Amor à vida: a vingança de Aline como um tratado sobre os sentimentos mais baixos, cruéis e frios da humanidade


A psicanalista Anna Carolina Nogueira identifica em Aline um sentimento de que ela só é alguém enquanto estiver colocando a vingança, tão enraizada em sua história, em prática

* Por Junior de Paula

Desde que o mundo é mundo, a vingança é um sentimento que norteia os personagens de histórias ficcionais ou reais. Se pensarmos nas tragédias gregas – como Medéia e Oréstia, por exemplo -, passando por Shakespeare e seu Hamlet, considerado por muitos a maior história vingativa do planeta, e O Conde de Monte Cristo, do francês Alexander Dumas, e chegarmos aos dias de hoje,  com Avenida Brasil e o duelo que parou o Brasil entre Nina e Carminha, ou Revenge, a série norte-americana que leva a vingança até no nome, temos um pequeno tratado sobre os sentimentos mais baixos, cruéis e frios da humanidade.

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Por isso, quando a gente liga a TV para assistir Amor à Vida e vê Aline, personagem de Vanessa Giácomo, cometendo as maiores barbaridades do mundo em nome de uma vingança que ela alimentou em sua a cabeça por anos a fio, a gente tem a sensação de que já viu esta história.

Antes, vamos recapitular para quem não sabe do que estamos falando: Aline é órfã e acredita que sua mãe morreu no mesmo acidente que deixou sua tia Mariah ( Lúcia Veríssimo), sem andar por um tempo e que, supostamente, teria sido causado por César, vivido por Antonio Fagundes.Aline, para chegar próxima ao seu alvo, se fantasiou de secretária empenhada (Oi, oi, oi!), e foi trabalhar junto do seu arquiinimigo. Sempre em roupas provocantes, ela acaba fazendo com que César se apaixone, largue a família, perca a presidência do hospital San Magno e e até a visão, tudo para saciar a sede de vingança  da pequena víbora.

Dentro do balaio ainda tem o amante que ela levou para dividir a mesma casa com o marido cego, que não desconfia de nada, claro, o filho que ela teve com César, a pessoa que ela mais odeia no mundo, e que sofre os maus-tratos diários da mãe. E acham que acabou por aí? Não, nada disso. Numa luta para salvar a procuração que César deu para ela, Aline assiste o amante, Ninho (Julio Cazarré), assassinar a tia, a quem ela supostamente deveria defender. Cava um buraco no jardim e enterra o corpo. Tudo sem nem borrar a maquiagem.

Muito do mérito da personagem, que não tem culpa dos muitos buracos de roteiro, vem da interpretação digna de prêmio de Vanessa, que agarrou a chance de destacar em uma novela das 9 com unhas e dentes. E o faz com muita classe e muita sabedoria. Além, claro, de ter ao seu lado Antonio Fagundes em mais uma de suas interpretações irretocáveis, construindo seu personagem, que está mais próximo do vilão do que do mocinho indefeso nas garras da maléfica vingativa, com doses certas de arrogância, soberba e fragilidade.

O que era para ser um sentimento de vingança, portanto, com o decorrer da história virou, para o espectador leigo,  um caso de sadomasoquismo. Aline, sádica, se regozija ao ver o sofrimento do objeto de seu ódio, mas, ao mesmo tempo se submete a ter que dormir, transar e beijar com a pessoa que ela mais odeia na vida, num caso não muito raro de masoquismo.

A psicanalista Anna Carolina Nogueira identifica em Aline um sentimento de que ela só é alguém enquanto estiver colocando a vingança, tão enraizada em sua história, em prática. “É como se ela tivesse se preparado desde a morte da mãe, há muitos e muitos anos, para se vingar. A Aline se identificaria com aquele papel como se aquilo definisse quem ela efetivamente é. Por isso que, mesmo descobrindo que César pode não ser culpado pelo seu sofrimento, ela precisa se vingar, porque sem a vingança a vida dela perde o sentido”, explica.

Isso justificaria, portanto, ela seguir firme e forte e sem nenhuma dúvida se está fazendo o certo ou não, mesmo quando a tia afirma com todas as letras que não tem certeza se a culpa do acidente que deu início a todo este ódio é do César, mesmo quando Mariah pede para Aline parar com essa loucura, mesmo com o risco de ser descoberta a qualquer momento, já que deixa mil e uma pistas pelo caminho. Um plano, aliás, tão mirabolante que nem a mais cruel das mais cruéis seria capaz de bolar sozinha. Os inimigos de Walcyr Carrasco que se cuidem!

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.