido político, o “Partido Pluralista da Mulher de Rua (PPMR)”. Muita trasngressão.
Analu Prestes conta-nos que a sua personagem, Belisa, uma delegada, fez gerar problemas entre a Polícia e a extinta TV: “Ela possuía uma garrafinha de uísque que escondia e tomava quando ia subir o morro para capturar os bandidos. Além de tudo, relacionava-se com os caras das comunidades. Houve um pedido da Polícia para que a profissional não fosse retratada assim e sua personalidade mudou. Ela não podia mais beber ou transar e passou a ser uma tonta.
Ficou muito chato de fazer [a novela]. Os policiais não gostaram de ser ver representados por uma mulher, que era delegada e que via-se nessa liberdade em beber, prender os bandidos no morro e pegar em armas – Analu Prestes
Outra novela, esta aliás cultuada hoje, é “O Casarão”. A trama, escrita em 1976 por Lauro César Muniz, é profundamente disruptiva em sua narração, por trazer três décadas – 1900, 1920 e 1976 – ocorrendo simultaneamente. Algo muito ousado para a história da teledramaturgia que tem, por hábito, uma estrutura mais conservadora. Esta foi a primeira novela de Analu Prestes, que compôs o elenco das fases “1900” e “1920” do folhetim: “Eu tive dificuldades de me adaptar ao esquema da TV, mas o personagem era incrível. Inclusive acabei por interpretar uma mulher vinte anos mais velha que a minha idade na época. Tive que usar látex no rosto, próteses dentárias… Foi uma grande experiência haver começado minha carreira na TV pelas mãos do Daniel Filho, neste trabalho”.
FUTURO
Perguntamos à Analu como ela percebe a passagem do tempo: “Como eu não tenho filhos, percebo de maneira muito diferente das minhas amigas que os têm. Eu nunca achei que fosse viver muito. Achei que viveria menos. Estou com 71 anos, consegui chegar até aqui fazendo o que gosto, que é arte. Nunca foi fácil, tanto que não comprei minha casa própria, por exemplo. Mas vivo do jeito que gosto, fazendo o que amo e quero fazer, claro, o que eu gostaria que meu físico estivesse com a vitalidade dos 20. Mas [com a idade atual], há coisas que eu conquistei e aprendi. Vejo a vida de uma outra maneira e, ainda bem. Enquanto puder trabalhar e estiver ativa, seguirei trabalhando”.
Qual o conselho para um jovem ator: “Coragem e humildade, porque a gente nunca sabe tudo e o ator está sempre aprendendo. Não adianta querer celebridade e posar para fotos em Angra. O verdadeiro ator é aquele que estuda, que procura caminhos na arte. É preciso estudar, e muito! Estar antenado com o tempo e com aqueles que nos antecederam. É preciso conhecer com veio antes para, daqui para frente, o jovem fazer sua parte. Esse é o nosso ofício”.
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