Alice Braga, maior nome do Brasil hoje no cinema americano, fala de ‘Eduardo e Mônica’ e repercussão do país nos EUA


Com uma carreira internacional de 15 anos, Alice Braga, considerada hoje uma das mais bem sucedidas atrizes brasileiras no exterior, retorna ao cinema nacional com romance inspirado em música de Renato Russo. Em conversa exclusiva com o Site HT, Alice falou do desafio de viver a Mônica de “Eduardo e Mônica”, a amizade com Gabriel Leone e a pandemia no Brasil. A atriz poderá ser vista em outros três filmes, entre eles “Hypnotic”, no qual contracena com Ben Affleck, fazendo o que faz de melhor: transformando o mundo através do cinema

Considerada hoje o maior nome brasileiro de sucesso internacional, Alice Braga retorna ao cinema nacional no longa “Eduardo e Mônica” (Foto: Daniel Klajmic)

*Por Thaissa Barzellai

Com uma audaciosa carreira internacional já consolidada, Alice Braga é uma atriz que vive de estímulos. Sempre em busca do influxo instigante, como se estivesse sempre à procura de uma renovação da sua arte, a atriz coleciona trabalhos versáteis, que a tiram completamente da sua zona de conforto e ampliam o seu leque de funções. Só para citar alguns exemplos recentes: uma militante contra o governo autoritário no filme ‘‘Esquadrão Suicida’‘, uma traficante mexicana na série “A Rainha do Sul” (que protagonizou e hoje assina a produção executiva) e a série doc sobre o canal Kondzilla, na qual assumiu a produção.

Foi esse afã pelo desafio que a fez aceitar interpretar Mônica no longa-metragem “Eduardo e Mônica”, romance de René Sampaio baseado no clássico da Legião Urbana com letra de Renato Russo (1960-1996). “Quando você pensa em Eduardo e Mônica é algo que faz parte da história da música brasileira, goste ou não da banda. Adaptar uma música para um longa-metragem é um desafio muito grande, porque estamos trabalhando com o imaginário popular”, conta a atriz, cujo nome foi cogitado desde o início da produção. 

“É uma história de amor, que fala sobre diferenças, sobre encontro, sobre aceitação, crescimento, amadurecimento” (Foto: Daniel Klajmic)

Ambientado na Brasília dos anos 80, o filme de René Sampaio, que via a sua vida de um jovem da classe média nos dois personagens da canção, acompanha as aventuras românticas dessa dupla que são opostos complementares. De um lado, o Eduardo (Gabriel Leone) de 16 anos que ainda não sabe qual caminho seguir e tem prazer nas coisas simples da vida, sem grandes pretensões. Do outro, Mônica, uma jovem no auge dos seus 25 anos que estuda medicina, gosta de expressionismo alemão e sai às ruas para protestar contra o governo — aqui representado em um momento de redemocratização pós-ditadura.

Como era ser uma mulher de 20 e poucos anos nessa época, nesse contexto político em Brasília? A contextualização histórica e até mesmo geográfica foram importantes na composição da Mônica de Alice, que buscou entender não apenas o tom que a história almejava como também as complexas nuances dos e entre os personagens que iam muito além das características citadas nos versos de Renato. “É uma história de amor, que fala sobre diferenças, sobre encontro, sobre aceitação, crescimento, amadurecimento. Tínhamos que usar as características da letra, mas também injetar criações que iriam possibilitar as complexidades dessas relações e criar esse arco dramático”, diz.

Inspirado na canção homônima de Renato Russo, romance “Eduardo e Mônica” estreia no dia 20 com Alice Braga e Gabriel Leone

A relação entre Eduardo e Mônica é, sem dúvidas, o elo entre todas as questões exploradas, de modo que para elas serem bem sucedidas na sua proposta era preciso ter, antes de tudo, química entre os atores — uma essência narrativa que talvez seja até mais antiga que a própria história cinematográfica. ‘’Foi  muito importante criar uma química muito profunda para os personagens, pois não tem como pensar Eduardo sem Mônica e Mônica sem Eduardo senão o filme não existe. Se nós não conseguíssemos convencer de que esse amor era possível e era real, o filme não ia alcançar toda a potência que ele tem”, afirma Alice que, assim como Gabriel, tem recebido elogios do público e amigos que tiveram a oportunidade de assistir a uma exibição do longa no Festival do Rio. “Quando juntamos os dois juntos, eles tinham muita química e isso reflete na tela, parecia que eles tinham sido feitos um para o outro”, declara o diretor René Sampaio. 

