Allan Souza Lima, no ar em ‘Amor Perfeito’, emenda trabalhos no streaming e cinema e diz como lidou com a saúde mental


No ar como um frei em ‘Amor Perfeito’, na Globo, o ator que tem 20 anos de trajetória, também protagoniza o elogiado ‘Cangaço Novo’, na Amazon Prime Vídeo, além do longa ‘A menina que matou os pais – a confissão’, que estreia 27 de outubro, terceiro e último filme sobre o caso Richthofen, em que faz Cristian Cravinhos. Nesta conversa, Allan comenta o sucesso de crítica dos trabalhos, fala do multiartista que é, e revela sonho de trabalhar com Selton Mello. Papo que flui com liberdade e sem tabus, ele também comenta sobre o papel do artista e a cobrança por posicionamento, espiritualidade e saúde mental. “Emendei trabalhos em profundidade nas sombras humanas, isso desgastou bem. Minha terapeuta pontuou que eu estava no limite de uma depressão, que ao contrário dos estigmas, pode te deixar um pouco catatônico, como eu fiquei na época”

*Por Brunna Condini

Allan Souza Lima poderia pedir música no Fantástico. O “pedido de música” tradicional no programa da TV Globo é uma brincadeira que os apresentadores fazem com os jogadores de futebol que marcam pelo menos três gols em uma mesma partida. Pois bem, o ator vem marcando golaços seguidos com suas performances em papéis diversos e super elogiados que já levaram a nota 10 da crítica especializada, como um frei libertário na novela ‘Amor Perfeito‘ no horário das seis na Globo; e também o bancário infeliz que se torna um ‘cangaceiro’ em ‘Cangaço Novo‘, série original Amazon Prime Vídeo. Para o terceiro ‘gol’, o longa ‘A menina que matou os pais – a confissão’, com estreia em 27 de outubro, terceiro e último filme sobre o caso Richthofen, em que faz Cristian Cravinhos. Mas Allan não se deixa impressionar pelo sucesso vindo da repercussão do seu trabalho. “É um momento de colheita, o que é muito gratificante. O reconhecimento pode gerar essa exposição, que pode gerar fama, o que é uma consequência, mas não o que eu busco”.

Multiartista com habilidades de produção, direção e fotografia, ele fala sobre a admiração por outro artista, que o inspira no contexto geral. “O Selton Mello é um bom exemplo de artista que transita bem nos espaços e nas escolhas que faz. É um sonho trabalhar com ele, inclusive estou com um e-mail sobre isso parado na minha área de trabalho há um tempo, mas vou falar pessoalmente. Pode colocar na entrevista (risos). Bom, o Selton, é um cara que provavelmente não gosta de se expor. Já estudei a vida dele toda, desde cedo, quando eu dizia para a minha avó que eu ia ser como o Selton Mello. Um artista que questiona, busca esse entendimento humano. Me identifico”.

A nossa profissão é atuar, buscar conhecimento que leve a esse entendimento da alma humana. Vejo que em muitos é o que falta, já que estão mais preocupados com milhões de outras coisas, menos estudar de fato o que é a nossa profissão. Que é muito mais do que Stanislavski e outros teóricos da atuação. Isso faz parte do estudo, mas antes esses caras mergulharam em um lugar que nem era chamado de psicanálise ainda –  Allan Souza Lima

"O reconhecimento pode gerar essa exposição, que pode gerar fama, o que é uma consequência, mas não o que eu busco" (Foto: Adri Lima)

“O reconhecimento pode gerar essa exposição, que pode gerar fama, o que é uma consequência, mas não o que eu busco” (Foto: Adri Lima)

Com 20 anos de trajetória, o pernambucano de 37, é dedica a vida ao ofício que abraçou, tendo um olhar à flor da pele para o mundo, que o faz mergulhar profundamente no universo de cada personagem, como quando interpretou Cristian Cravinhos – um dos assassinos do casal Manfred e Marísia von Richthofen – no filme ‘A menina que matou os pais – a confissão’. “Foi um desgaste emocional grande. Ele tem uma importância grande nessa narrativa, porque a polícia descobre a autoria por conta de informações que deixa escapar no interrogatório. Sai de um processo de oito meses da série ‘Cangaço novo’, emagreci 15 quilos em um mês e meio e entrei no processo do filme, por mais dois meses. Foi hardcore esse um ano”, recorda. “Até conscientemente sempre transitei neste lugar mais intenso, de personagens com uma densidade muito grande. Claro que também tenho o cuidado de não ficar só focado nisso, mas sempre atento à minha potência como artista. Acredito que minha característica artística tem esse lugar de visceralidade. Desde o processo da preparação até a entrega total. E isso se mistura às minhas escolhas. O Frei João da novela me deu um respiro no meio de tudo”.

 O ator em cena como Cristian Cravinhos em 'A menina que matou os pais - a confissão', que estreia em 27 de outubro (Divulgação)

O ator em cena como Cristian Cravinhos em ‘A menina que matou os pais – a confissão’, que estreia em 27 de outubro (Divulgação)

Allan salienta ainda, a importância do cuidado com a saúde mental e emocional quando se embarca em processos tão profundos e consecutivos. “Na verdade, eu achava estava tranquilo. No meu silêncio, em casa. Sai de um processo de ‘360 quilômetros por horas’, com pouca pausa e emendei em outro. Foram trabalhos em profundidade nas sombras humanas, isso desgastou bem. Minha terapeuta pontuou que eu estava no limite de uma depressão, que ao contrário dos estigmas, pode te deixar um pouco catatônico, como fiquei na época”.

