Aline Borges brilha em ‘Pantanal’, fala sobre o abuso que sofreu na vida real e frisa: ‘Ninguém me derruba mais’


A atriz fala da trajetória, de como superou medos e inseguranças de uma relação pessoal, e de como a consciência racial salva em um país como o nosso. “Antes, o racismo ia esmagando a minha autoestima mesmo sem eu ter consciência, mas quando me conectei com a minha essência tudo acendeu. Nenhuma árvore se mantém viva se cortam suas raízes. E isso aconteceu e acontece com o povo preto. Tentam cortar as raízes, apagar as histórias, para que a gente não se reconheça, mas resistimos”

*Por Brunna Condini

“Minha filha, essa vida não é para a gente”, disse o pai da atriz Aline Borges, quando ela experimentou fazer teatro aos 11 anos e sonhou viver da arte. “Hoje, ele assiste a novela ‘Pantanal’ e chora. Eu sempre acreditei que isso era pra mim. E ele sente muito orgulho das minhas conquistas. Sou de uma família pobre, que veio de Parada de Lucas, Zona Norte do Rio de Janeiro. Na minha casa nunca teve artista. Meu pai, Mariano Ferreira, trabalhou a vida toda como segurança, depois em farmácia. Minha mãe, Maria Helena Borges, sempre foi dona de casa. Eles criaram cinco filhos com dificuldades, então quando eu disse que sonhava ser atriz, eles sofreram porque não queriam que eu me frustrasse. Lembro que o complexo de inferioridade que eu carregava sumiu quando subi no palco pela primeira vez na escola. Me senti viva e depois desejei fazer daquilo o trabalho da minha vida. E consegui”. Conseguiu mesmo. Aos 47 anos, com 30 de trajetória, Aline vem despertando muitas emoções como Zuleica, a segunda esposa de Tenório (Murilo Benício) em ‘Pantanal’‘.

Mas foi no capítulo da semana passada, que ela comoveu o público ao confessar que o filho mais velho Marcelo (Lucas Leto) é fruto de um estupro, violência que acomete, na vida real, sete mulheres por hora no Brasil. “Quando  é estuprada no hospital por um médico poderoso, fica sem chão, sem saber o que fazer, já que batalhou tanto para estar ali”. E revela: “Eu mesma, aos 20 anos, vivi uma relação abusiva, de violência verbal, psicológica, emocional, até que um dia fui agredida. E não tive coragem de denunciar. Vim de uma família que sempre me rodeou de muito amor, mas minha educação não foi empoderada, algo que faço hoje com a minha filha”, diz Aline que é casada há 13 anos com o ator Alex Nader, com quem tem Nina, de 11 anos.

Encontrei meu valor, me apropriei da minha luz. Ninguém me derruba mais – Aline Borges, atriz

Aline Borges fala do sucesso em ‘Pantanal’ e da potência descoberta com o empoderamento de sua negritude (Foto: Gabriel Farhat)

PÉS FINCADOS NAS RAÍZES

A atriz mencionou recentemente que demorou a se reconhecer como mulher preta, e fala melhor desse caminho de encontro à sua identidade. “Fico feliz de ter sido chamada para essa novela por conta da minha negritude. O Bruno Luperi assistiu uma live que fiz no Instagram com a minha filha, falando sobre turbantes, ancestralidade. Ali já me viu como a Zuleica. Mas, essa potência toda que ele percebeu é recente. Quando me entendi como mulher preta me potencializei, e isso veio depois dos 40″, revela.

A família da atriz em 'Pantanal': "Fico feliz de ter sido chamada para essa novela por conta da minha negritude" (Acervo pessoal)

A família da atriz em ‘Pantanal’: “Fico feliz de ter sido chamada para essa novela por conta da minha negritude” (Acervo pessoal)

“Em casa, com exceção do meu irmão gêmeo, Roberto, somos pretos de pele mais clara, e o colorismo faz com que a gente não identifique a nossa negritude. Meus pais não tiveram a oportunidade de desenvolver uma consciência racial. Lembro que fiz um espetáculo chamado ‘Contos Negreiros do Brasil’, e ali entendi a minha falta de conexão com as minhas raízes, porque precisei mergulhar na minha história. Na ocasião, até falei que tinha uma lembrança da minha mãe colocar um pregador de roupas no meu nariz, para tentar afiná-lo, quando eu era criança. Recentemente descobri que isso não aconteceu comigo. Acabei misturando memórias, era muito pequena, e na verdade, ela contava que uma parente fazia isso para tentar ser mais aceita. Vejo que isso me impactou mais do que eu pensava, tomei como minha recordação. Uma violência, né? Hoje entendo que cada um tem seu tempo. Eu não demorei a me reconhecer? Falar deste assunto sempre me toca muito (se emociona), penso que podia ter passado pela vida sem isso acontecer. Sei que obviamente não sofro as dores que uma mulher preta retinta sofre, meu prejuízo social é menor, mas o racismo também me atravessa”.