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Alice, que quase não fez parte do projeto devido às interferências na agenda e burocracias do projeto, como falta de investimento ou alterações no roteiro, não tinha dúvidas de que Gabriel Leone era o parceiro ideal para essa odisséia romântica e encontrou nele um companheiro de cena, de desafios e, acima de tudo, um amigo com as melhores referências. Durante a preparação para o filme, Alice mergulhou de forma mais íntima no universo de Renato Russo, morto em 1996, a quem ela oferece o título de “um dos maiores poetas brasileiros”, quando Leone compartilhou com ela seus itens de colecionador, entre eles os diários de Renato Russo. “Muito da Mônica foi o Gabriel que a ajudou a criar por ele ser um grande fã do Renato. Essa sintonia que eu tive com o Gabriel como ator, um ser extremamente criativo e generoso, foi essencial para ter inspirações para além das minhas ideias”, relembra. 

Fã de Renato Russo, Gabriel Leone introduziu Alice a um lado mais íntimo do intérprete da banda Legião Urbana.

Com uma atuante presença na política através do seu trabalho, é quase impossível ver a Alice Braga envolvida em qualquer projeto que não condiga com os seus ideais e posturas. À primeira vista, “Eduardo e Mônica” pode vislumbrar a típica comédia romântica, que há décadas acalenta o coração dos apaixonados, mas, por debaixo dos clichês, há personagens que levantam pautas extremamente pertinentes para o mundo contemporâneo.

Filha de um comunista que foi exilado durante a ditadura, Mônica desenvolveu desde cedo a sua consciência política e, ao entrar em contato com a realidade de Eduardo, um jovem cuja referência é o avô ex-militar reacionário, aborda as problemáticas do autoritarismo e conservadorismo, um reflexo da polarização política que têm vida cíclica na sociedade brasileira. “É uma loucura como a história se repete e como há pessoas que querem recontar o nosso passado, que é o que está acontecendo agora. Acho interessante lançarmos esse filme nos dias de hoje e fazer com que as pessoas realmente parem para pensar a partir de um outro ponto de vista, ver que a ditadura não foi uma revolução. Tantas vidas foram perdidas… espero que o filme traga diálogo e transformação nas pessoas”, declara. 

Embora resida mais nos Estados Unidos, onde trabalha há mais de 15 anos, do que no Brasil, as polêmicas envolvendo o seu país de origem se fazem mais presentes do que nunca e Alice faz questão de sempre compartilhar as suas opiniões, para o bem ou para o mal. Recentemente, a atriz declarou que o “Brasil é maior do que Bolsonaro” quando refletia sobre como a imagem externa do Brasil tem sido ameaçada devido às declarações e políticas públicas feitas sob o governo do atual presidente, principalmente durante a pandemia.

Para a Alice, que outrora já foi recebida com relatos entusiasmados, é inaceitável ver o Brasil se tornar encubadora de um negacionismo e radicalismo quando já esteve à frente de muitos países em tantas esferas, desde a saúde até ascensão social para os brasileiros. “O Brasil é um país referência quando o assunto é vacinação e ainda assim fomos um dos últimos a receber a vacina. Isso foi tirado da gente enquanto povo e nação. Nós somos o país do Zé Gotinha, temos o SUS, então acredito que vivemos uma pandemia muito injusta com a população brasileira”, reflete. 

Apesar de não ter sofrido nenhuma perda próxima pela Covid-19, a relação da atriz com a morte passou por algumas mutações, incitando reflexões mais profundas sobre a finitude e efemeridade da vida. “Nós perdemos o maior ator de comédia do Brasil no momento, que é o Paulo Gustavo, e é uma perda que não cura nunca mais, porque aconteceu simplesmente por nós não termos vacina. São perdas de vidas que nós não precisávamos ter tido e isso nos faz criar perspectiva do todo, do quanto temos que estar atento para não perder tempo com bobagem. Temos que aceitar o outro, falar “eu te amo”, aprender a pedir desculpas, porque a vida é muito frágil”, afirma a atriz que, com a sensibilidade à flor da pele, está redescobrindo a sua inteligência emocional. “Estou reaprendendo a lidar com esses sentimentos com muito respeito e sensibilidade”, completa. 

Sob a vivacidade dos versos e melodia de Renato Russo, Alice Braga acredita que as reflexões propostas pelo longa-metragem, adiado por conta da pandemia, não poderiam chegar ao público em um momento mais propício. Solar, divertido e sensível, “Eduardo e Mônica” é mais do que uma história de amor; é um vestígio de esperança a todos que sobreviveram à quizumba pandêmica. “Precisamos ter de volta a noção do coletivo e do generoso. Fico emocionada de estar lançando um filme nesses tempos de tanto ataque, principalmente à cultura. Pode-se dizer que foi destino. Depois de uma pandemia, um momento tão duro, é um filme que representa alegria, abraços, vontade de dançar. Estamos precisando muito disso tudo”. “Eduardo e Mônica”, que chega aos cinemas nacionais no dia 20 de janeiro, é apenas mais uma das produções que trazem a Alice na equipe. Em 2022, a atriz poderá ser vista em outros três filmes, entre eles “Hypnotic”, no qual contracena com Ben Affleck, fazendo o que faz de melhor: transformando o mundo através do cinema.