Acho que eu vim dando tanto emocionalmente, que cheguei a um esvaziamento. Cai em uma espécie de limbo. Voltei para terapia, fui me cuidar. Ia fazer um outro trabalho na sequência e meu empresário me estimulou a viajar. Passei 40 dias na Europa abrindo a mente, descansando – Allan Souza Lima

E conclui: “Estou em uma fase tranquila, apesar de continuar trabalhando muito. Me sinto pleno, íntegro agora. Nesse momento, estou falando com você aqui do Projac e andando na grama enquanto aguardo para gravar. Um dos mandamentos que tenho na vida é justamente esse: de sentir sempre meus pés no chão.  Quando a novela acabar, vou para uma praia, tomar uma cervejinha e comer um peixinho. A relação com a natureza me reconecta, me preenche”.

Cangaço novo

A série conta a história de Ubaldo, um bancário de São Paulo que descobre suas raízes no sertão do Ceará, onde tem duas irmãs: Dinorah, integrante de uma gangue de ladrões de banco, e Dilvânia, líder de um grupo ligado ao pai falecido. Ubaldo se vê envolvido em sua herança, história familiar e se torna o improvável líder de um grupo de ‘cangaceiros’, em uma verdadeira epopeia de ação 100% brasileira. “Ubaldo é um furacão”, é assim que o artista define o protagonista da série. “Ele tem uma confusão interna, é uma pessoa perdida no mundo, sem identidade, sem rumo. Essa é a grande saga dele: a procura da sua identidade. E quando a história termina, está ainda mais sem direção. É um personagem que me confrontou muito. Ainda estou no processo de maturação dele”.

Allan Souza Lima protagoniza 'Cangaço novo' (Divulgação/ Amazon)

Allan Souza Lima protagoniza ‘Cangaço novo’ (Divulgação/ Amazon)

Espiritualidade

De personagens mais densos para a leveza que a boa fé traz. O ator está na reta final das gravações de ‘Amor Perfeito‘ como Frei João, um religioso sensível às causas sociais e às reivindicações políticas dos menos favorecidos, que acaba abandonando o hábito para ficar com Darlene (Carol Castro) e a filha que tiveram juntos no passado, Clara (Vitória Pabst). “Esse trabalho veio para trazer calmaria para a minha vida. Não quis passar por nenhum tipo de preparação para vivê-lo, só deixei acontecer”, conta.

Imerso nas questões e conflitos espirituais por conta do personagem, Allan reflete. “Sou espiritualizado, não acredito na palavra religião. Acredito na fé. Falo porque cresci no catolicismo, tenho familiares evangélicos. Então me aproximei dessas religiões para entender de perto, como ponto de análise. Fora isso, já fui seis anos da Umbanda, estive no Candomblé. Fiquei mais sete anos no Budismo. E entendi, quando se fala a palavra religião, principalmente na cultura ocidental, ela te associa a um lugar de penitência, de “Deus quis assim”. Olha essa frase. Temos uma necessidade de colocar a culpa em Deus para diminuir a nossa responsabilidade. Não acredito nesse Deus que pune. Acredito na relação com a natureza. Tem um pensamento do Budismo de Nichiren Daishonin, que diz que a partir do momento que a sua energia que é micro, está na mesma vibração da energia do macrocosmo, que é a energia da vida, do movimento, é onde tudo acontece, flui. Mas quando sua energia está contrária a essa vibração cósmica, tem algum desnível aí. Acredito nisso, no poder disso”.

"Sou espiritualizado, não acredito na palavra religião. Acredito na fé" (Foto: Adri Lima)

“Sou espiritualizado, não acredito na palavra religião. Acredito na fé” (Foto: Adri Lima)

Artista e posicionamento

Extremamente observador a respeito do material humano, com seus comportamentos, contradições e questões, o ator analisa a cobrança atual sobre posicionamentos públicos acerca dos temas em sociedade. “Vivemos em um espaço democrático, acho que cada um tem direito de fazer o que quiser. E super entendo as pessoas que não queiram se expor. Ninguém tem o direito de te dizer o que fazer, apontar o dedo para o próximo. Se um artista não quiser falar, não fala. Eu, por exemplo, sou uma pessoa que opto por não falar de política. E muita gente questiona isso, tudo bem. Porque na minha visão existe uma diferença entre partidos políticos e a questão sociopolítica. Não debato partidos, acho que temos em nós o movimento sociopolítico. A arte por si só é política, anarquista, amoral, subversiva. Tudo que falo sobre educação, cultura, os cuidados que tenho, já são posturas sociopolíticas. Se todos tivessem essa atenção, se o mundo tivesse mais ações, seria menos hipócrita, teria menos guerras. Muita gente diz que luta contra a intolerância, mas acaba se tornando até mais intolerante, até dentro da classe artística isso acontece muitas vezes. Mas penso que a arte está acima de qualquer coisa, ela me faz um ser político, é assim que toco as pessoas”.

Não enlouqueci por causa da arte, ela me faz feliz, me move e pode transformar vidas – Allan Souza Lima