Ana Lúcia Torre comenta os bastidores turbulentos de “Travessia”, as imprecisões na internet e ter virado meme


Personagem importante de “Travessia”, a atriz fala sobre a curva ascendente de adoção de telespectadores à novela de Glória Perez, a despeito do seus primeiros capítulos, nos quais a novela sofreu com baixa audiência, repercussão e crises internas. “A gente nunca sabia o que iria fazer dali a dois dias. Nunca vi um roteiro de uma semana toda, o que tinha toda a razão, já que a produção não conseguiria contornar os problemas. Enfim, foi difícil”. Ana Lúcia Torre também aborda a onda desinformação que há na Internet e a difusão de fake news. Uma delas aponta que a atriz nasceu em Manaus, algo que foi compartilhado em outros canais oficiais de comunicação. “Já tentei até com amigos ligadas à tecnologia de informação e não há hipótese de mudar isso”. Atriz também fala sobre ter uma maternidade mais tardia e como foi ter sido mãe aos 41 anos

*por Vítor Antunes

Atriz de inoxidável talento, Ana Lúcia Torre é um dos nomes importantes do elenco maduro de “Travessia“, novela das 21h, que está na reta final. Com bastidores turbulentos e audiência abaixo da média, a trama de Glória Perez marcou a sua trajetória com mudanças na narrativa e ajustes enquanto estava no ar. É o que relata Ana Lúcia Torre, sobre a novela na qual vive a personagem Cotinha. “Tivemos muitas dificuldades, sim, para gravar. Por conta de uma série de problemas internos, a nossa dedicação teve que ser integral”. Porém, o saldo da artista no que tange à trama é positivo: “O público começou a encarar a novela de outra forma e, agora, me parece que toda essa onda [de rejeição] diminuiu muito”.

Dialogando com o tema principal da novela das 21h, Ana Lúcia trata sobre dois assuntos do mundo virtual que se relacionam com ela: um deles, a popularização e a transformação da própria atriz em meme, em decorrência da novela “Alma Gêmea“, de 2005. A artista afirma divertir-se com a transformação de uma cena comum em um viral. “O pessoal da internet tema a capacidade de pegar pequenos detalhes que são definitivos pra expressar algumas situações”. Em contrapartida, assinala que a rede ratifica informações imprecisas sobre si. “Eu não sei por que cargas d’água alguém fez um perfil meu no Wikipedia, no qual consta que nasci em Manaus, o que não é verdade. Eu sou de São Paulo, capital. Não apenas paulista como paulistana. Várias pessoas tentaram mudar, inclusive gente ligada à tecnologia da informação, mas não há hipótese de mudar isso. Fora o ato de haver, no site, novelas que não fiz”. Como é feita por pessoas comuns e não especialistas em pesquisa e em comunicação, são recorrentes os erros constantes na enciclopédia virtual e que acabam se tornando verdades absolutas. Inclusive contando em bibliografias oficiais e veículos de comunicação.

Sobre a atual era, da digitalização, eu acho há um problema sério, que é o da pessoa ficar viciada. Foi feito um levantamento mundial e o país onde as pessoas passam mais horas do dia na internet no mundo é o Brasil – Ana Lúcia Torre

Além da novela das 21h, a atriz está em cartaz com a peça “Longa Jornada noite adentro“, clássico de Eugène O’Neill (1888- 1953) dirigido por Sérgio Módena. “Fiz temporada em São Paulo e em Porto Alegre parei pra fazer a novela. E, agora, estrearei dia 12 de maio, no Teatro Prudential, Rio”.

Ana Lúcia Torre comenta os bastidores turbulentos de “Travessia”, as imprecisões na Internet e ter virado meme (Foto: Fabio Rocha/Divulgação TV Globo)

DIFÍCIL TRAVESSIA

Não é novidade ou segredo as baixas repercussões tanto de audiência como de público na atual trama das 21h. Somente depois do capítulo 100, dos 179 previstos, é que a novela foi iniciar uma trajetória ascendente. Com um início turbulento, duras críticas e indisposição entre o elenco, o clima parecia ser de animosidade e reconstrução. Conta Ana Lúcia Torre, a Cotinha, que “nós tivemos muitas dificuldades, sim, para gravar por conta de uma série de problemas internos. A nossa dedicação teve que ser integral. Nunca sabíamos o que fazer dali a dois dias. Nunca vi um roteiro de uma semana toda, com toda razão, inclusive, já que a produção não conseguiria contornar os problemas. Enfim, foi difícil. Mas eu acho que, de repente, as coisas começaram a mudar, o público começou a encarar de outra forma e me parece que toda essa onda [de rejeição] diminuiu muito. A novela começou difícil, mas agora está bem”.