Quando me entendi como mulher preta me potencializei, e isso veio depois dos 40 – Aline Borges, atriz

Aline prossegue: “Posso dizer que os muitos medos que me habitavam antes deram lugar à força que esse apropriar traz. É bonito, acalma. Antes, o racismo ia esmagando a minha autoestima mesmo sem eu ter consciência, mas quando me conectei com a minha essência tudo acendeu. Nenhuma árvore se mantém viva se cortam suas raízes. E isso aconteceu e acontece com o povo preto. Tentam cortar as raízes, apagar as histórias para que a gente não se reconheça, mas resistimos. Além de desenvolver mais a consciência, foi tomando também a ayahuasca, essa planta de poder, que consegui me voltar para a fragilidade da minha autoestima, e cuidar mais dela. Foi um despertar para encontrar meu valor, me apropriar da minha luz. Ninguém me derruba mais. É continuidade”.

Aline Borges revisita sua história e anuncia trabalhos pós-‘Pantanal’

Aline Borges fala do sucesso em ‘Pantanal’ e ancestralidade

Fazendo teatro profissional desde os 17 anos, Aline diz que sempre conseguiu viver da profissão. “Mas nunca foi fácil. Agora tenho ótimas oportunidades, sou grata, mas isso é fruto de muito trabalho, nada caiu do céu. Quando a novela acabar emendo uma série na Netflix chamada ‘B.O.’, do Pedro Amorim, uma comédia. Faço uma policial chiquérrima, empoderada, diferente de tudo que fiz até agora. Vou trabalhar de novo com o Cauê Campos, um dos meus filhos na novela”, anuncia ela, que também está em  ‘Arcanjo Renegado 2‘, do Globoplay. Na trama, Aline vive a assessora da governadora do Rio de Janeiro, papel de Rita Guedes.

Leia mais: Rita Guedes fala de papel poderoso em ‘Arcanjo Renegado’, rejeita pressão estética e polêmica: ‘Não são meus ofícios’

Sou atriz, não sou celebridade e nem tenho intenção de ser – Aline Borges, atriz

Aline Borges, a Zuleica de ‘Pantanal’ abre o coração (Foto: Gabriel Farhat

PAPÉS ESTIGMATIZADOS E ‘NÃO’ AO ‘POWER COUPLE’

E destaca a importância de atores pretos em papeis potentes. “Só me dei conta há pouco tempo que comecei fazendo personagens dentro de um estereótipo. E isso acontece muito com os pretos na TV, no audiovisual. Fiz empregadas, copeiras, bandida. Tem até uma curiosidade, em ‘Celebridade‘ (2003), minha primeira novela, fiz a empregada da casa do personagem do Marquinhos (Marcos) Palmeira, e, agora, nos reencontramos em ‘Pantanal‘, com papeis tão representativos. Depois fiz pequenos personagens na Globo, até que fui para a Record, onde fiquei por sete anos. Fiz boas produções, e me destaquei com a Lacraia, de ‘A lei e o crime‘, que era cria da favela, uma menina potente”, conta.

Aline Borges e Marcos Palmeira em ‘Pantanal’ e, anos antes, em ‘Celebridade’

“Acabaram me chamando para participar do Power Couple, mas o programa não faz sentido pra mim, sou atriz, não sou celebridade e nem tenho intenção de ser, mas ofereceram uma grana boa, e aqui em casa passávamos por um momento difícil. Por isso, quase topei, mas mentalizei muito que surgisse outro trabalho. Não é que ‘cuspi no prato que comi’, mas aquilo não era pra mim, para nós como casal, somos artistas. E rolou outra coisa! Acabou surgindo o filme ‘Alemão 2‘. Agradeci e disse não, aliviada. Foi a partir desse longa que tudo começou a mudar, não renovei com a Record, e me abri verdadeiramente para outras oportunidades”.