Conversávamos entre nós, especialmente dentro do nosso núcleo, de que estávamos ali pra fazer um trabalho e nós faríamos esse trabalho dignamente, respeitosamente, até o final da novela – Ana Lúcia Torre

O núcleo do qual Torre integra na trama é um dos condutores da novela. É Rudá (Guilherme Cabral) que manipula a imagem de Brisa (Lucy Alves) e isto dá o start na história. Dentre tantos assuntos que a novela aborda, a tecnologia é o que orienta a trama.

Ana Lúcia prossegue dizendo que “a internet nos ajuda de uma forma como nunca antes pensada, é possível ter amigos dentro da sua cidade, do seu estado, do seu país e mundo afora com os quais você pode falar em um segundo. Isso eu acho maravilhoso, fantástico. Bem como poder realizar trabalhos e diversificar conhecimento. Por outro lado, ela criou uma rede de falsas informações extremamente perigosas, e este é outro assunto que a nossa novela está tratando. Há pessoas que têm milhões de seguidores e uma palavra desses pessoas influenciadoras basta para arrebanhar multidões. Acho que nós temos que ter um processo de controle muito forte disso. Muito forte. E e eu não vou dizer que são só os adolescentes que são viciados em tecnologia não”, afirma.

Quando se vai a um restaurante, notamos casais que sentam à mesa, fazem o pedido utilizando o QR-Code, cada um pede o seu prato e até que a comida chegue cada um fica falando através do seu celular. Não há interação entre as pessoas, olho no olho… Isso é uma coisa que me deixa profundamente triste – Ana Lucia Torre

A implantação de “Travessia” foi difícil e exigiu muito dos atores (Foto: Divulgação/TV Globo)

Outra questão relacionada às informações imprecisas diz respeito à própria atriz. Várias fontes na Internet, inclusive sites de grande penetração, afirmam que a artista é natural do Amazonas, em razão de seu verbete na Wikipedia afirmar tal dado. “Eu não sei porque carga d’água há muitos anos alguém fez um perfil meu no site, algo que agradeço muito. Só que a primeira informação do Wikipedia é que eu sou de Manaus e não sou. Eu sou de São Paulo capital”. Porém, ainda que não seja manauara, nortista ou nordestina, Ana Lúcia celebra o maior espaço que artes e artistas de fora do eixo Rio-SP na cena nacional. “De alguma forma, a nossa cultura, em termos de teatro, TV, principalmente, usa a mesma linguagem há muito tempo, e de repente você começa a ver filmes belíssimos e fortes vindo do Mordeste; atores que tem uma uma diferenciação de atuação que te deixam de boca aberta. Eu acho que a arte do Norte/Nordeste vive uma força”.

O alívio divertido na relação de Ana Lúcia com a internet diz respeito à novela “Alma Gêmea“. Memes de Débora, sua personagem no folhetim de Walcyr Carrasco ocupam as redes sociais, especialmente no Twitter, e a frase “Finalmente, os refrescos” é sempre usada como recurso cômico. “Adoro”, diz ela, “São expressões que fazem seus memes. E isso tem a capacidade de pegar pequenos detalhes que são que são definitivos pra expressar algumas situações. São realmente fantásticos e eu lido muito bem”.

“Finalmente os refrescos”. Um estático pixelado e em baixa qualidade ganhou as redes e é usado como recurso cômico

MATERNIDADE E MATURIDADE

Uma tendência atual é de as mulheres adiarem a maternidade. Em outro momento, era comum que as moças fossem mães cedíssimo. Ana Lúcia teve seu primeiro filho logo depois de completar 41 anos e isso aconteceu-lhe naturalmente. “Nem sei se foi uma opção só ter filho mais tarde. A vida era bastante corrida. A televisão ainda estava um pouco incipiente, eram poucos os trabalhos que a gente tinha pra fazer e a nossa base era o teatro e o cinema, então eu trabalhei muito, muito. Foi maravilhoso ter o filho quando eu já estava um pouco mais calma como pessoa. Eu era muito agitada com 20 e 25 anos. Aos 40, eu já comecei a suavizar, e depois que ele veio melhorou mais ainda. Foi uma gravidez tranquila, relaxada, pacífica”, relembra.

Ana Lúcia Torre com o filho e os netos, em 2011 (Foto: Reprodução/Instagram)

Aos 78 anos, Ana Lúcia diz encarar com naturalidade a passagem do tempo. Diante de uma vida cheia de desafios, o maior ensinamento que o tempo lhe deu foi a temperança.  “Começamos a ser um pouco mais seletivos, a ter mais tranquilidade em determinadas situações e consideramos mais o que é mais importante: Se é ter paz ou ganhar uma discussão, por exemplo”.